Fabricio Longo
Publicado pela coluna “Dando Pinta”, no site “Os Entendidos”, em 8 de julho de 2015
Bom e mau, masculino e feminino, sagrado e profano, certo e errado. A oposição de conceitos parece fundamental para o entendimento humano, pois é através da diferença que conseguimos enxergar particularidades. Entretanto, a definição do que é “melhor” ou “pior” é cultural, e é curioso que em tempos de defesa da diversidade, a nossa moral pareça estar cada vez mais conservadora. O que aconteceu com a nossa viadagem underground?
Durante anos, homossexuais circularam pela sociedade como vampiros. Monstros glamourizados, provocando fascínio e repulsa quase na mesma proporção, e servindo de personagens para uma “mitologia da interdição” que mostrava aos “normais” aquilo que não deveriam ser. A ameaça de “comer criancinhas” ou seduzir os jovens – homens e mulheres – com a promessa de um mundo de pecado e devassidão vinha de brinde. O espaço reservado a essas figuras era o das sombras, e quem ousasse vir à luz podia acabar dormindo de vez em um caixão. Lugar de barata é no esgoto!
Agora, os tempos são outros. Com o casamento, a adoção de crianças, os seriados do Netflix e as empresas interessadas no Pink Money, ser gay está cada vez mais mainstream. O preconceito é real e ainda há muita luta pela frente, mas a famigerada “Ditadura Gayzista” tão temida pelos conservadores parece cada vez mais forte, e de um jeito um tanto quanto inesperado: LIMPO!
É contraditório que o Movimento LGBT seja acusado de atentar contra a família tradicional. Por muito tempo, a grande demanda dessa comunidade foi a do casamento, que é precisamente a instituição mais conservadora que existe. As pessoas trans pedem que sua identidade de gênero seja reconhecida – o que colocaria seus documentos em concordância com sua aparência social – e toda uma geração de gays e lésbicas cresceu nessa atmosfera de abertura, com o ideal de inclusão cada vez mais próximo. Se isso não é defender a moral e os bons costumes, é o quê?
OK, talvez os casamentos gays sejam um pouquinho diferentes, com festas fabulosas para seguir o estereótipo ou com acordos liberais sobre sexo grupal, poliamor e afins. Entretanto, o que se vê é a valorização de um modelo higienizado de gay que é utilizado politicamente para mandar a mensagem de que “gay também é gente” e principalmente, “gente normal”. É o homem gay branco, de classe média, com ensino superior, verniz cultural e relacionamentos estáveis e monogâmicos que é vendido como “garoto propaganda” da recuperação do “transviado”. A bicha promíscua, o viado pobre e o gay negro continuam à margem, enquanto lésbicas e bissexuais são invisibilizados e transexuais são assassinados, ilustrando perfeitamente a classificação hierárquica a que estamos sujeitos.
Para alguns, a luz. Para os outros, a sombra.
A marginalização do afeto homossexual criou espaços alternativos para esse amor “que não ousava dizer seu nome”. Uma espécie de sociedade paralela que vivia em banheiros, em cinemas eróticos, em parques escuros, em boates e em reuniões secretas. Histórias de amor e de amizade enterradas para sempre em armários lacrados, que hoje podem ver a luz do sol.
É fácil entender porque a assimilação é tão sedutora. Estamos cansados de ser excluídos, e como o rompimento com a “normalidade” é sempre doloroso, a resposta mais atraente parece ser o retorno ao padrão – ou a uma imitação dele. Isso é legítimo e o mais maravilhoso de nossa época é que finalmente, é possível. Entretanto, a defesa da liberdade não pode impor condições de respeitabilidade. Um “tipo de gay” não pode ser melhor do que outro. Aliás, não tem como existir sem o outro.
O underground tem seu público. De padres a homens casados, passando por adolescentes amedrontados com as primeiras descobertas, às bichas hipócritas que pagam de moralistas durante o dia, os cinemões, banheirões e saunas estão lotados. Como os dias de loucura do Carnaval, talvez esses espaços funcionem como válvula de escape da chatice da normalidade, e talvez por isso mesmo sejam tão fundamentais para a manutenção do sistema.
As sombras fazem parte de nossa história e arco-íris nenhum vai dissipá-las, tanto porque elas abrigam quem não se aceita quanto porque alimentam as fantasias dos que fetichizam o proibido. O underground excita, mas ao simbolizar tudo que é “sujo” ou “errado” serve também para diagnosticar o que é considerado “limpo” ou “desejável”. É uma função importante porque a superioridade precisa dessa estrutura, ou vai deixar de ser superior.
O que há de mais sujo e imoral em um gay é a reprodução dessa lógica, até porque só deixaremos de ser “bichas do submundo” quando a sexualidade deixar de ser lida como informação principal de um indivíduo. Se e quando isso ocorrer, estaremos livres de classificações, de censura, de hierarquias e de moralidades. Nem gay e nem hétero, nem underground e nem mainstream. Livres.
Permita-se. Seja livre. Seja fabuloso.
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