Kaíque Augusto, um adolescente de 16 anos, foi brutalmente assassinado na madrugada do último dia 11, na avenida Nove de Julho, região central de São Paulo, após sair de uma festa gay na República. Acesse os links abaixo e tire suas próprias conclusões.
Depois de ler notícias a respeito, Sergio Marino, um rapaz de 21 anos, decidiu escrever uma mensagem para os seus pais, transcrita abaixo. Foi a primeira vez que ele falou abertamente sobre ser gay com o pai dele. “Ele sabe, claro, mas nunca falamos a respeito”, afirmou.
De tudo que ele escreveu, uma lição de valor inestimável: a vida num cárcere imposto pelo medo e pela vergonha de simplesmente ser o que se é, aquilo que costumam chamar de armário, sempre tem um custo muito alto e tornam nossos dias um fardo difícil de se carregar, muitas vezes insuportável. A liberdade é um bem altamente valioso e do qual não podemos prescindir.
Oi, pai. Tudo bem?
Há um tempo, a mãe conversou um pouco comigo sobre a real necessidade de se dizer à família algo sobre minha orientação sexual, se eu achava que isso era realmente necessário… Bem, se me perguntassem isso há alguns anos, eu certamente teria dito que não. Não há razões para que todos saibam o que faço ou deixo de fazer com a minha vida, basta que eu continue sendo uma pessoa boa, idônea e não haveria problemas em continuar vivendo sem tocar nesse assunto.
Essa é uma opinião muito comum entre pessoas LGBTs e foi a minha por bastante tempo. Mas hoje, tendo vivido um pouco mais, percebo que talvez não seja bem assim. Essa postura, embora possa parecer madura e consciente, a mim já não soa tão assim. É muito confortável nos abdicar de dizer às pessoas se somos gays, lésbicas ou o que for, evitamos perguntas, julgamentos, discussões e podemos seguir tranquilamente levando uma “vida dupla”. Entretanto, isso tem um peso, um efeito… Fingir que não sou homossexual torna isso algo muito distante do imaginário das pessoas. Quantas pessoas gays minha vó, por exemplo, terá oportunidade de conhecer na vida? Acho que muito poucas… E isso com certeza contribui para que ela ache que um rapaz que gosta de rapazes seja uma aberração. Bem, esse sou eu e não acho que seja uma aberração (talvez um pouco diferente do pessoal, mas não tanto. hehe).
Há alguns meses entreguei um trabalho na faculdade que falava justamente sobre isso, como ser reconhecido como homossexual pode naturalizar o modo como as outras pessoas vêem essa figura tão mística, falei de professores gays e das maneiras como podem tornar a sexualidade um assunto discutível em sala de aula. O trabalho ficou legal e a professora parece ter concordado comigo (tirei 10!). A Universidade tem sido de modo geral um espaço muito importante pra mim, lá cresci muito como pessoa. É um lugar muito bom para se estar, sem dúvidas. Ser gay na UNICAMP não é algo tão fora do comum e as pessoas costumam ver isso com naturalidade. Mas sei que no mundo real, fora dessa bolha, não é bem assim.
Hoje chorei ao ler uma reportagem e por isso resolvi escrever esse e-mail pra vocês. Um garoto da idade da Gabi foi morto ao sair de uma balada em São Paulo. Poderia ter sido eu, o Rodrigo, o Marcelo ou um dos tantos amigos gays que tenho. Ele morreu por ser como nós e isso assusta, desperta medo, ódio, desespero. Não quero mais viver num mundo assim. Quero ser livre e feliz à minha maneira, seja ela qual for. Não pretendo hastear uma bandeira falando sobre a minha vida, mas algumas partes dela não quero mais que sejam omitidas. Ser homossexual não altera em nada como sou e não me torna alguém que mereça ser morto. Precisamos curar esse mundo doente… Espero poder contar com minha família pra isso!
Um beijo grande. Amo vocês.
PS: Se puderem, leiam os dois textos.