18 de maio de 2024

Entidades e ativistas do movimento pela diversidade sexual e de gênero na Bahia redigiram carta de apoio ao juiz Mário Soares Caymmi Gomes, titular da 27ª Vara de Substituições de Salvador. O magistrado foi afastado do cargo pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, decisão tomada em sessão sigilosa realizada no dia 13 deste mês.

O fato ocorre após a tentativa do magistrado em reservar as três vagas de estágio em Direito do seu gabinete exclusivamente para pessoas sexodiversas, especialmente travestis, transexuais e pessoas não-binárias, das 1.700 vagas existentes em todo o Judiciário baiano, o que corresponde a apenas 0,18% do total.

O magistrado também é presidente da Comissão LGBTQIAPN+ do Poder Judiciário do Estado da Bahia e tentava exercer a função que lhe foi atribuída para defesa desse segmento da população no âmbito da Justiça Estadual.

Confira a seguir o inteiro teor da carta:

CARTA DE APOIO AO MAGISTRADO MÁRIO CAYMMI

Os abaixo assinados, membros da sociedade civil que defendem direitos LGBTQIAPN+, vêm, por meio desta carta, manifestar a sua PREOCUPAÇÃO com o episódio recente envolvendo o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA e o magistrado MÁRIO SOARES CAYMMI GOMES, pelas razões abaixo expostas:

  1. O magistrado foi pioneiro ao dedicar 3 vagas de estágio em Direito EXCLUSIVAMENTE para estudantes da minoria LGBTQIAPN+, de um total de 1.700 vagas existentes em todo o Poder Judiciário da Bahia, o que representa menos de 0,18% do total.
  2. Feito isso, o Corregedor Geral de Justiça do Estado da Bahia suspendeu o edital de seleção, alegando que não havia motivo válido para que fosse vedada a participação de pessoas heterossexuais na contratação.
  3. Ocorre que QUALQUER POLÍTICA AFIRMATIVA SÓ SE DÁ SE HOUVER A PROIBIÇÃO DE QUE PESSOAS NÃO AFETADAS PELO MARCADOR SOCIAL DE DIFERENÇA QUE SE BUSCA PRIVILEGIAR POSSAM USÁ-LA EM SEU FAVOR.
  4. Assim, não se permite que, nas cotas de pessoas pretas em concursos, seja possível a contratação de brancos. O próprio Poder Judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editou a Resolução nº 203/2015, que criou cota de 20% nos concursos públicos do Poder Judiciário do Brasil APENAS para pessoas pretas. Em decisão no Procedimento de Controle Administrativo 0002371-92.2022.2.00.0000, esse mesmo órgão vedou a possibilidade de assunção de pessoa branca em cotas de pretos e ordenou o afastamento de candidato branco que havia sido contratado nessa cota.
  5. No caso da cota eleitoral para mulheres, criada pela Lei Federal nº 9.504/97, art. 10, §3º, desde 2009, exige-se 30% de candidaturas femininas em cargos eletivos proporcionais de todos os partidos políticos registrados no Brasil. E está PROIBIDO que homens venham a ocupar essa cota, MESMO QUE INEXISTA INTERESSE DE MULHERES EM REIVINDICAR O DIREITO DE REGISTRAR CANDIDATURA. Quanto a isso, existem inúmeras decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
  6. Sobre a possibilidade de criação de políticas afirmativas, independentemente de lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou tal iniciativa constitucional, vide Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186.
  7. Portanto, é causa de SURPRESA E PERPLEXIDADE a suspensão da medida pelo Corregedor Geral de Justiça, alegando que um cota voltada para pessoas LGBTQIAPN+ não possa existir e que seja obrigatório que pessoas heterossexuais devam poder participar da mesma. Essa decisão, com o devido respeito ao órgão censor do TJBA, encontra-se divorciada dos parâmetros legais e constitucionais antes mencionados.
  8. É imprescindível destacar que não há no âmbito do Poder Judiciário do Estado da Bahia a realização de seleção pública para estágio em Direito ou qualquer outra área de atuação. Ou seja, todos os magistrados estaduais têm a prerrogativa de nomear para os seus gabinetes qualquer estudante do seu interesse.
  9. Por essa mesma ótica, o magistrado MÁRIO CAYMMI tem pleno direito de designar para o seu gabinete qualquer estudante que preencha os requisitos de estágio exigidos pela instituição, podendo ser inclusive e exclusivamente pessoas LGBTQIAPN+.
  10. Contudo, em um ato de legítima, absoluta e admirável transparência, o magistrado preferiu realizar uma seleção pública, iniciativa oposta à prática pouco ou nada republicana das designações discricionárias praticadas até então.
  11. Após a suspensão de seu edital de seleção de estágio, o magistrado MÁRIO CAYMMI recorreu ao CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, utilizando-se de direito constitucional de petição e acatou a determinação do Corregedor.
  12. Apenas quase 5 meses depois de suspenso o edital, o magistrado foi convidado pela Comissão de Diversidade da OAB-BA para ser entrevistado em programa de rádio no qual seria debatido o tema “Empregabilidade Trans”. Usando do direito constitucional à liberdade de expressão, o mesmo teceu críticas à decisão do Corregedor Geral de Justiça, sem ataques pessoais ou qualquer excesso de linguagem.
  13. Com base nessa entrevista, o Pleno do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia entendeu que o magistrado está se comportando de maneira imprópria na carreira; e que não tem o direito de se insurgir contra medida que lhe foi imposta, que o mesmo estava impugnando em procedimento em tramitação no CNJ.
  14. Equiparar o direito constitucional de CRÍTICA e a reivindicação de direitos para a comunidade LGBTQIAPN+ a atitudes incompatíveis com a magistratura é motivo de PREOCUPAÇÃO das entidades, por se assemelharem a uma perseguição por motivo de orientação sexual do magistrado.
  15. Por vias transversas, é inequívoco que o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia está buscando punir o magistrado MÁRIO SOARES CAYMMI GOMES, usando termos vagos e imprecisos, com vistas a tentar fazê-lo calar-se ou até mesmo perder o cargo.
  16. Mais surpreendente ainda é o fato de que esse magistrado seja PRESIDENTE DA COMISSÃO LGBTQIAPN+ DO PODER JUDICIÁRIO DA BAHIA, criada pelo Decreto Judiciário nº 662/2020 do próprio TJBA e que tem, entre as suas missões, criar políticas afirmativas dentro desse órgão.
  17. Sendo assim, em última instância, o Pleno do TJBA está buscando punir o magistrado por exercer a atribuição administrativa que lhe foi EXPRESSAMENTE ENTREGUE PELA CORTE JUDICIÁRIA BAIANA.
  18. Esses fatos, normas e precedentes judiciais e administrativos acima referidos deixam claro que há fundamento suficiente para entender que a decisão adotada pela Corte Estadual Baiana pode refletir uma atitude de preconceito contra o magistrado supra referido, em razão do mesmo ser assumidamente gay e buscar a inclusão da pauta LGBTQIAPN+ em seu local de trabalho, o que PREOCUPA os subscritores dado que têm por missão lutar e reivindicar contra fatos semelhantes.
  19. Por tudo quanto ora exposto e no anseio de ver sanada uma circunstância que julgamos incompatível com os princípios de justiça e reparação social, subscrevem:

(As assinaturas permanecem sendo colhidas e serão divulgadas oportunamente)

1 thought on “Ativistas baianos declaram apoio ao magistrado Mário Caymmi

  1. O pior de tudo é ver as poucas pessoas que tentam enfrentar o sistema em defesa das minorias, serem perseguidas e não tendo apoio da casa da justiça que também deveria estar nesta luta…

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