19 de março de 2024

Por: João Marinho

Publicado pelo site Nossos Tons, em 10 de agosto de 2013

garotoA situação é a seguinte: você foi àquela baladinha agitada no fim da tarde (que nós chamamos de matinê), conheceu um boy magia e ficou encantado. Vocês saem, combinam um cinema, tudo parece às mil maravilhas e você se prepara para a primeira noite de amor… É quando ele lhe revela que, na verdade, ele é “boy” mesmo: menor de idade!

O que fazer?

Algum tempo atrás, essa situação era muito complicada, especialmente para namorados gays.

A legislação brasileira, embora não necessariamente impedisse o relacionamento afetivo entre um maior de idade e um menor de idade, continha brechas que podiam causar muita dor de cabeça ao maior – ainda mais por dar às famílias a prerrogativa de acionar ou não o poder público, o que muitas faziam motivadas unicamente por preconceito homofóbico.

Em 2009, a Lei 12.015/2009 mudou esse panorama. Aprovada pelo Congresso e sancionada pelo ex-presidente Lula, essa lei, que completou quatro anos esta semana, trouxe profundas mudanças na legislação penal a respeito de crimes sexuais.

Uma delas, bem conhecida, é a do estupro, antes definido unicamente como penetração vaginal não autorizada e, obrigatoriamente, tendo o homem como agressor e a mulher como vítima. Depois de 2009, homem e mulher podem ser agressores ou vítimas e é estupro qualquer ato sexual não autorizado ou obtido mediante violência ou grave ameaça (art. 213). Também é crime manter relações sexuais mediante fraude “ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima” (art. 215), o que inclui drogas e bebidas, né?

A lei 12.015, porém, também trouxe mudanças no que diz respeito ao sexo entre menores. O conteúdo completo dela pode ser lido aqui.

Para além disso, porém, ao introduzir mudanças nas nomenclaturas de crimes sexuais, revogar artigos do Código Penal vigentes então desde 1940 e dar novas redações a tantos outros, a Lei introduziu, no Brasil, os 14 anos como IDADE DE CONSENTIMENTO.

Ter relação sexual ou praticar qualquer ato libidinoso com alguém menor de 14 anos é crime, independentemente do consentimento do menor: estupro de vulnerável (art. 217-A). Se induzir o mesmo menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outra pessoa ou mesmo a assisti-la, corrupção de menores.

Agora, de 14 anos para cima, havendo consentimento do menor, está liberado, certo?

Certo.

No entanto, é preciso tomar certos cuidados. Com a nova Lei, muita gente adotou essa ideia de que “de 14 anos para cima, pode” e se esqueceu de que a legislação brasileira ainda confere ao menor de idade uma série de proteções especiais dado seu grau de amadurecimento e a proteção à infância.

Para ilustrar, vou trazer à memória um fato real, ocorrido há alguns anos, de uma menina de 15 anos que mantinha relações com dois rapazes em um carro, em uma avenida, e com eles consumia bebidas alcoólicas. Os rapazes também aproveitaram para tirar fotos dela. Resultado: foram autuados por corrupção de menores e outros crimes, e aí muita gente veio perguntar: “mas como, se agora, ‘de 14 anos para cima, pode’?”.

Pode, mas não pode tudo.

O artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo, chama de corrupção de menores um outro crime: “corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 anos (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo a praticá-la”.

Transar em uma avenida é uma infração: trata-se de um lugar aberto ao público. Um crime chamado de ato obsceno (art. 233 do Código Penal). Onde estava a menor com os rapazes? No carro, praticando ato obsceno. Além de serem os dois incluídos no artigo 233 do Código Penal, foram incluídos no artigo 244-B do ECA.

Segundo fato: a menina estava bebendo. Estava bêbada? Se isso significar um “meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”, opa: artigo 215 do CP. Outro problema.

Terceiro fato: as fotos que estavam sendo tiradas. A Lei 11.829/2008, chamada de “lei da pedofilia”, alterou o ECA para impossibilitar a pornografia infantil. Os artigos 240 e 241 do ECA criminalizam o registro de cena de sexo explícito ou pornográfica com menor de idade, quem agencia menores para este fim e quem distribui, quem guarda e até quem edita para que atores não menores pareçam menores. Acertou quem pensou: “é, os rapazes não deviam estar fotografando”.

Finalmente, a bebida alcoólica, todos sabemos, é também proibida para menor de idade – e também se proíbe que se forneçam essas bebidas para ele.

Sabe o que também é proibido? Fazer sexo com menor de idade por ter oferecido dinheiro, presentinhos, agrados, etc. É o artigo 218-B do Código Penal, o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável: “submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone”.

Então, é o seguinte: quer namorar um menor de idade? E, nesse meio tempo, mesmo se relacionar com ele/ela como é natural? Que ele tenha no mínimo 14 anos, que tenha consentido livremente (e não em troca de dinheiro, favorzinhos ou agradinhos) e que vocês façam tudo em um lugar privado e adequado, sem uso de substâncias proibidas para ele e sem registros do tipo fotinhas, videozinhos e similares… No mínimo. Conversados?

Até porque, se antes a família é quem podia ou não denunciar, agora o Ministério Público não depende da autorização de ninguém e pode tomar ele a iniciativa de indiciar o maior.

Obs.: a foto ilustrativa é do ensaio “Balls by Rick Day”, da revista alemã “Manner”, que não utiliza menores de idade

Divulgar é uma ótima arma contra o preconceito

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15 thoughts on “Sexo e relacionamento com menor de idade

  1. Eu esto achando curioso o fato de essa publicação está sendo tratada como uma sala de bate-papo. Convém lembrar que os emails das pessoas que publicam comentários não fica visível para ninguém, exceto para o administrador do site. Eu, entretanto, manterei os emails em sigilo, visto que minha finalidade é essencialmente jornalistica.

    Em tempo, a imagem acima é meramente ilustrativa e eu não tenho o contato da pessoa retratada.

  2. Eu não sou bacharel em Direito, mas vamos ao texto da Lei 12.015/2009:

    “DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL

    Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:

    Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. ”

    Vamos agora ao conceito de lascívia:

    “s. f. 1. Caráter ou qualidade de lascivo. 2. Luxúria, libidinagem, sensualidade. 3. Propensão para a lubricidade. 4. Med. Satiríase.”

    Ou seja, a lei não fala em “ato carnal”, como se refere em outros artigos. Ao contrário, chega a falar em “propensão”. Portanto, na dúvida, melhor não tentar, não é?

  3. Há uma certa incoerência nesta lei. Se, por exemplo, um sujeito de 40 anos (!) quiser manter relações íntimas com uma jovem de 14 anos e não esteja conseguindo isso com meras palavras e “xavecos”, como esperam que consiga sem, ao menos, dar-lhe alguns presentinhos ou prestar-lhe alguns serviços como ajudar nos estudos?

  4. Uma pergunta, se eu tiver relações com um menor de 18 porem maior de 15, consentido, sem trocas de presentes ou qualquer facilitador para o ato (vide drogas, álcool, entre outros), é punível de alguma forma, ou existe alguma forma de distorção da lei, para que seja classificado como estupro??

    1. De pedofilia, você não será acusado. Quanto ao resto, creio que o artigo é esclarecedor em um aspecto: todo cuidado é pouco.

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