26 de abril de 2024

Alan Rocha e Otávio Oliveira se conheceram há seis anos numa festa de Santo Antônio e começaram a namorar algumas semanas depois

Casamento entre controlador-geral de Taquarana e estudante da Ufal deve ser o primeiro a ter celebração religiosa em Alagoas

Carlos Amaral
Publicado pelo jornal Tribuna Independente, em 22 Janeiro de 2015

Alan Rocha e Otávio Oliveira se conheceram há seis anos numa festa de Santo Antônio e começaram a namorar algumas semanas depois
Alan Rocha e Otávio Oliveira se conheceram há seis anos numa festa de Santo Antônio e começaram a namorar algumas semanas depois (Foto: Sandro Lima)

Às 20h desta sexta-feira (23) será realizado em Maceió o primeiro casamento homoafetivo na esfera religiosa. A cerimônia acontecerá no salão de festas Chez Marie, no Barro Duro, em Maceió. Ela será celebrada pelo bispo dom Fernando Pugliese, chanceler da Igreja Católica Apostólica Brasileira (Icab). Os noivos são Otávio Oliveira e Alan Rocha.

Otávio Oliveira é controlador-geral do município de Taquarana, no Agreste alagoano. Alan Rocha é estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Eles se conheceram há seis anos numa festa de Santo Antônio e começaram a namorar algumas semanas depois. “E estamos noivos há dois anos”, emenda Otávio.

Sobre a homofobia, Otávio garante que a reação das pessoas em Taquarana tem sido boa e que, inclusive, o prefeito Sebastião Antônio da Silva, conhecido como Bastinho Anacleto, será padrinho do casamento.

Esse comportamento, garante Otávio, é o mesmo no meio político da cidade. “Na verdade, algumas pessoas ficaram até chateadas por não terem sido convidadas. Mas não dá para convidar todos. Casamento é algo mais íntimo”.

Eles acreditam que o tratamento que receberão das pessoas será o mesmo após o casamento. “Homofobia se combate quando nos mostramos como somos”, defende Otávio que também é secretário nacional de políticas LGBT do Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Famílias

A família de Otávio sempre aceitou sua relação amorosa, mas a de Alan demorou um pouco. “Hoje está tudo bem, mas foi preciso alguns meses para que a família dele (Alan) aceitasse nossa relação”, lembra Otávio.

Ambas as famílias estarão presentes na cerimônia de casamento.

Sobre ter filhos, o casal quer esperar um pouco. “Pensamos em adotar, mas não agora. Isso é para o futuro”, diz Alan.

Bispo Dom Fernando está emocionado com o casamento

O bispo dom Fernando Pugliese, chanceler da Igreja Católica Brasileira, afirma estar “feliz e emocionado” por ter sido escolhido para celebrar a união entre Otávio Oliveira e Alan Rocha. Para ele, “qualquer oposição a essa celebração é homofobia”.

“A igreja deve se adequar às leis do país e esse é um princípio da Igreja Católica Apostólica Brasileira. E a união homoafetiva foi legalizada no Brasil”, completa dom Fernando.

Para dom Fernando Pugliese, a igreja deve se adequar às leis do país (Foto: Sandro Lima)

Outra caraterística da Igreja Católica Brasileira levantada pelo bispo é que ela é mais liberal. “Os padres de nossa igreja podem casar e ter filhos, por exemplo”.

Sobre o casamento homoafetivo de Otávio e Alan, dom Fernando diz ser um gesto de humildade e sinceridade. “Eles chegam e dizem ‘somos assim e queremos também nossa benção’. Isso me emociona. Pedir benção para essa situação, que é ultra moderna”.

“Vou fazer a cerimonia como se fosse um casamento heterossexual, mas com algumas diferenças próprias da situação. Ela não é rigorosamente, teologicamente um casamento, mas uma benção nupcial que tem efeito civil”, explica o bispo.

Fieis

Sobre a reação dos fiéis da igreja que evangeliza, o bispo dom Fernando diz que não sabe qual será. Ele acredita que haverá todas. “Com certeza teremos aqueles que concordam e discordam, mas também os que irão discutir o assunto. Afinal, é um tema polêmico”.

“Eu acredito que esse seja o primeiro casamento homoafetivo com cerimônia religiosa no país. Até por isso, ele deverá ser alvo de alguma polêmica e discussão”, completa.

Igreja Brasileira é mais liberal e contra a infalibilidade papal

A Icab é uma dissidência da Romana. Ela foi fundada em 1945 por dom Carlos Duarte Costa e chegou a Alagoas em 1971, trazida por dom Wanillo Galvão Barros.

Antes disso, houve uma tentativa de implantar uma igreja católica nacional em 1912 pelo cônego Manuel Carlos de Amorim Correia, de São Paulo. Porém, sem sucesso, pois não havia bispos para transmitir a sucessão apostólica através de ordenações clericais.

Já a Icab conseguiu se consolidar no país porque dom Carlos Duarte Costa promoveu ordenações e sagrações episcopais.

Uma das caraterísticas da Icab é a posição contrária à infalibilidade papal, decretada no Concílio Vaticano I e a defesa de mais liberalidade na posição pastoral em relação ao divórcio e à liberdade para que os clérigos se casassem.

Dom Carlos também tinha atuação política. Ele foi bastante crítico à ditadura de Getúlio Vargas e em 1944, a pedido do núncio apostólico – uma espécie de representante papal – foi preso por ordem do governo brasileiro.

Meses depois ele foi solto devido a pressões internacionais contra sua prisão encabeçadas por personalidades como o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e pelo presidente estadunidense Franklin Roosevelt.

Em 1945, dom Carlos acusou o Vaticano de permitir a fuga de oficiais nazistas após a derrota alemã na Segunda Guerra Mundial através da Operação Odessa. Isso fez com que o Papa Pio XII o excomungasse da Igreja Católica Apostólica Romana.

Quatro anos depois, o presidente Eurico Gaspar Dutra tentou limitar a atuação da Icab. O caso acabou no Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu sua atuação. Após esse fato, dom Carlos adaptou as vestes, liturgia e práticas públicas da nova igreja para diferenciá-la da Romana.

Contudo, surgiram dissidências na Icab após a morte de dom Carlos em 1961. Em 1970, ele foi canonizado pela igreja que fundou, recebendo o título de São Carlos do Brasil.

Papa Francisco: ‘Se um gay busca Deus, quem sou eu para julgar?’

A Igreja Católica Apostólica Romana está discutindo sua posição em relação ao casamento homoafetivo. Em outubro de 2014, aconteceu no Vaticano o Sínodo dos bispos católicos sobre a família. Contudo, a reunião não chegou a uma decisão sobre o tema.

O papa Francisco vem se notabilizando por declarações consideradas polêmicas entre os católicos. Ainda no início de seu papado, ele disse publicamente que “Se um gay busca Deus, quem sou eu para julgar?”. Mais recentemente ele condenou as charges contra os mulçumanos.

Em uma entrevista ao jornal italiano Corriere della Serra, o papa Francisco citou o psicanalista Sigmund Freud ao comentar a idealização sobre quem deve exercer o espaço que ocupa. “Ele (Freud) dizia que cada idealização é uma agressão. Acho ofensiva a imagem do papa como uma espécie de super-homem. O papa é um homem que ri, chora, dorme tranquilo e tem amigos como todos. Uma pessoa normal”.

Contudo, os demais membros da Igreja Católica Romana, pelo menos os mais notórios, ainda resistem à ideia de aceitar o casamento homoafetivo. Porém, Francisco insiste que o Vaticano deve debater o assunto. “Como anunciar Cristo a uma geração que muda?”, questionou durante a mesma entrevista ao Corriere della Serra.

Sua postura sobre temas indigestos à Igreja Católica e a posições mais conservadoras pode provocar mudanças no catolicismo tradicional. Mas isso só o tempo dirá.

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