5 de novembro de 2024
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Especialistas comentam caso de Suzane Von Richthofen com Sandra Regina Ruiz

Daniel Favero
Publicado pelo Jornal do Brasil, em 30 de outubro de 2014

prisaolgbt2A notícia do relacionamento de Suzane Von Richthofen com a sequestradora Sandra Regina Ruiz Gomes, ex-namorada de Elise Matsunaga, ganhou destaque pela forma como a vida real pode ser ainda mais surpreendente que a ficção. Apesar da surpresa que a notícia causou, dentro dos presídios femininos, as relações homoafetivas com pessoas que até então não se consideravam homossexuais são mais comuns do que se imagina. Afinal, na prisão, não desaparece a necessidade pelo afeto, companheirismo e pelos ganhos que uma relação pode trazer, sejam eles sentimentais, financeiros ou de segurança – motivadores muitos parecidos com os que existem fora dos muros das unidades prisionais. Mas como as opções, na prisão, são limitadas, as presas acabam se sentindo mais livres para se relacionar com pessoas do mesmo sexo, dizem especialistas.

“São relações que implicam em afeto, manutenção da vida cotidiana dentro da prisão, tanto por meio de troca financeira, afetiva, de uma dar suporte para outra, como um casal. É a possibilidade de encontros sexuais e afetivos que as pessoas têm lá dentro, e aí se é homoafetiva ou heteroafetiva acho que perde o sentido… é muito mais a possibilidade de encontros pessoais, e ali são aquelas pessoas que estão disponíveis, mais do que uma carga muito forte entre homossexualidade e heterossexualidade”, explica a antropóloga Natália Corazza Padovani, cujo projeto de doutorado, “Sobre casos e casamentos: Relacionamentos amorosos e experiências de conjugalidade nas penitenciárias femininas das cidades de São Paulo e Barcelona”, estuda o tema. Entre as 33 entrevistadas, 17 tiveram relacionamentos com pessoas do mesmo sexo enquanto cumpriam pena.

No caso de Suzane não foi bem um casamento, mas sim o reconhecimento do relacionamento com Sandra dentro do Presídio Feminino de Tremembé I, onde os casais possuem um tratamento diferenciado, segundo matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo. A companheira foi condenada em 2003 a 25 anos de prisão pelo sequestro e morte de um adolescente de 14 anos que era seu vizinho.  Apesar da família ter pago o resgate de R$ 3 mil, o menino foi morto para impedir o reconhecimento dos autores do crime. Na cadeia, ela seria conhecida como “barra pesada” e teve um incidente de violência contra agentes prisionais.

A forma como os relacionamentos são tratados pela administração de cada uma das unidades prisionais femininas varia de acordo com a interpretação dos diretores. O estudo da antropóloga, por exemplo, mostra que mulheres mesmo casadas com homens de fora dos presídios também se relacionam com mulheres dentro da prisão. Lá dentro se destacam os transgêneros, que adotam um visual e corpulência masculina, adotando inclusive nomes de homens, que costumam ser vistos como os “pegadores”.

“Alguns sapatões daqui são homens mesmo sabe? Alguns  são muito bonitos, lindos, altos, uns bofes, uns bofes lindos. É difícil de resistir, então eu fico com um aqui, outro ali, mas nada sério porque eu não quero confusão. Não quero namorar com nenhum sapatão. Eu quero mesmo é gozar! Eles me fazem gozar muito! Mas eu quero continuar com meu marido, não quero desistir da visita íntima. É bom sair um pouco do pavilhão, ir para um lugar diferente. Independente de fazer sexo ou não, a visita íntima são duas horas para viver a liberdade”, diz uma das presas casada e com direitos a visitas íntimas com o marido, entrevistada pela pesquisadora que demonstra bem como funciona essa dinâmica.

Há até pouco tempo atrás o sistema carcerário reconhecia apenas os relacionamentos heterossexuais, porque o entendimento era de que apenas os homens tinham direito a satisfazer as necessidades da “natureza masculina”, enquanto que a falta de regulamentação das visitas íntimas homoafetivas nos presídios femininos era visto como um incentivo ao homossexualismo pelo sistema.

Já dentro das galerias e celas, as relações homoafetivas são vistas como normalidade, o que não significa que não exista preconceito, ainda mais com o crescimento da atuação das igrejas evangélicas dentro das unidades prisionais.

“É uma coisa que já teve mais preconceito do que tem tido atualmente. Isso não quer dizer que não existam pessoas que estão em cumprimento de pena, que considerem normal, principalmente como o advento das igrejas evangélicas dentro das prisões e de terem uma presença muito forte. Existe, claro, preconceito em relação às relações homoafetivas como existem dentro das prisões, mas ao mesmo tempo é levado com normalidade é considerado aceitável, ordinário no sentido de ser comum, e cotidiano as relações. E são relações que implicam em afeto, manutenção da vida cotidiana dentro da prisão, tanto por meio de troca financeira, afetiva, de uma dar suporte para outra, como um casal”, diz Natália.

A escolha de parceiros entre as presas segue a mesma dinâmica que se vê fora dos presídios, até porque, pelo menos em penitenciárias femininas de São Paulo, a questão da proteção contra violência ser vista pela antropóloga não pode ser interpretado como algo totalmente determinante.

“Isso acontece fora da prisão, como acontece dentro também, as pessoas avaliam quais são as possibilidade de parceiros e vão avaliar várias coisa, inclusive status, classe social. Os estudos sobre conjugalidade, nesse sentido, mesmo fora das prisões têm chamado atenção para o fato de que relações conjugais sobrepõem afeto, interesses, tanto fora como dentro da prisão. E claro, dentro da prisão existia também isso, as meninas que eram consideradas mais bonitas… você tem também uma divisão dentro da prisão que é atravessada pelas pessoas que vem de fora das prisões de classe social, de pessoas que têm melhor condição financeira, uma questão racial, quem é branca, quem é negra, a localização geográfica, se vem de um bairro x ou y, se á uma pessoa que vem da cracolândia… todos os preconceitos e estereótipos que existe fora das prisões também existe dentro”, explica.

Terra entrou em contato com a direção da Penitenciária Feminina de Tremembé I, onde Suzane cumpre pena para saber como casais homoafetivos são tratados, mas a entrevista só poderia ser concedida mediante autorização da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, que até a publicação desta matéria, não deu resposta.

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