O site se dedica a informar sobre direitos e legislações vigentes, medicações e atendimentos, serviços públicos de saúde e assistência social; além de contar com uma biblioteca com indicações do que ler e assistir sobre o tema
Kéren Morais
Publicado pela Agência de Notícias da Aids, em 07/12/2023
Em alusão ao Dezembro Vermelho – mês dedicado a luta contra a aids -, o Grupo de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) lançou o observatório GENTES, um site dedicado a conectar e informar pessoas sobre HIV/aids, prevenção, autocuidado, saúde mental, entre outros. Liderado pela professora de psicologia da UERJ, Claudia Cunha, o observatório não se configura como um serviço de atendimento psicológico, mas sim como um ambiente de compilação e disseminação de informações científicas, proporcionando acolhimento por meio das tecnologias humanas e digitais.
Em entrevista exclusiva à Agência Aids, a professora Claudia, seus alunos e integrantes do movimento social de luta contra a aids compartilharam que o observatório nasceu do desejo de criar tecnologias de cuidado de pessoas, especialmente, jovens vivendo com HIV/aids. “Nossa proposta é produzir ‘conhecimento com alma’, informação segura que contribua para o fortalecimento do campo do HIV/aids e das pessoas afetadas pela epidemia. Queremos investigar a saúde mental de jovens com HIV/aids, adesão ao tratamento e rede de apoio, incluindo a rede formal de saúde […] ser um grande espaço na internet de busca por informações e cuidados em saúde. Em função disso, pensamos como o jovem se descobre com a revelação do diagnóstico, quem eles procuram”, explicou a professora.
Segundo Claudia, o GENTES é um produto da pesquisa que destaca que, diante da pandemia da Covid-19 e da ausência de outros espaços, os jovens têm buscado acolhimento e compreensão principalmente na internet. A docente já havia percebido este movimento desde antes do período pandêmico, mas afirma que o mesmo potencializou o processo de desinstitucionalização do jovem HIV positivo que já vinha ganhando força.
“A iniciativa vem desta confluência dos jovens fora de instituições, como acontecia nos primeiros anos de aids no mundo, e do momento de busca pela saúde no meio digital. Nos questionamos como a gente faria observação participante, entrevista e etnografia […] No movimento de a gente entender o que estava se passando nesse novo momento e com essa reconfiguração, o observatório é o produto de uma pesquisa que visa fazer um grande mapeamento, como mapa de atenção psicossocial e socioafetivo, onde o indivíduo vai colocar sua localização e terá a oportunidade de encontrar, por exemplo, um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) mais perto, uma clínica da família e outros serviços, em situação de urgência ou emergência.”
Saúde mental de pessoas HIV+
Leonardo Aprigio que também é psicólogo e membro do GENTES, aproveitou seu lugar de fala e suas vivência enquanto jovem vivendo com HIV e ativista pela Rede Jovem Rio+ para contribuir com o observatório. Para ele, é fundamental a ampliação do debate sobre a saúde mental das juventudes HIV+, especialmente em relação à interrupção do tratamento antirretroviral. “Penso que falar da saúde mental de jovens vivendo com HIV/aids esbarra muito na questão da adesão ou não ao tratamento. E uma das coisas que me chama a atenção é a escassez de detalhes dos números epidemiológicos”.
Ao ressaltar a necessidade de compreender as razões subjacentes à interrupção do tratamento, Leonardo chamou atenção para a falta de recursos básicos e reflexões sobre a finitude da vida. Na mesma linha, Claudia destacou a escassez de acesso à rede de atenção psicossocial do SUS. “O acesso à rede é praticamente nulo e tem uma demora que, diante de uma urgência, leva a situações e desfechos muito ruins, para além da ideação suicida, em muitos casos, o suicídio.”
Na avaliação da pesquisadora, nem todos os jovens vivendo com HIV passam por experiências semelhantes, mas há um sofrimento que não recebe a devida atenção. Segundo ela, este “é um tema que precisa ser olhado, não dá mais para adiar”. A professora lembrou das palavras da psicóloga Camila Ferreira, que, em 1982, já afirmava: “Viver com HIV/aids é sentir o drama da condição humana correndo nas próprias veias.”
O observatório GENTES vai ao encontro com as recomendações do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids), que enfatiza a importância de integrar serviços de HIV e saúde mental a outras intervenções, incluindo vínculos com serviços de proteção social, para pessoas vivendo com HIV e outras populações vulneráveis.
Segundo o Unaids, “as condições de saúde mental aumentam o risco de infecção pelo HIV. Por outro lado, as pessoas que vivem com HIV têm um risco aumentado de problemas de saúde mental, os quais, por sua vez, estão associados a uma menor permanência nos cuidados de HIV, aumento no risco de exposição ao vírus e menor envolvimento com prevenção. Existe um crescente corpo de evidências mostrando que há métodos eficazes de prevenção, triagem e diagnóstico e tratamentos para condições comuns de saúde mental, incluindo depressão e ansiedade. Apesar disso, serviços de atenção a condições de saúde mental, neurológicas e de uso de substâncias muitas vezes não são integrados aos pacotes de serviços e cuidados essenciais, inclusive para o HIV.”
Nesta linha, o observatório surgiu também como um equipamento que pode contribuir de forma cientifica para o fim da aids no mundo enquanto problema de saúde pública. “A integração de saúde mental e o apoio psicossocial com os serviços e intervenções de HIV, incluindo aqueles liderados pelas comunidades, é uma das principais ações prioritárias incluídas na Estratégia Global de Aids 2021–2026: Acabar com as desigualdades, Acabar com a Aids e a Declaração Política para enfrentar desigualdades e acabar com a Aids.
Determinantes sociais
No contexto desse olhar mais atento, Claudia ainda menciona que o adoecimento psíquico também está intimamente relacionado ao estigma da homossexualidade, questões raciais e marcadores de classe social.
A professora à frente do projeto defende a democratização e a educação popular em saúde, apontando o caminho do coletivo como fundamental. “É clara a necessidade de ouvir as demandas dos jovens, o desafio atual do observatório é traduzir informações científicas para a linguagem jovem, envolvendo-os ativamente na incidência social e política. Nesse sentido, há um consenso entre os entrevistados que as experiências da vivência HIV+ de Leonardo são essenciais, servindo como um pilar potente para viabilizar uma comunicação respeitosa e representativa.”
“O objetivo é transformar o observatório em um espaço de referência, oferecendo acolhimento e informação para os jovens vivendo com HIV/aids, facilitando a construção coletiva de respostas para as complexidades do cotidiano com a condição”, afirma Claudia. “A ideia é não apenas coletar dados, mas também conectar pessoas, redes e oferecer informações qualificadas em HIV/aids, fazendo mediação entre a necessidade e o que existe […] mas, queremos conectar pessoas e não só coletar, armazenar informações”, finalizou.
A coordenação do grupo de pesquisa GESTES é composta por: Claudia Carneiro da Cunha; Washington Leite Junger e Luciane Stochero. Colaboradores: Leonardo Aprígio de Almeida e Igor Luiz Santos Mello. Estudantes de Graduação: Miguel Andrade Alvarez, Rafael Garcia Vasconcelos e Lucas Grozima de Santana.
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