16 de outubro de 2024
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Calma! Coloquemos essa “ameaça teocrática” exatamente assim: entre aspas. Neste vídeo, eu não trato de uma iminente ameaça de mudança do regime político no País. Eu abordo o crescimento vertiginoso, há algumas décadas, de correntes religiosas e seus projetos de poder econômico e político, da sua ideologia (esta sim) teocrática e de suas práticas retrógradas e anacrônicas.

Ao apresentar os perfis (criminosos inclusive) de alguns desses religiosos/políticos (ou políticos/religiosos, como queiram), demonstro a mais absoluta contradição entre a filosofia cristã do amor ao próximo e o que realmente move a vida dessas pessoas: cobiça por poder e fortuna, infinitamente pior que as dos mercadores citados no Novo Testamento e que causaram a revolta de Jesus.

Quanto ao nosso regime político, não há qualquer ameaça à vista. Nossa Constituição Federal prevê em seu artigo 1º: “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”. Ou seja, para se instituir um novo regime político no país, qualquer que seja, será necessário convocar uma nova Assembleia Nacional Constituinte, redigir uma nova Constituição e promulgá-la. Eu nem preciso dizer o quanto isso será quase impossível.

Só não digo que é totalmente impossível por que minha confiança nos parlamentares do Congresso é quase zero. Lembremos que, em novembro de 2019, quando o STF enfim reconheceu que a prisão de Lula era inconstitucional, à luz do artigo 5º, LVII (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), houve uma movimentação no Congresso por uma nova assembleia constituinte, visto que o artigo 5º é cláusula pétrea e não pode ser alterado. Ou seja, para manter Lula preso, seria necessária uma nova Constituição. Foi o que o Congresso atual tentou fazer, mas deu com os burros n’água.

Mas ainda colhendo os frutos do espírito natalino, de confraternização universal e amor ao próximo, tratarei de algo positivo, alegre, pra cima: a prisão Marcelo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro! Sim, ele foi preso no dia 22 de dezembro de 2020, sob acusação de chefiar o “QG da Propina” na Prefeitura, tendo sido levado para a Delegacia Fazendária, na CIDPOL (Cidade da Polícia), em Jacarezinho. Veja a notícia no portal da Agência Brasil.

Porém, sabemos que Crivella é rico (muito rico) e tem grana suficiente para bancar excelentes advogados que conhecem as leis em detalhes e suas brechas. Como resultado, Crivella voltou para casa no dia seguinte à prisão, para cumprir pena domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica. Nem preciso dizer o quanto essa opção deve ser mais cômoda se considerarmos sua residência. Confira a notícia no portal O Dia.

Cri Cri Velinha, como passarei a tratá-lo a partir de agora, de forma simpática e respeitosa, foi preso nove dias antes de deixar o cargo de prefeito do Rio de Janeiro e passar o bastão para Eduardo Paes. Porém, descaradamente, ele tentou a reeleição, tendo chegado ao 2º turno, mas sendo derrotado felizmente. Imaginem se o plano de Cri Cri tivesse dado certo.

Além da acusação de chefiar uma quadrilha, Cri Cri Velinha é, no momento e por mais alguns dias apenas, prefeito afastado do Rio de Janeiro. Afastado, mas ainda prefeito. Ele é filiado ao partido Republicanos, foi senador e é bispo evangélico. Ele é a Universal! Por tudo isso, Cri Cri Velinha é um exemplo bem acabado do quanto o pensamento teocrático na política é socialmente nocivo, porque não tem nada de cristão, dessa história de amor ao próximo, de desapego. Tudo isso é falácia, hipocrisia. Eles querem é poder a qualquer custo, às custas do jogo sugo e até do crime. Estou fazendo pré-julgamentos? Bom, não fui eu que dei ordem de prisão a Cri Cri Velinha.

Cri Cri não está só e há outros inúmeros exemplos de religiosos que misturam descaradamente política e corrupção. Por exemplo, a deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSD-RJ) é acusada de ser mandante do assassinato do próprio marido, o pastor Anderson do Carmo, morto com mais de 30 tiros, em 16 de junho de 2019. Ela é ré no processo junto com outros sete filhos e um neto, entre outros envolvidos. De todos esses, apenas ela não está presa, por ter imunidade parlamentar, mas está sendo monitorada por tornozeleira eletrônica. Por uma curiosa ironia, a igreja comandada pela deputada se chama Ministério Flordelis – Cidade do Fogo. Sim, do Fogo. Da arma de fogo que matou o marido.

Outro exemplo é o pastor Everaldo Pereira, da Assembleia de Deus, que também tem um currículo invejável. Ele foi candidato à presidência em 2014, pelo Partido Social Cristão – PSC e é apontado como líder uma organização criminosa. No dia 28 de agosto de 2020, ele e seus dois filhos foram presos na operação que apura corrupção na área da saúde no Estado do Rio de Janeiro e que afastou Wilson Witzel do governo. Leia a notícia no portal G1.

É, no mínimo, curioso observar como esses três exemplos demonstram as relações intrínsecas, imorais e nocivas entre religião, política e corrupção. Com isso, quero destacar os alguns tipos de religiosos que conquistam a carreira política no Brasil. Mas eu não devo generalizar. Eu desconheço a atuação de todos os políticos religiosos no país: no Congresso, nas assembleias legislativas, nas câmaras municipais, no comando de prefeituras e governos de estado, bem como em cargos públicos por indicação política. Deve haver pessoas com caráter, porém não se destacam tanto quanto os canalhas, cujas canalhices ganham visibilidade na mídia.

Apesar disso, os exemplos de canalhice de religiosos na política são muitos. Porém, eu quero tratar do ovo da serpente: o segmento evangélico neopentecostal, um câncer social que já deveria ter sido extirpado, mas que mantém seu projeto de poder econômico e político há décadas. É bom lembrar que, por exemplo, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), comandada por Edir Macedo foi fundada em 9 de julho de 1977. A IURD é o exemplo mais emblemático desse projeto de poder, que gera inclusive disputas interna, cujas dissidências fizeram surgir a Igreja Mundial do Poder de Deus, comandada por Valdomiro Queiroz, que dispensa comentários, e a Igreja Internacional da Graça de Deus, comandada por R. R. Soares, cuja biografia e patrimônio acumulado merecem uma boa pesquisa.

Voltando à Universal, considero o exemplo mais emblemático de projeto de poder econômico e político da pior espécie em razão dos muitos exemplos dados ao longo da sua história, mas especialmente agora, após a perda do controle brasileiro sobre as igrejas da IURD, em Angola, por decisão do governo local, que desmascarou a ambição desmedida de Edir Macedo naquele país. Na verdade, ele apenas desmascarou o óbvio. O braço angolano da IURD foi acusado de crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas e expatriação ilícita de capitais, racismo, discriminação, abuso de autoridade, entre outras denúncias. Acesse as informações no portal The Intercept.

E, como era de se esperar, Edir Macedo teve o apoio incondicional do presidente bosta n’água. Nós, no Brasil, vivemos numa democracia e não numa teocracia. Porém, isso não anula o fato de que, em inúmeros aspectos, assistimos à ascensão ao poder de correntes religiosas que produzem retrocessos e representam forte ameaça às instituições democráticas e aos direitos individuais e coletivos. Tentativas nesse sentido têm sido freadas no âmbito do Judiciário, especialmente no STF.

Em outro vídeo por mim produzido – Necropolíticas de um psicopata – eu denuncio a imensurável ameaça que significa a revogação de portarias do Ministério da Saúde e o encerramento de programas e políticas de saúde mental no SUS. Repito: tal iniciativa, se consumada, abrirá espaço para a ocupação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) por instituições religiosas de caráter duvidoso e práticas igualmente duvidosas. Isso também significará aumento de rebanho dessas instituições, bem como de dízimo, de poder econômico, de poder político e de dominação.

Já elegemos uma besta quadrada como presidente. Daí a elegermos uma besta fera evangélica neopentecostal pode ser apenas um passo, visto que nosso eleitorado pode continuar a seguir o berrante em 2022.

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