19 de abril de 2024

Gésner Braga

stephenfryO cineasta, roteirista, ator e apresentador inglês Stephen Fry esteve no Rio de Janeiro, em 2011, numa rápida passagem para cumprir uma missão inglória: entrevistar o deputado federal e baluarte da intolerância Jair Bolsonaro. Homofobia foi o assunto discutido por ambos, sendo o tema central do documentário “Out There”, realizado por Fry e em exibição na BBC, em Londres. Sobre a insólita experiência, Fry declarou: “Esse deve ter sido um dos mais estranhos e sinistros encontros que eu já vivenciei”. Era de se esperar…

angelicaivoMas o parlamentar autor de pérolas de preconceito não foi o único eleito pelo cineasta. A primeira entrevista apresentada na parte do documentário passado em terras fluminenses foi feita com Angélica Ivo, mãe do garoto Alexandre Ivo, cruelmente torturado e assassinado aos 14 anos, em 21 de junho de 2010, tendo se tornado um símbolo de luta no combate à homofobia.

Ao longo dos 13 minutos dedicados ao Brasil, Stephen Fry destacou a ferrenha batalha que se instalou em torno do PLC 122/2006, que pretende criminalizar a homofobia e que está atualmente em curso no Senado. Ações de educação para a diversidade também foram objeto de análise, a exemplo do programa Escola sem Homofobia, vetado naquele mesmo ano pelo Governo Federal, que agiu sobre pressão de correntes conservadoras do Congresso Nacional.

Talvez conduzido pelo justo objetivo de mostrar as duas faces de uma mesma moeda, dando assim voz à diversidade de ideias, o cineasta acabou por estabelecer em sua obra contrastes de cores fortes do início ao fim, transitando por diferenças sociais, de gênero, de atitudes e de discursos.

De um lado temos uma mulher humilde, carinhosa, emotiva e marcada pela trágica e inaceitável perda do filho. Uma mulher que luta contra o preconceito e sobretudo contra crimes de ódio. Do outro, temos um homem a promover seu festival de horrores e sua verborragia de mau gosto e de ideias desconectadas do bom senso. Enquanto ela abre as portas da sua casa simples em São Gonçalo, ele tem orgulho de exibir a opulência da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Enquanto ela chora de dor, ele ri por puro sarcasmo.

Em seu depoimento, Angélica Ivo aponta a lei anti-homofobia como meio para frear o descalabro crescente de agressões e homicídios exclusivamente motivados pelo ódio a homossexuais. Já Bolsonaro, o obtuso, insiste em fazer de conta que desconhece as causas dos crimes homofóbicos e chega ao cúmulo de declarar que homofobia não existe, ao mesmo tempo em que afirma: “A sociedade brasileira não gosta dos homossexuais”. Ops! Contradição à vista.

Numa passagem curiosa, quando Bolsonaro discorre sobre o que é uma conduta natural – como se tivesse bagagem para tanto – Fry esclarece que 480 espécies animais na terra exibem comportamento homossexual, mas apenas o homem exibe comportamento homofóbico. Em seguida, pergunta: “Então, o que é normal?”. Poderíamos torcer para que o Bolsa tivesse captado a mensagem, mas não foi o que aconteceu. Ele justificou sua ignorância com diferenças culturais entre ingleses e brasileiros.

Sobre o seu entrevistado, Fry desenha um perfil que lhe cai como uma luva: “Bolsonaro é o típico homofóbico que eu encontrei em todo o mundo, com seu mantra de que os gays querem dominar a sociedade, recrutar crianças ou abusar delas. Mesmo num país progressista como o Brasil, suas mentiras criam histeria entre os ignorantes dos quais a violência pode surgir e acabar com ataques brutais como o que matou Alexandre Ivo.”

Por fim, Stephen Fry defendeu a educação como investimento eficaz para acabar com os crimes de ódio e apontou que, por encorajar a ignorância e justamente uma educação estreita, o cristianismo evangélico é um dos principais responsáveis pelo fomento ao ódio. “O Brasil certamente pode celebrar seu progresso, mas deve se manter vigilante, pois se essa história nos ensinou algo, foi que o progresso pode ser revertido”, alerta. Sim, essencial estarmos muitos atentos, de olhos bem abertos e com postura proativa.

Confira o vídeo:

 

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