Escolas de Salvador substituem Dias dos Pais e das Mães por comemoração que respeita novas configurações familiares
Por Victor Albuquerque, especial para o iG de Salvador
Publicado no iGay, em 26 de abril de 2014
Nas próximas duas semanas, escolas de todo o Brasil farão atividades e homenagens relacionadas ao Dia das Mães, que neste ano será comemorado no dia 11 de maio. Para crianças e adolescentes que são filhos de dois pais gays, a data pode causar constrangimento e desconforto. O Dia dos Pais, por sua vez, pode trazer sensações parecidas para quem tem mães lésbicas.
Pensando em resolver este desconforto, colégios de Salvador, assim como outros em diversos cantos do Brasil, têm adotado o Dia Família, uma data mais inclusiva e coerente com uma sociedade contemporânea com novas configurações familiares. A psicóloga Érica Matos conseguiu que o colégio do filho, o Lua Nova, adotasse a data há três anos. “Foi uma grande vitória”, recorda ela, que é casada com a arquiteta Milena Santana há 16 anos, e mãe de Lucca.
Na escola de Lucca, que está com 6 anos, o Dia da Família é celebrado duas vezes ao ano, nos meses de maio e agosto, substituindo as celebrações separadas para pais e mães. Oficialmente, a data relativa as famílias é comemorada no Brasil todo 8 de dezembro.
Érica decidiu propor a mudança depois de passar por uma situação constrangedora. Durante uma comemoração do Dia dos Pais, o filho dela e de Milena escolheu sentar no colo do pai de um colega para assistir ao show de palhaço.
“No fim da apresentação, o artista deu um recado: ‘agora aproveitem o resto do dia para curtir com os pais de vocês’. Quando eu vi Lucca com a mão no queixo assistindo aquilo, pensei: onde é que meu filho se encaixa nisso?”, relata a psicóloga.
“Eu percebi também que as comemorações pelo Dia dos Pais ou das Mães não excluíam apenas filhos de casais homossexuais. Lá mesmo na Lua Nova, havia outra criança cujo pai morreu de câncer antes de ela nascer. Com certeza, ela passava pela mesma situação”, argumenta Érica, que tentou mostrar que o importante da festa era a harmonia e não a celebração de uma figura específica. “As famílias mudaram. Se eu tenho neste contexto uma pessoa que cumpre a função de pai ou mãe porque não comemorar também?”, questiona.
A Diretora da Lua Nova, Walkyria Almeida diz que a escola adotou o Dia da Família por acreditar “que a diversidade faz parte da sociedade e deve ser respeitada”. “Desde quando fundamos a escola, há 28 anos, temos a inclusão como um de nossos princípios. Ao longo deste tempo, acompanhamos as mudanças de comportamento da sociedade e sempre nos adaptamos”, justifica a educadora.
No entanto, Walkyria revela que alguns pais discordaram e criticaram a ideia. “Chegavam a mim e diziam que eu estava privilegiando os casais gays. Eu tentava mostrar para eles que não estávamos negando, em momento algum, a figura do pai e da mãe. Apenas estávamos comemorando de uma maneira mais inclusiva”, narra a diretora, que ao lado de sua equipe, conseguiu mudar a cabeça de quem era contra a iniciativa.
Hoje, a comemoração é vista com orgulho pelas crianças que estudam no Lua Nova. “Elas contam para os colegas de outras escolas que aqui tem o Dia da Família e que é muito maior do que o Dia dos Pais e das Mães”, conta Walkyria.
Instituições tradicionais de ensino de Salvador, como o colégio Antônio Vieira e o Instituto Social da Bahia, também aderiram à ideia. A Villa Criar, que fica na região metropolitana da capital baiana, também aposta na iniciativa.
O Colégio Miró celebra o Dia da Família, assim como os dias dos Pais e das Mães. A comemoração inclusiva foi instituída em 1998. “Quando estávamos próximos das datas comemorativas, as crianças que tinham os pais separados ou não possuíam uma configuração familiar tradicional, sofriam muito”, revela Maria Clara Coelho, diretora da instituição.
Maria Clara também enfrentou oposição de pais e mães, mas conseguiu convencer a maioria. No ano passado, a escola fez até uma exposição com trabalhos dos alunos sobre os novos arranjos familiares. “A ideia era de que elas pudessem expressar como viam as famílias por meio de vídeos, fotos, pinturas e instalações. Foi o maior sucesso”, comemora a diretora.
Na escola Pimpolho, que fica no bairro do Costa Azul, a data chegou a correr o risco de sair do calendário. “Tivemos muitas queixas de pais pedindo que voltassem as tradicionais festas de Dia dos Pais e das Mães. Estávamos decididos a cancelar o Dia da Família”, explica a diretora Maria de Lourdes Xavier.
Contudo, na última comemoração do Dia da Família na Pimpolho, em dezembro do ano passado, a situação se reverteu. “Foi uma festa linda. Todos os pais e mães puderam vir e adoraram. Agora muitos querem repetir a celebração”, descreve a educadora, acrescentando que a solução para contemplar a todos foi fazer as três comemorações.
Pai do menino Ben, 04, o cartunista e escritor Luís Augusto ficou feliz com a decisão da escola do filho, a Pimpolho. “Estamos vivendo um momento em que estamos redescobrindo o que é viver em sociedade. Eu acredito que esse é um reconhecimento direto à diversidade”, conclui Luís.