Gésner Braga*
Mais uma vez, o Governo Federal comete um erro conceitual e um deslize grave ao se referir à população LGBT. Desta vez, a falha ocorreu no programa de governo da presidente Dilma Rousseff (que buscará a reeleição neste ano), disponível aqui e que se refere à sexualidade humana (e à homossexualidade nas entrelinhas) como fruto de uma opção.
Numa citação breve e genérica, o programa traz o seguinte enunciado: “Ainda no elenco de desafios institucionais, a luta pelos DIREITOS HUMANOS se mantém, sempre, como prioridade, até que não existam mais brasileiros tratados de forma vil ou degradante, ou discriminados por raça, cor, credo, sexo ou opção sexual”**. A intenção pode ter sido boa, mas o termo adequado é “orientação sexual”. Para ficar impecável, deve ser sempre acompanhado de outro conceito: identidade de gênero. Espero que corrijam, visto que o documento aparentemente vem sendo alterado, apesar de que o trecho em referência continuava lá até o fechamento deste artigo, como se vê abaixo.
Não é a primeira vez que o governo incorre neste erro e, ao que tudo indica, não aprendeu a lição. Em maio de 2011, Dilma vetou o kit Escola Sem Homofobia, material educativo elaborado por entidades não governamentais, sob a supervisão do Ministério da Educação, voltado para estudantes do ensino médio de 6 mil escolas públicas, com a alegação de que o seu governo não faria “propaganda de opção sexual”. A decisão lamentável e a declaração infeliz foram duramente criticadas por ativistas LGBT, por verem nelas um flagrante retrocesso político sob pressão da bancada evangélica do Congresso.
Na primeira ocasião, poderíamos entender que se tratava de um fato pontual e de uma atitude involuntária, automática mesmo, motivada pela pressão da imprensa que cercava a presidente por todos os lados. Porém, não se ouviu falar em reconhecimento do erro e posterior retratação, não obstante as críticas recebidas, e o kit continua vetado até hoje. No caso atual, a situação é bem mais grave, pois o termo foi adotado em um documento que deveria, a princípio, ter sido feito de forma meticulosa e revisado por uma assessoria capacitada. Não é o que parece.
Sabemos que o termo “opção sexual”, de tão propalado, está internalizado pelo senso comum e seu uso se tornou banal. Sendo assim, lutar contra este senso comum pode ser tomado como uma implicância desnecessária? Definitivamente, não. Tratar a sexualidade humana como fruto de uma opção pessoal é dar munição pesada para aqueles que defendem a “cura gay”, especialmente religiosos fundamentalistas, psicólogos de competência duvidosa e charlatões de todo tipo. Afinal, se a sexualidade é opção, pode ser mudada ao gosto do freguês e aí pisamos num terreno minado.
O mais irônico de toda essa história (para não dizer o mais patético) é a facilidade com que se pode provar o absurdo da falsa ideia de sexualidade como opção. Uma simples pergunta é capaz de fazer ruir esta tese: alguém se lembra do dia em que, não tendo sua sexualidade definida, optou conscientemente por ser heterossexual? Certamente, não. Ora, se a regra não vale para heterossexuais, não valerá também para homossexuais.
Os argumentos contrários à “opção sexual” não param por aí e outras perguntas podem ser formuladas. Por exemplo: quem, em sã consciência, optaria por se sujeitar ao onipresente e sempre violento preconceito contra pessoas LGBT? Quem se submeteria de forma voluntária a humilhações dentro de casa, na escola, no trabalho ou em qualquer lugar de convívio social? Quem, desejando seguir uma religião, elegeria para si uma conduta que viria a ser rejeitada e duramente combatida no seio da sua igreja? Quem adotaria espontaneamente o caminho da depressão e do suicídio? Quem escolheria perder a vida de forma brutal por puro capricho? Não, nenhum de nós escolheu, por livre e espontânea vontade, ser essa espécie de homem-bomba fanático disposto a dar a própria vida por uma causa. Nós não tivemos escolha, apesar de que muitos, entre nós, têm orgulho de ser quem são.
Por considerar que algumas pessoas precisam de informações mais esmiuçadas sobre o assunto aqui tratado, encerro este texto de forma bem didática e reproduzo a seguir os conceitos presentes nos “Princípios de Yogyakarta” sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero:
Orientação sexual – Refere-se à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas.
Identidade de gênero – É uma experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos e outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos.
* Gésner Braga é gay, ativista LGBT, jornalista e mantém o site Clipping LGBT.
** Nota de esclarecimento: posteriormente à publicação deste artigo, o programa de governo de Dilma Rousseff foi alterado para excluir o termo “opção sexual” e fazer constar “orientação sexual ou identidade de gênero”, conforme reprodução abaixo. A correção do texto foi resultado da rápida ação da coordenação nacional do setorial LGBT do PT, que também defende a necessidade de se “aumentar o peso da agenda dos direitos humanos, principalmente da agenda LGBT no programa do segundo governo”. Entretanto, o programa de governo disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral permanece com o texto anterior.
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Ah, que bom! O programa de governo foi corrido e agora faz constar “orientação sexual e identidade de gênero”.