24 de abril de 2024

Para a cultura ancestral dos astecas, vivida em Juchitán de Zaragoza, algumas almas não são nem masculinas, nem femininas

Camila Moraes – Cidade do México

Publicado no site Opera Mundi, em 5 de abril de 2014

As relações entre pessoas do mesmo sexo podem ser um tabu no México, assim como no Brasil, mas pelo menos os mexicanos estão acostumados a conviver com pessoas que não se declaram nem homem ou mulher, e sim pertencentes a um terceiro gênero. São as “muxes”.

Muxe participa de cerimônia religiosa em Juchitán de Zaragoza, uma cidadezinha de 90 mil habitantes na península de Tehuantepec (Desinformemonos.org)

Ser muxe não é ser mulher, apesar de ambas palavras compartilharem a mesma origem semântica, e tampouco é ser simplesmente homem e gay. Considera-se um terceiro caminho, porque mais do que uma opção, é uma questão de natureza: para a cultura ancestral dos astecas, algumas almas – os chamados índios “dois-espíritos” ou “duas-mentes” – não são nem masculinas, nem femininas, e mesmo assim, com características combinadas, encontram lugar neste mundo.

Um desses lugares é Juchitán de Zaragoza, uma cidade de 90 mil habitantes na península de Tehuantepec, no estado de Oaxaca, ao sul do México. Lá, reza a lenda que Deus pediu a São Vicente Ferrer que pusesse um homossexual em cada cidade da região. Porém, ao chegar em Juchitán, o saco em que carregava as pessoas se rasgou e todas as muxes caíram. E assim é que elxs caminham, em corpo de homem vestido às vezes (mas não necessariamente) de mulher e com a convicção de que não precisam mudar de sexo para desempenhar suas funções e encontrar seu lugar na sociedade.

Funções sociais, as muxes têm muitas. O fenômeno ao redor delas, ou melhor, de sua definição como grupo, se dá desde os anos 50, mas é antiquíssima a concepção zapoteca (nome que se dá a um dos povos originários de Oaxaca e Puebla) de que as muxes ocupam espaços específicos dentro da sociedade. Alguns deles são o de ser fortes trabalhadoras e cuidar da família, sobretudo de pais e irmãos mais velhos ou doentes, ocupando uma lacuna que se abre com filhos homens e mulheres que saem de casa para levar adiante suas próprias vidas.

Chama a atenção, em Juchitán, como a divisão do trabalho é bem marcada e carrega também códigos machistas. Homens se dedicam à pesca, a alguns tipos específicos de artesanato e algumas outras funções longe da administração da casa. Mulheres e muxes, à sua vez, são comerciantes e artesãs, responsáveis pelos alimentos e por sua preparação, por bordados e artes medicinais, pelas festas e decorações tradicionais e também por assuntos financeiros. Além disso, muxes são quem frequentemente iniciam sexualmente os homens, já que muitas mulheres querem se manter virgens até o casamento.

A fama internacional de Juchitán é de ser um “Queer Paradise”, coisa que costuma encher de orgulho os locais, ainda que não seja exatamente assim. Apesar de socialmente aceitas, as representantes do terceiro gênero sofrem preconceitos, inclusive por parte de mulheres que não veem com bons olhos seu poder ser compartilhado.

A fama internacional de Juchitán, em Oaxaca é de ser um “Queer Paradise”, coisa que costuma encher de orgulho os locais (Desinformemonos.org)

Elxs circulam, deixam-se ver e são vistas com naturalidade – raramente com outrxs muxes, mas às vezes em relações estáveis com homens e com mulheres, até mesmo com filhos – sem que o status masculino ou feminino de seus parceiros se veja ameaçado.

Também há quem fale de um quarto gênero fazendo referência às “marimachas”, que são mulheres que se identificam com um papel social masculino e que se casam com outras mulheres. No entanto, não são de fato aceitas socialmente como sexo autônomo e, no trabalho, realizam as mesmas funções que os homens.

Outros países, como a Alemanha, que ano passado aprovou uma lei segundo a que os bebês podem ser registrados com “sexo indefinido” para posteriormente defini-lo, ou então a Austrália, desde 2011 dá a opção a seus cidadãos de se definirem como “X” no campo reservado ao gênero no passaporte, fazem seus experimentos e tentativas para emplacar uma terceira opção.

Mas é no México, ainda que em um pueblito de 90 mil habitantes, que ele encontra um lugar para se colocar, de fato, mais do que de direito, dentro da sociedade.

Documentário “Muxes – Auténticas, intrépidas y buscadoras de peligro”: 

 

1 thought on “Nem homem, nem mulher: terceiro gênero desafia tradição e machismo no México

  1. Muitas vezes, a gente percebe é que Não é o genero (atração por) que leva aos encontros sexuais, mas surge pelo dia a dia profissional, vizinhança! A esposa do meu Coordenador, em 1993, já com anos de carreira, sem se destacar profissionalmente e nem “batalhar” por ascenção profissional, meio que fez eu e ele nos aproximarmos, inicialmente com beijos de despedida, diáriamente, até que tivemos a primeira transa! Eu havia, sido iniciado, no dia anterior pelo colega de faculdade, mas sempre deixei o outro homem ter iniciativa, ainda mais que mesmo sendo já amigos, eu era seu funcionário! E ele reconheceu nunca ter sinalizado que um dia pudessemos ter relação fluida! Mas foi excitante: dentro de 24hs, ter transado com dois homens e, e ele até então hetero (Bi no Armário, mas que parecia utopia estar com outro homem, foi o que ele disse)!

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