19 de abril de 2024

Leonardo Sakamoto
Publicado no Blog do Sakamoto, em 10 de outubro de 2014.

familia3Prestem atenção: a história que vocês vão ler abaixo não é sobre homofobia.

Miguel foi convidado por uma amiga para ser padrinho de seu primeiro filho há quatro anos. Uma escolha lógica, uma vez que os dois cresceram juntos e as famílias eram bem próximas. O marido, mais velho que ela e educado de forma bastante conservadora, aceitou o novo compadre sem restrições.

Um ano depois, Miguel tomou coragem e saiu do armário. Contou para a amiga, que contou para o marido. Apesar de um estranhamento inicial, chegaram a conhecer o companheiro dele na época e, aparentemente, nada mudou. Continuaram a envolvê-lo na vida do menino, que passou a amar o padrinho.

De repente, contudo, os três começaram a rarear da vida de Miguel.

Até que, no começo deste ano, ele foi abraçar o afilhado e o pai, de súbito, arrancou o menino dos braços dele.

O pensamento de que o pai do menino poderia estar achando que ele seria um pedófilo – distúrbio que a ignorância profunda tende a associar aos homossexuais – foi logo substituído pela conclusão de que isso poderia ser fruto da educação rígida que ele havia recebido quando criança, o que evitaria abraços em público.

Até que a velha amiga chamou Miguel para uma conversa, nesta semana – dias antes do filho fazer aniversário. Explicou, educadamente, que ele não seria convidado para a festa, solicitou que não enviasse nenhum presente e exigiu que mantivesse distância. “É claro que se a gente se encontrar na rua, vamos te cumprimentar”, ainda ponderou.

Ela havia sucumbido à posição do marido, que considerava-o uma má influência para o filho. Submissa a ele, baixou a cabeça e aceitou.

Miguel tenta entender o que aconteceu. Talvez o ex-compadre, por ser muito controlador, enlouqueça diante da liberdade desfrutada por quem conseguiu fugir das amarras da heteronormatividade.

Afinal, não são raros os que rangem os dentes por ter que suportar uma vida de merda em uma sociedade que os obriga a exercerem um papel que não escolheram. Não acham justo, portanto, que outras pessoas driblem esse esquema e encontrem seu caminho para a felicidade.

Passamos da hora do homem começar a entender que tem direito ao afeto, às emoções, a sentir. Começar a mexer na sua programação que, desde pequeno, o ensina a ser agressivo, a tratar mulheres como coisas e qualquer um que não seja hetero e cissexual, de não-humano. Raramente a ele é dado o direito de oferecer carinho e afeto em público. Legal é xingar, machucar, deixar claro quem manda e quem obedece. O contrário é coisa de mina. Ou, pior, de bicha.

Esse sistema de homens conta com soldados de ambos os lados. Não importa de onde vem o preconceito, a matriz continua machista mesmo sendo perpetuado também por mulheres. Meninos e rapazes, mas também meninas e moças, deveriam ser devidamente educados, desde cedo, para que não se tornassem os monstrinhos hoje formados em ambientes que fomentam o machismo, como família, igrejas e escolas.

Como disse no começo, apesar de tratar de um caso claro de homofobia, não é um texto sobre ela.

E sim sobre um menino que, neste momento, deve estar sentindo saudades de seu padrinho tanto quanto seu padrinho sente saudades dele. E que não entende porque os adultos gostam tanto de colocar distâncias onde elas não existem.

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