23 de abril de 2024

Por Antonio Lira
Publicado pela Agência de Notícias da Universidade Federal de Pernambuco, em 19 de janeiro de 2015

De acordo com um relatório da ONG internacional Transgender Europe, entre 2008 e 2013, o Brasil foi o país com o maior número de assassinatos de travestis e transsexuais do mundo. Preocupado com a violência sofrida por essa parcela da população, Bruno Robson de Barros Carvalho procurou avaliar a abordagem da imprensa pernambucana em relação as travestis. Ao analisar os principais jornais de Pernambuco, o pesquisador concluiu que a construção discursiva das reportagens que tratam de travestilidade em contextos de criminalidade, acabam por criar um afastamento entre o leitor e a travesti vítima de violência, reafirmando a condição marginal das mesmas.

No estudo, intitulado “’Tá pensando que travesti é bagunça?’ Repertórios sobre travestilidade, em contextos de criminalidade, por jornais de Pernambuco”, orientado pelo professor Benedito Medrado e apresentado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPE, apontou-se que quando se noticiava casos de travestis assassinadas, as matérias apresentavam um discurso que tendia à culpabilização da vitima, como se houvesse uma justificativa para a morte a partir de uma construção do sujeito travesti como moralmente questionável, geralmente por uma associação com prostituição e drogas. De acordo com o pesquisador, a travesti era retratada “quase como coautora do crime que a vitimou”.

Segundo Carvalho, além do número de notícias sobre atos de violência contra essa parcela da sociedade ser restrito, também houve pouca repercussão dos casos. Pela análise, nenhuma das ocorrências foi noticiada ao mesmo tempo nos três jornais e, ainda, percebeu-se um desconhecimento ou desrespeito em relação à demanda das travestis pelo reconhecimento de sua identidade feminina, tendo em vista que os jornais insistiam em tratá-las no masculino (um travesti) e, recorrentemente, informavam seus nomes de registro civil, ao invés do nome social.

TEORIA – Carvalho procurou problematizar, a partir de uma leitura psicossocial, sobre o modo como a mídia participa dos processos de produção de verdades sobre a travestilidade. “Os resultados mostram uma produção midiática que, em certa medida, desconhece ou desconsidera demandas da população LGBT, mas também uma mídia que reforça, indiretamente, preconceitos em relação aos modos de vida das travestis”, afirma o pesquisador. De acordo com ele, a mídia pode ser uma forte aliada dessa parcela da população, fomentando uma cultura em prol da dignidade humana.

Para o trabalho o pesquisador coletou, através da internet, matérias das páginas policiais dos três jornais de 1998 a 2012, utilizando a palavra-chave travesti. Trinta e três notícias foram selecionadas, sendo três do Jornal do Commercio, 14 do Diario de Pernambuco e 16 da Folha de Pernambuco, número considerado escasso pelo pesquisador. Após selecionar as matérias a serem analisadas, Carvalho procurou identificar nomeações e posicionamentos de travestis nas notícias, além de refletir como esse tipo de discurso reitera a travestilidade em zonas de abjeção, que, de acordo com a filósofa da Teoria Queer, Judith Butler, seria qualificar corpos como pouco/menos/não importantes, ou, como relata o pesquisador, “corpos/pessoas cujas vidas não seriam dignas o suficiente para serem choradas”.

O pesquisador ainda chama atenção para um aspecto que não foi abordado em seu trabalho mas que também é importante, que são os marcadores de raça e classe social. De acordo com ele, ao lançarmos um olhar atento para as notícias, percebe-se que as profissões das travestis (cabeleireiras, manicures, atendentes de bar) e os bairros onde os crimes ocorrem, situam uma travestilidade pobre e negra. “Reflexões sobre abjeção em torno da pobreza e negritude são fundamentais para salientar que a sexualidade não é única de zona de abjeção, bem como, que ser travesti, pobre e negra constitui um modo distinto de ser sujeito”, conclui Carvalho.

Mais informações
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPE
(81) 2126 8271
psiufpe@uol.com.br

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