29 de março de 2024

Sua versão cristã à moda brasileira se materializa na difamação e perseguição sistemática da comunidade LGBT e de outras religiões sobretudo as de chamada “de matriz africana”

Por Jean Wyllys

Publicado pela revista Carta Capital, em 2 de julho de 2014

Em datas recentes e muito próximas, quatro episódios nos chocaram. Pelo menos chocaram a nós que respeitamos as diferenças religiosas, étnicas, sexuais, de gênero e a diversidade cultural resultante delas. Na cidade mineira de Montes Claros, Ítalo Ferreira da Silva, membro de uma seita cristã neopentecostal, foi preso após destruir sete imagens sacras numa igreja católica. Na Baixada Fluminense, o “barracão” da ialorixá Mãe Conceição de Lissá foi incendiadono mesmo dia em que o muro do babalorixá Germano Marino amanheceu pichado com os dizeres “Vamos matar os gays” e “Deus abomina os gays”. Na semana anterior, um delegado da região comentou em uma matéria sobre o dia dos namorados que o casal retratado na matéria deveria “apanhar de cipó” por assumir a relação homoafetiva. Tudo isso enquanto um pastor faz campanha por boicote a “Em Família”, novela que ousa retratar o amor entre duas mulheres.

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Não se iludam que esses sejam casos isolados, sem relação entre si. Muito menos que correspondam a agonias privadas. Os quatro episódios citados acima são expressões do fundamentalismo cristão e o têm como causa.

Entendo o incômodo que a expressão “fundamentalismo cristão” possa trazer à maioria dos cristãos brasileiros, uma vez que estes não desejam se ver confundidos com fundamentalistas (e não devem mesmo ser confundidos!). Mas a verdade é que, sim, existe no Brasil um fundamentalismo cristão. E ao contrário do que sugerem os telejornais, o fundamentalismo não é uma prerrogativa apenas do islamismo.

Toda religião se fundamenta em um conjunto de narrativas, codificado ou não. Quando um religioso lê ou toma esse conjunto de narrativas como verdades absolutas a serem impostas a todas as pessoas, dizemos que ele é um fundamentalista. Nem todo cristão ou muçulmano ou judeu é fundamentalista, mas alguns cristãos, muçulmanos ou judeus o são.

No caso do fundamentalismo cristão à moda brasileira, este se materializa na difamação e perseguição sistemática da comunidade LGBT e de outras religiões, sobretudo as de chamada “de matriz africana” (a Umbanda e o Candomblé), já que, em relação a estas, ainda há um viés racista por serem religiões “de negros”.

O sinal de alerta se acende ao observar os detalhes do primeiro dos quatro episódios citados: suspeita-se que Ítalo não goze de boa saúde mental e de que teria sido por conta disto que ele teria repetido o famoso ato de um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus que investiu contra imagem sacra em rede nacional de televisão. Quando um pastor defende publicamente que pessoas merecem punição física pelo seu pecado, quem garante que uma ovelha em sua doença mental não vá, de fato, executar o “julgamento divino”?

O proselitismo fundamentalista tem saído dos púlpitos e vigorado nas redes sociais, mas, antes (e o que é pior!), na política. Enquanto muitos destes líderes fundamentalistas se candidatam ao Legislativo (formando bancadas que se notabilizam pela intolerância e ignorância, mas também pelas faltas às sessões, ineficiência e problemas com a justiça), outros candidatos e candidatas flertam com eles na esperança de ganhar os votos de seus rebanhos e o dinheiro que adquirem com a exploração comercial da fé.

Lamento profundamente que os principais candidatos à Presidência da República e aos governos dos estados não estejam rechaçando, de maneira clara e efetiva, o fundamentalismo cristão e seu estímulo à intolerância e à violência contra minorias sexuais e religiosas, mas, antes, estejam cortejando esses inimigos da democracia em troca de dinheiro para suas campanhas e dos votos de seus rebanhos.

Conclamo os cristãos não-fundamentalistas, católicos e evangélicos, a reagirem ao fundamentalismo; a virem a público deixar claro que esses líderes fundamentalistas não lhes representam; e a se unirem aos adeptos de religiões minoritárias e ateus na defesa da laicidade do Estado; da diversidade cultural e da cultura de respeito aos diferentes.

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