5 de novembro de 2024
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"Quero ser respeitado (...). Jamais vou pôr alguém em situação de risco" - Diego Callisto, de 26 anos, portador do HIV desde os 18 (foto: Euler Júnior/EM/DA Press)

Vinte anos depois de a terapia antirretroviral ter domado os devastadores efeitos do HIV, soropositivos lutam abertamente contra o preconceito e o avanço silencioso da epidemia

Sandra Kiefer 
Publicado pelo portal EM.com.br, em 14 de fevereiro de 2016

“Quero ser respeitado (…). Jamais vou pôr alguém em situação de risco” – Diego Callisto, de 26 anos, portador do HIV desde os 18
(foto: Euler Júnior/EM/DA Press)

“Carrego um vírus no meu corpo, mas quero ser respeitado. Não abri mão de nenhum dos meus projetos de futuro, até porque a Aids já deixou de ser uma sentença de morte. Hoje, sou muito mais saudável do que o garoto de 18 anos que eu era, quando peguei o HIV. Mas o diagnóstico me deu um ‘sacode’, sabe? Tive de melhorar meus hábitos. Saí da batata frita e do refrigerante e passei a me alimentar melhor. Todas as noites, no mesmo horário, tomo o comprimido (três em um) antes de me deitar. Outra coisa importante é ter uma boa jornada de sono. Posso chegar em casa de madrugada, mas me programo para dormir oito horas seguidas para facilitar a absorção dos medicamentos. Nunca mais tive relação sexual sem camisinha. Jamais vou querer pôr alguém em situação de risco, como aconteceu comigo.”

Com mais de 4 mil seguidores no Facebook, o jovem mineiro Diego Callisto, de 26 anos, é o único representante da América Latina a figurar na lista dos 16 ativistas mundiais contra o HIV em 2016, reconhecidos por uma publicação especializada norte-americana no ano passado por sua influência. Natural da Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, Diego contraiu o vírus HIV muito cedo, aos 18 anos, por meio de uma relação sexual sem camisinha, mas, passados oito anos, ainda não desenvolveu os sintomas da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids). Para adiar o momento em que a doença vai se instalar no organismo, Diego pratica uma alimentação saudável, oito horas de sono e uso regular da terapia antirretroviral. Seu tratamento se resume a ingerir um comprimido (três em um) todas as noites, antes de dormir. Mas a pílula não pode faltar. É questão de vida ou morte. Mesmo.

Na prática, Diego faz parte da geração que nasceu ou se tornou adolescente e jovem pós-1996, ou seja, exatos 20 anos depois da descoberta da terapia antirretroviral anti-HIV, uma combinação de drogas capaz de derrotar o vírus da Aids, retirando dele a certeza da letalidade, mas nem toda a carga de preconceito e aversão aos soropositivos. “Os jovens nascidos depois dessa época não viram os seus ídolos, como Cazuza, Renato Russo ou Freddie Mercury, morrerem cedo e em poucos meses das doenças oportunistas que atacam em função do sistema imunológico deprimido pela Aids. Embora o HIV não provoque medo como antes, não podemos correr o risco da banalização da epidemia entre essa nova geração”, compara o infectologista Fábio Mesquita, diretor do departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, em Brasília. Ele alerta que os números que mais cresceram no Brasil estão entre os jovens de 15 a 24 anos, que saltaram 50% entre 2006 e 2014.

Soropositivos falam sobre como é a vida com o vírus HIV

Em Belo Horizonte, dados mais atualizados da Secretaria Municipal de Saúde, de 2015, mostram que os adolescentes estão descobrindo mais cedo as relações sexuais, têm menos informações a respeito da epidemia mundial e, portanto, se contaminam em maior proporção. Se em 2005, a incidência de adolescentes entre 15 a 19 anos vivendo com Aids era de 1,7 na capital mineira, a taxa simplesmente passou para 3,1 casos nessa faixa etária por 100 mil habitantes, no ano passado. Entre jovens de idade menos tenra, entre 20 e 24 anos, a incidência de novos casos de infecção por aids também subiu, passando de 10,2% do total para 17% no mesmo período. “Mais de 12 mil pessoas continuam morrendo por ano de aids no Brasil, só que a epidemia perdeu a visibilidade. No imaginário popular, a Aids perdeu a importância ou talvez algumas pessoas achem que a doença nem existe mais. Só me procuram para falar sobre HIV/Aids perto do carnaval ou em 1º de dezembro (dia mundial de combate ao HIV)”, protesta Dirceu Grecco, um dos fundadores do primeiro ambulatório de doenças imunoinfecciosas de BH, em 1985, dentro do Hospital das Clínicas da UFMG.

Para o estudante do 6º período de medicina da UFMG Gustavo Cardoso, de 23, que assume publicamente sua condição de soropositivo, oferecer informação clara e sem censura sobre a nova Aids é a melhor fórmula para combater o HIV. Pela lógica médica, enquanto houver receio de se perguntar sobre a existência de testes rápidos de Aids em consultórios e postos de saúde, o vírus continuará se disseminando. “Tenho vários amigos positivos e até já formados em medicina que morrem de medo de revelar sua sorologia. Para mim, esconder é a pior solução. A história mostra que aqueles que mudaram a sociedade deram a cara a tapa. Foi assim com os negros, os homossexuais e está sendo agora com os soropositivos”, explica.

Segundo o futuro clínico geral, o raciocínio deveria ser de ordem lógica e não apenas cultural. “O número de pessoas que têm HIV e não sabem disso porque nunca se submeteram ao teste é assustador. Como os sintomas do vírus são inespecíficos, muitos confundem a incubação do HIV com uma gripe forte, uma dengue ou uma simples virose”, diz. Calcula-se que, só em BH, 10 mil pessoas estejam atualmente vivendo com HIV e, destas, pelo menos 1.220 estejam com o vírus ainda indetectado no corpo. Os outros 88% já estão em tratamento.

Marcas do passado

“Não sofro preconceito, porque fiz do HIV minha vida, trabalhando como ativista. Estou protegido pelo meu projeto, mas sei de pessoas que não conseguem contar nem para a família”
Gabriel Estrëla, de 23 anos, ator, que descobriu no passado ter o vírus HIV

Com porte físico “sarado” e boa aparência, Gabriel Estrella bate na tecla da necessidade de se fazer o teste rápido anti-HIV, que dá o resultado em meia hora e está disponível gratuitamente na rede pública. “Se todos os que já tiveram uma relação de risco perdessem o medo de se testar e descobrissem logo ter o HIV, em seis meses de uso da medicação deixariam de transmitir o vírus e passariam a ter qualidade de vida. Falar sobre prevenção sexual gera um alicerce mais poderoso do que o medo incutido pela galera mais conservadora, que ainda está presa na ideia noventista da Aids, quando os doentes ficavam em estado grave, sem tratatamento”, defende Gabriel, que expõe suas ideias por meio da internet (www.facebook.com/projetoboasorte).

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