12 de dezembro de 2024
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Diego, um garoto de caminhos sublimes

Diego,

Tenho algo a revelar que talvez lhe cause espanto, pois não nos conhecemos pessoalmente e apenas há pouco tempo nossa relação se estreitou neste etéreo universo virtual. Você mora em Juiz de Fora e eu vivo em Salvador. Apesar de distantes, vou dizer do impacto que você causou na minha vida e da importância que nela representa, fato cuja dimensão lhe era ignorada.

Meu conhecimento sobre você foi construído paulatinamente. Ambos somos ativistas sociais e participamos da Aliança Nacional LGBT. Ali acompanhei notícias suas sobre pesquisas no campo do HIV/AIDS e informações sempre úteis sobre o tema, bem como relatos de sua experiência na Conferência Internacional de AIDS 2014. Foi ali também que li uma reportagem sobre pessoas vivendo com HIV, na qual você se expunha tão naturalmente.

Eu participo de grupos de discussões presenciais sobre cinema e sexualidade, onde, vez ou outra, alguém aborda o velho dilema sobre relações amorosas com soropositivos. Minha resposta era sempre a mesma: talvez algum dia na minha vida eu tenha encarado essa possibilidade com restrições, mas se isso aconteceu foi há tanto tempo que eu francamente não me lembro se houve algum bloqueio meu. De resto, eu sempre penso que a probabilidade de estar ao lado de alguém soropositivo na minha cama é constante e nem por isso transformo minha vida em paranoia.

Mas, de fato, em nenhum momento eu fui surpreendido com a revelação de que algum parceiro meu era soropositivo, levando-me a decidir continuar ou interromper uma relação, fosse ela um romance ou apenas um encontro casual. Ou seja, tudo estava no plano da hipótese e mera especulação. Foi aí que você surgiu e, sem se dar conta, deu à minha vida um sentido que ainda faltava ao banir para sempre esta dúvida.

Como disse, eu não lhe conheço pessoalmente, mas sei um pouco da sua história de superação e de sua capacidade em transformar um potencial drama de um garoto na flor da juventude em um invejável exemplo de empenho por uma causa coletiva e de engajamento na luta por bandeiras que me são muito caras. Como se isso não fosse suficiente, ainda é lindo, inteligente, carismático e tem um sorriso encantador.

O bom de tudo isso e a razão de escrever esta carta é ter percebido de forma cristalina que, sabendo de tudo que eu sei ao seu respeito, inclusive sabendo da sua soropositividade, jamais lhe expulsaria da minha cama. Mais que isso, jamais expulsaria você da minha vida. Mas será que eu precisarei sempre de alguém com tantas qualidades, alguém tão idealizado para superar o preconceito? Esta é a melhor parte: não, eu não precisarei! Esta é, a partir de agora, uma regra geral.

Ou seja, se havia alguma sombra de dúvida sobre me relacionar ou não com pessoas apenas pelo fato de sabê-las soropositivas, você conseguiu dissipar absolutamente tudo. Eu sei que carrego preconceitos, pois sou humano e imperfeito, mas agora estou convencido de que ao menos este, se algum dia existiu, está definitivamente sepultado. É especialmente sobre isso que falo: sobre como podemos crescer ao rever valores. E a certeza deste momento eu devo a você.

Obrigado, garoto!

Um grande beijo,

Gésner

Sobre os personagens desta carta:

  • Diego Callisto é integrante da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids, do Fórum Consultivo de Juventude do Unaids e do Pacto Global para o Pós-2015.
  • Gésner Braga é gay, ativista LGBT, jornalista e mantém o site Clipping LGBT.

Nota do autor em 10 de setembro de 2014:

Um esclarecimento necessário: depois que eu publiquei esta carta, fiquei pensando como seria a receptividade do leitor a um artigo que trata de dilemas apenas com relação ao envolvimento amoroso com soropositivos. Por que não abordei uma relação de amizade também? Então concluí que são dois os motivos. Primeiro, eu nunca tive nenhuma objeção em ter amizades com pessoas soropositivas e, exatamente por isso, não fui motivado a fazer tal abordagem. Segundo, porque, se eu sou capaz de me envolver amorosamente com alguém soropositivo, é óbvio que o mesmo raciocínio se aplica a amizades, situação mais simples de se encarar.

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2 thoughts on “Carta a um amigo soropositivo

  1. Eu fiquei muito emocionado com essa carta e todo esse carinho. Isso mostra que meu trabalho de militância e conscientização valem a pena, pois consigo tocar a vida das pessoas e levar outra perspetiva acerca do HIV as suas vidas. Não tenho palavras que definam minha alegria e satisfação em ler essa carta e, sobretudo, vindo de uma pessoa também militante em uma causa tão estimada. Muito obrigado do fundo do meu coração.

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