20 de abril de 2024

Por Henrique Wagner
Publicado pelo site Expoart

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A atriz Ivana Chastinet em cena do documentário

Poucas vezes um título foi tão sincero, quase denotativo em sua conotação. Porque o fato é que o documentário realizado pelo ator e diretor Adriano Big – que traz no currículo a direção de dois bons e festejados curtas – parte dos seios (do feminino, portanto) para questionar todos os meandros da sexualidade em sua vastidão e escaninhos (o masculino diante do feminino fundador). Big parte da mulher para chegar ao homem do mesmo modo que o feminismo engendrou o movimento negro (mais exatamente a turma dos black panther party)e a teoria queer. É da mulher que nascem os homens. E a humanidade.

Em cerca de setenta e cinco minutos de filme somos envolvidos por uma imensa quantidade de boas ideias, de formas inteligentes, criativas de passar uma mensagem – McLuhan ficaria muito orgulhoso do cineasta baiano –, todas muito bem orquestradas por um diretor atento a absolutamente tudo, de uma placa de trânsito ao fundo de uma transgênero falando (a placa sinaliza “contramão”) à sequência em nada aleatória das cenas, em uma obra que se destaca também pela excelência de sua montagem.

O filme começa com uma voz em off, professoral, explicando o conceito de Estado, enquanto vemos uma pessoa fazendo uma travessia de ferry boat. Estamos em sala de aula e na rua a um só tempo, privado e público, escola e ônibus (vida, enfim, que, no dito popular, é uma escola etc.), enquanto o documentário faz as vezes de intercessão, de ponte, de tangência. A pessoa que faz a travessia é um jovem que reaparecerá no fim do filme, com uma surpresa, enquanto mulheres em suas mais variadas performatividades sexuais, contam experiências sobre ser mulher, sobre ter seios pequenos ou grandes, sobre não ter seios, sobre gravidez, aborto, direitos etc. Da divertida espontaneidade da atriz e performer baiana Ivana Chastinet, que fala sobre a mastectomia que a privou dos seios ao discurso excessivamente butlerizado de Viviane Vergueiro, que nasceu com pênis, mas sempre desejou se vestir de mulher e vive, atualmente, como tal – namorando uma mulher –, vemos peitos e vaginas falantes – Big, em mais um momento iluminado, faz um recorte dos corpos das mulheres que falam de frente para a câmera: há o caso em que seios aparecem enquanto a dona dos seios fala, e há o caso em que uma boca, na posição vertical, emulando os lábios de uma vagina, fala sobre todo tipo de experiência que envolve o ser mulher –, o nascimento de uma criança na água em um parto natural, a famigerada Marcha das Vadias, com direito à explicação do sentido e da história da Marcha, e o depoimento de uma dançarina, Isaura Tupiniquim, que tem seios pequenos e, na adolescência, não lidava bem com isso – hoje sua profissão agradece à natureza.

As cores do filme são quentes, ele é escuro e nos causa certa claustrofobia, mas é que Big nos manipula em direção à cegueira de Edmilson Sacramento, que, embora não enxergue fisicamente, enxerga mentalmente como poucos. A metáfora é gasta – essa espécie de Tirésias, esse homem cego que enxerga mais e melhor que aqueles que têm olhos sadios –, mas é redimida por uma cena marcante em que mulheres atraentes tentam o homem cego usando roupas ousadas em posições ousadas no meio da rua: perfeita inversão, quando sabemos que os homens secam as mulheres com os olhos, no mais das vezes incomodando-as sobremaneira.

O filme poderia ter terminado em dois momentos, quando o ritmo cai um pouco. A voz em off do talentoso e experiente ator Geraldo Cohen fazendo ele mesmo, na condição de advogado, toma novamente nossa atenção ao tirar dúvidas daquele jovem rapaz que veio deferry boat, sabe-se lá de onde, a fim de saber como pode contar com o judiciário para levar a cabo uma mudança de sexo. Ela quer ser ele, oficialmente.

O filme de Big causa orgulho ao cinema baiano e vem fazendo brilhante carreira junto ao público, enchendo as salas de exibição em plena crise econômica, e sem contar com edital público, batendo filmes de grandes diretores e imensas distribuidoras. Tudo fruto de uma espécie de Quixote cujos delírios se concretizam. Para além da cegueira do mais lúcido dos personagens desse histórico documentário baiano.

SERVIÇO

Evento: Para Além dos Seios – 5ª semana

Data: até 13/04 (quarta-feira)

Horário: 19h30

Onde: SALADEARTE Cinema do Museu

Endereço: Av. Sete de Setembro, 2195 – Vitória, Salvador – BA. Telefone: (71) 3338-2241.

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