19 de abril de 2024

Por Gabriela Ramenzoni, Renan Quinalha e Anna Carolina Venturini
Publicado pelo portal Le Monde Diplomatique – Brasil, em 12 de março de 2018

No Brasil, desde 1985, o Conselho Federal de Medicina não a associa a homossexualidade a um desvio. Denota-se um consenso na área da saúde de que se trata de uma variação natural da sexualidade sem qualquer efeito danoso. Como não há doença, não há que se falar em cura. Em contrapartida, o efeito prejudicial à mente e à saúde de uma pessoa ao se tentar “curar” sua sexualidade pode ser bastante alto.

A homossexualidade é um conceito relativamente recente na longa história da humanidade. Apesar de práticas sexuais e afetivas entre pessoas do mesmo sexo serem constatadas desde os tempos mais remotos e nas mais diferentes culturas, a homossexualidade enquanto uma identidade pessoal e política é algo muito mais recente

Aliás, o próprio termo nasceu apenas no final do século XIX. Foram os médicos dedicados às ciências do sexo (ou sexologia), sobretudo ingleses e alemães, que buscaram diagnosticar os comportamentos dos “invertidos” sexuais, como muitas vezes eram chamados os homossexuais. Assim, a homossexualidade era progressivamente retirada da esfera de influência da religião, da moral e do direito para ser vista como uma questão da medicina.

Em diversos lugares do mundo e durante muito tempo, mesmo em países que descriminalizaram a prática, a homossexualidade era considerada uma patologia. No entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou tal classificação em 1993 em razão da falta de justificativa médica e ética para tanto. No Brasil, desde 1985, o Conselho Federal de Medicina não a associa a homossexualidade a um desvio e, desde 1999, os tratamentos de “reorientação sexual” foram proibidos pelo Conselho Federal de Psicologia. Denota-se um consenso na área da saúde de que se trata de uma variação natural da sexualidade humana sem qualquer efeito danoso a eles ou a pessoas próximas.

E, como não há doença, não há que se falar em cura. Qualquer esforço para alterar esta característica tem se mostrado irresoluto. Em contrapartida, o efeito prejudicial à mente e à saúde de uma pessoa ao se tentar “curar” sua sexualidade pode ser bastante alto. Em um estudo americano, não só se mostraram inefetivas as tentativas de conversão da sexualidade de um grupo de pessoas, como ainda tais ações interventivas teriam reflexos nocivos como depressão, ansiedade, insônia, sentimentos de culpa, vergonha e até intenções comportamentais de suicídio.

Atualmente, estima-se que haja, no Brasil, 20 milhões de pessoas de população LGBT. Trata-se de um número considerável não só de trabalhadores e cidadãos, como também de consumidores em potencial. Inclusive, a possibilidade da união estável e do casamento entre pessoas do mesmo sexo aumentam ainda mais a especificidade de tal mercado. Aliado a isso, é interessante notar que o Brasil é considerado rigoroso em termos de legislação contra preconceitos sexuais e de gênero, apesar da ausência de uma legislação que criminalize a LGBTfobia no plano federal.

A realidade da violência contra os segmentos LGBT é alarmante no país. Somente em 2012, foram relatadas quase 10 mil denúncias de violações de direitos humanos relacionadas à população LGBT. O ano de 2017, por exemplo, registrou 445 mortes por homofobia, fazendo do Brasil um dos lugares que mais mata pessoas LGBT no mundo – inclusive quando comparado com outros países com pena de morte contra os LGBT. Além desses dados, verifica-se que parte dessas comunidades, especialmente as pessoas trans, encontra-se em situações de risco na sociedade na medida em que lhe faltam diversos direitos e oportunidades, em especial, de emprego.

No Brasil, o potencial financeiro do segmento LGBT é estimado em R$ 418,9 bilhões, ou seja, 10% do PIB nacional (Produto Interno Bruto, total de bens e serviços produzidos no país), segundo a associação internacional Out Leadership, ressalvando-se que tal número é subestimado. Nesse sentido, setores como o bancário e de turismo são pioneiros em abarcar um tratamento especial a esses grupos no Brasil. A Parada LGBT, em São Paulo, é um exemplo da importância desse mercado, sendo o segundo maior evento atrativo na cidade e que movimenta um público de mais de 4 milhões de pessoas.

Contudo, no que se refere à empregabilidade, o caminho ainda é bastante tortuoso. O número de pessoas que sofrem esse tipo de preconceito no ambiente de trabalho brasileiro é alto. De acordo com um estudo da consultoria Santo Caos, 41% dos entrevistados afirmam terem sofrido discriminação por sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho. Outro dado relevante é que 38% das empresas brasileiras têm restrições na contratação de homossexuais.

O quadro para transexuais e travestis é ainda muito mais grave, posto que a maior parte das empresas sequer aceita os currículos dessas pessoas. O nível de falta de oportunidades para que elas consigam ter uma vida digna e compatível com suas capacidades é abismal, estando aqui a principal causa da sua marginalização social e prostituição de 90% dessa população, de acordo com os dados apresentados por Santo Caos.

Além disso, o país lidera o índice de homofobia no mercado de trabalho pelo mundo, contando com 68% de casos de pessoas que já viram ou ouviram falar desse tipo de problema em seus empregos. Isto representa uma perda de aproximadamente R$ 450 milhões anualmente para a economia brasileira, quando se analisa questões de produtividade, rotatividade (turnover) e processos judiciais, de acordo com pesquisas feitas pela OutNow.

Isto porque, em termos de produtividade, 75% de LGBTs assumidos admitem ser produtivos no trabalho, em contraste a 46% daqueles que permanecem ocultando sua orientação sexual entre as pessoas com quem convivem diariamente no trabalho. Ou seja, há uma melhora de 29% no rendimento do trabalho e na valorização do trabalhador LGBT quando eles conseguem ser acolhidos e respeitados em seus direitos sexuais e de gênero.

Em termos de abusos sofridos no trabalho, os números da pesquisa OutNowapontam que 19% de LGBTs sofreram algum tipo de abuso relacionado à questão sexual. Isto é a ponta do iceberg em termos de gastos judiciais que organismos em geral no Brasil vem sofrendo em razão de problemas com o respeito aos direitos LGBT. Um dos maiores temas de repercussão na mídia, de acordo com uma pesquisa feita pelo CNJ apontou justamente a questão dos Direitos LGBT. E as ações judiciais a favor desses direitos cada vez mais tem aumentado.

Assim, nota-se que os problemas relacionados aos abusos e violências cometidos contra essas comunidades não tem obstado tal população de buscar ações para que possam exercer dignamente seus direitos, com autonomia e determinação, não somente na vida social em geral, como em especial no ambiente de trabalho.

Contudo, não são somente tais comunidades que perdem com a homofobia e a Transfobia. O prejuízo do preconceito também se faz sentir para aqueles que o propagam, pois cada vez tem ficado mais claro que a falta de oportunidade, as piadas e vexações no ambiente de trabalho e a violência sofrida por essas comunidades têm trazido um desperdício financeiro para o país bastante considerável.

Uma pesquisa da empresa Cone Communications and Ebiquity indica que 90% das pessoas estão dispostas a boicotar uma marca se não sentem que a empresa adota valores que são importantes para ela, ao que 88% dos consumidores serão mais leais a uma marca que ativamente apoia questões sociais progressistas.

E é nesse sentido que a OMS recomenda que governos, instituições acadêmicas, a mídia, associações e a própria sociedade civil organizada sejam responsáveis em dissociar a homossexualidade de uma “doença”. É fundamental que haja a proteção de todos os sujeitos essenciais em uma sociedade democrática para a proteção efetiva da dignidade humana, bem como o tratamento da homofobia e da transfobia como uma problemática ética e de saúde que tem impactos negativos nas relações civis, políticas, sociais, culturais e econômicas.

Os dados acima demonstram que acolhimento e respeito pelos indivíduos LGBT+ pelas empresas e pela sociedade é uma questão econômica, visto que a inclusão de indivíduos de diferentes sexos, orientações sexuais e identidades de gênero geraria grandes benefícios para a economia brasileira, por meio da ampliação da força de trabalho remunerada e da geração de novos nichos e mercados consumidores. Porém, trate-se também de uma questão de ética e de justiça social, em que pessoas são excluídas de determinados ambientes e privadas de direitos unicamente em razão do fato de serem diferentes do padrão socialmente construído e imposto como o correto. O ódio e a falta de empatia pelo diferente apenas geram prejuízos às pessoas e ao país como um todo.

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Gabriela Ramenzoni é sócia da Pluraliza e Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP.

Renan Quinalha é Professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Anna Carolina Venturini é fundadora da Pluraliza e Doutoranda em Ciência Política pelo IESP-UERJ.

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1 thought on “Prejuízos do preconceito

  1. Quando a gente fala de Realização Pessoal, passa pela Carreira Profissional e Sexualidade! Me lembro de uma conversa havida, sobre quem chegava mais cedo, em locais que adotam o chamado Turno Estendido, era justamente quanto aos que Sexualmente eram “frios (na libido)”! São pessoas mal humoradas na máxima “tás na bronca”! Sei que há o relogio biológico, mas ai tais pessoas começavam a jornada de trabalho por volta das 9 horas da manhã e não as 7 horas da manhã que se presume acordar por volta das 4h ou 5h da manhã, isso em cidade de porte médio!

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