Leandro Colling
Publicado no site Cultura e Sexualidade, em 8 de abril de 2016
Finalmente fui assistir o documentário Para além dos seios, de Adriano Big, no Cinema do Museu (Corredor da Vitória). O filme, filmado e produzido em Salvador, está em cartaz há cinco semanas, sempre com ótimo público, algo raro nesses tempos em que vivemos. Eu já conhecia as produções do diretor e imaginava o que eu encontraria, inclusive porque também conheço parte das pessoas que participam do documentário. Mas, apesar disso, o filme me impressionou muito. E isso ocorreu por várias razões, algumas das quais irei tratar aqui.
O documentário consiste em entrevistas realizadas com várias pessoas (a maioria mulheres) sobre como elas e a sociedade lidam com os seios. Eis apenas algumas das personagens: uma mulher conta como passou pela experiência de ter os seus seios retirados em função de um câncer nas mamas, outra conta porque sentiu necessidade de colocar silicone para aumentar os seios, outra mulher trans conta sobre a importância de ter seios para se sentir mais plena com sua identidade de gênero, outra questiona se seus seios pequenos estarão aptos para amamentar e um homem trans luta pelo direito de retirar os seus seios e ter respeitada a sua identidade de gênero masculina.
A partir dessas e outras várias incríveis histórias, o filme produz dezenas de reflexões. A que mais fica evidente é: os seios são profundamente regulados e generificados, ou seja, não são apenas uma parte material dos corpos, mas profundamente simbolizados por questões de gênero e por padrões corporais tão rígidos que ninguém consegue alcançar. Mas isso está muito longe de ser a única contribuição do documentário. O lindo do filme é mostrar histórias de quem questiona esses padrões, de quem reinventa o seu corpo, de quem se recusa a abdicar de ser agente de sua própria vida. Ou seja, não estamos falando de um filme que apenas denuncia padrões, normas, preconceitos, regulações jurídicas e médicas. Estamos frente a uma obra que festeja a multiplicidade dos corpos e dos gêneros. E é por isso que dá aquela vontade de aplaudir quando os créditos começam a surgir na telona.
Mas ainda não acabou, pois o documentário, como o próprio nome diz, vai “para além dos seios”. E aqui reside outra coisa linda dessa obra. Ao escolher um homem que ficou cego na idade adulta como uma espécie de fio condutor, Adriano Big acerta o alvo outra vez e provoca outros questionamentos: para quem não enxerga, de que valem essas normas corporais? Há várias cenas incríveis nesse sentido e uma delas me capturou: o homem cego passeia pelo Campo Grande e as meninas se insinuam para ele mas, como ele não enxerga, passa direto por elas, não as percebe. Ou seja, de nada adianta a mulher sofrer e gastar dinheiro e energia para produzir um corpo padrão para atender aos desejos masculinos se, do outro lado, o homem não a enxerga.
Ao fazer isso, Big arremata várias reflexões que já vinham sendo construídas desde as primeiras cenas do filme, em especial sobre os depoimentos das mulheres em plena Marcha das Vadias em Salvador, sobre como o machismo está super presente nessas questões todas. E depois disso tudo, o homem cego diz: “às vezes é preciso perder a visão para aprender a enxergar de outro modo”. Aí quase gozei! Aí eu terminaria o filme (o que Big não fez). Aí termino o texto porque não tenho mais nada a dizer a não ser: vá correndo ver o filme pra aprender a enxergar de outro modo.
Big beijos e até a próxima!
PS: Outro filme de Adriano Big já foi tratado aqui em nosso blog por Gilmaro Nogueira (leia aqui).
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