18 de maio de 2024

Declaração feita por Michele Collins (PP) foi considerada transfóbica por Ivan Morais (PSOL), que afirma que vai denunciá-la na Comissão de Ética da Câmara.

Por Pedro Alves e Fernanda Soares
Publicado pelo portal g1, em 13/12/2023

Dayanna Louise Santos é professora e doutoranda em educação — Foto: Reprodução/WhatsApp

Vereadores do Recife barraram em Plenário a concessão de um título de Cidadã Recifense a uma professora devido ao fato de ela ser uma mulher trans. Dayanna Louise, doutoranda em educação, seria homenageada após um requerimento do vereador Ivan Moraes (PSOL). Eram necessários 24 votos, mas houve apenas 20 aprovações, cinco contrários e 14 abstenções.

“Eu compreendo que não se trata de um ataque pessoal. Entendo que, quando a Câmara Municipal do Recife nega um título de cidadã para uma pessoa que é travesti, isso representa mais um reforço de um processo de social em que, para essas representações políticas, é inconcebível um corpo, sendo travesti, ter algum mérito social. Não se preocupam com a nossa vulnerabilidade”, afirmou Dayana Louise.

O caso ganhou repercussão depois que a vereadora evangélica Michele Collins (PP) subiu na tribuna e disse que o título de cidadã, no feminino, não poderia ser dado a “um homem, do sexo masculino”, e afirmou que haveria um “erro técnico”. A fala transfóbica foi levada à Comissão de Ética e Decoro da casa (confira mais abaixo). A vereadora se pronunciou em nota (leia no final desta reportagem).

O Projeto de Decreto Legislativo foi criado pelo vereador Ivan Moraes (PSOL), em reconhecimento pelo trabalho de Dayanna, que é natural de Carpina, na Zona da Mata de Pernambuco, e é professora da rede pública há mais de 10 anos, com atuação em inúmeros projetos para promoção dos direitos de pessoas LGBTQIA+.

Ele apresentou o projeto no dia 11 de setembro, e a votação foi na segunda-feira (11). Eram necessários três quintos do total de 39 vereadores da casa, o que equivale a 24 votos. Nesse dia, Michele Collins utilizou o plenário para se posicionar contra o projeto antes da votação, e chegou a dizer que Dayanna Louise é um homem trans, e não uma mulher trans, que é o caso.

“O vereador Ivan Moraes está propondo que um homem, porque é do sexo masculino mas se sente mulher. É um homem trans, né? Uma pessoa LGBT. E ele [o vereador] quer que essa pessoa, que é um homem, do sexo masculino, receba o título de cidadã recifense”, afirmou a vereadora.

Michele Collins disse que iria se ater ao Regimento Interno da Câmara Municipal, e disse que na Comissão de Legislação e Justiça votou contra o projeto porque o título de cidadã seria para pessoas com sexo biológico feminino, independentemente do gênero, assim como o de cidadão seria para pessoas do sexo biológico masculino. Michele argumentou que o regimento para títulos de cidadania foi alterado em 2018 para distinguir cidadão e cidadã, pois, de acordo com ela, “há apenas dois sexos: homem e mulher”.

“Contrário ao Regimento, que diz que só quem pode receber [o título de cidadã] é o sexo feminino. Como é que nós, vereadores, vamos dar o título de cidadã para um homem? Mesmo que se sinta mulher, aí eu respeito a decisão dele, porque é uma questão de gênero, não é uma questão de sexo, porque sexo só existem dois: masculino e feminino”, declarou a vereadora.

Dayana Louise não seria a primeira mulher trans a receber o título, já que, em 2022, a homenagem foi concedida à técnica em enfermagem Chopelly Santos, fundadora da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans). Michele Collins disse que a concessão do título anterior foi “um erro”, e disse que, “respeita”, embora “não concorde” com vereadores que votam em favor da população LGBTQIA+.

“Esse projeto incorre num erro técnico. Isso já aconteceu na casa Legislativa? Já, porque nós já demos o título de cidadã para uma pessoa trans. Aí eu pergunto a você, estava certo? Não, estava errado. Erramos juntos, porque o Regimento estava já posto. Então, eu vou pedir para que os vereadores façam essa reflexão, porque a justificativa de vocês não vai ser ideológica. Eu sei que a maioria dos vereadores aqui aprova e vota a favor da população LGBT. E eu também respeito, embora eu não concorde, eu respeito”, disse Michele Collins.

História de luta na educação

Ao g1, Dayanna, que assistiu as declarações ao vivo pela transmissão do canal da Câmara Municipal no YouTube, definiu a situação como lamentável, e que não vê como um ataque pessoal, mas sim, como um ataque às pessoas trans.

“O que a Câmara tem feito para melhorar a população trans e travesti de forma efetiva? Quais são os projetos que tramitam por essa Câmara que atendem aos anseios da nossa população? Quando você faz esse levantamento, você percebe que são praticamente inexistentes projetos de leis que visam melhorar nossa condição de vida. Porém quando tramita projeto de lei ou qualquer proposição legislativa que reconhece a cidadania, que reconhece nossa contribuição para a sociedade, isso é rejeitado”, disse.

Dayanna se mudou para o Recife em 2003, para cursar teatro pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Após se formar, ela também concluiu a graduação em história pela Universidade de Pernambuco (UFPE) e, atualmente, faz doutorado em educação na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Também já cursou serviço social.

Ela trabalhou como conselheira na Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco e, como professora, orientou trabalhos no âmbito dos estudos de gênero e sexualidade e dos direitos humanos, tendo quatro trabalhos premiados nacionalmente.

Dayanna também lembra que um dos seus primeiros trabalhos como professora foi em um cursinho comunitário de uma igreja evangélica. “São as coisas da vida, né? Porque agora quem me persegue é uma vereadora fundamentalista”, disse.

“O fundamentalismo religioso representa um projeto de poder que busca se apoiar no pânico social a partir de fake news e distorções da realidade. Este movimento não representa uma parcela considerável da população cristã, que se manifesta de forma contrária aos discursos de ódio proferido por esse grupo”, disse Dayanna Louise.

Dayanna disse que pretende judicializar o caso com uma denúncia formal contra Michele Collins. Além disso, o advogado dela, Jan de Souza Havlik, protocolou junto ao mandato de Ivan Moraes um pedido de investigação contra a vereadora na Comissão de Ética e Decoro Parlamentar.

Nas redes sociais, Ivan Moraes afirmou que a fala de Michelle foi “terrível” e que, ao não reconhecer a identidade de gênero de Dayanna, ela cometeu transfobia. “É uma derrota, mas é uma derrota que precisa fazer com que a gente se perceba na tarefa de combater a transfobia em todos os espaços. Não podemos permitir que esse tipo de atitude prevaleça na Câmara do Recife, ou em qualquer outro lugar”, disse Moraes.

Resposta da Comissão de Ética

Em nota, a Comissão de Ética da Câmara Municipal do Recife afirmou que:

  • Até o início da noite desta quarta-feira (13), “não recebeu nenhuma representação sobre esse caso”;
  • “O vereador Hélio Guabiraba (PSB), enquanto presidente da comissão, só poderá se pronunciar caso seja provocado por uma das partes e tenha acesso ao conteúdo dessa possível representação”.

O que diz Michele Collins

Também por meio de nota, Michele Collins disse que:

  • “Gostaria de esclarecer que, em nenhum momento, ofendi, desrespeitei ou não valorizei o currículo da pessoa que estava no projeto. Apenas e tão somente, a minha discussão era regimental”;
  • “Desde que entrei na Câmara do Recife, a minha conduta é pautada pelo regimento. Todo vereador deve se pautar por ele”;
  • “A todo o momento, o que falei e sugeri foi que houvesse uma mudança no regimento. Inclusive, pedi que o projeto em questão fosse votado em outro momento e que a votação acontecesse após a correção do regimento. Se faz necessária uma atualização nesse artigo, já que a mudança acontece a todo instante”;
  • “Em nenhum momento coloquei questões de crença religiosa, de formação político-partidária, de oposição, de governo. Apenas eu estava me atendo a uma interpretação da legalidade estrita do regimento interno. A minha discussão foi meramente com relação à técnica legislativa daquela proposição”;
  • “O meu agir foi pelo excesso de preciosidade com o regimento da Casa. Até o momento, não fui notificada pela Comissão de Ética. Mas, no momento em que receber, estarei pronta para fazer todos os esclarecimentos necessários”;
  • “Em relação à acusação de intolerância religiosa, deixo claro que, após o Ministério Público de Pernambuco enviar o assunto para o Tribunal de Justiça de Pernambuco, foi constatado que não houve nenhum tipo de crime, ou seja, minha conduta está dentro da legalidade”.

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