Hoje eu me arrisco em um terreno bastante perigoso. Sim, porque o tema deste vídeo é “Racismo e a construção do desejo”. E por que perigoso? Porque é sempre um risco uma pessoa branca falar sobre racismo. De fato, este não é nosso lugar de fala e há grande chance de se proferir alguma bobagem, eu sei.
O risco aumenta quando não se tem o embasamento teórico na defesa do discurso que se constrói. Pois, acreditem, é exatamente isso que eu vou fazer aqui. Eu vou tratar do tema a partir de uma experiência pessoal. Porém, a princípio, é com base em estudos científicos que eu afirmo: tanto o preconceito (e, portanto, o racismo) quanto o desejo são frutos da construção cultural.
No primeiro caso – ou seja, o preconceito – nós temos uma situação inquestionável: ninguém nasce preconceituoso. O preconceito é aprendido ao longo da vida desde a tenra idade, nas diversas formas de socialização. Nós podemos absorver preconceito nos nossos círculos sociais como família, amigos, escola, trabalho, religiões, além de influências da mídia, das redes sociais, entre outras formas de bombardeio de informações diárias.
Algumas pessoas são preconceituosas, mas defendem que não são e, portanto, precisam de orientação. Outras têm absoluta convicção e orgulho do que são. Essas são doentes. Mas eu já falei sobre isso em outro vídeo, com essas mesmas palavras. Então eu vou parar por aqui, pois o enfoque do vídeo é outro. Repito: racismo e a construção do desejo.
Por tudo que já foi exaustivamente dito e defendido a respeito, é fácil entender que o preconceito é uma construção cultural. Ponto final. Porém, quando dizemos que o desejo também é, olhares tortos tomam lugar. Isso porque as pessoas partem da premissa de que toda sua sexualidade está definida desde o nascimento. É muito comum ouvirmos as pessoas dizerem: eu nasci heterossexual, eu nasci gay, eu nasci lésbica, eu nasci bissexual, eu nasci assim, eu nasci assado. só para citar alguns exemplos. Mas, convenhamos, há muito da sexualidade humana que não está definida no DNA. Apesar de afirmar isso, eu não vou entrar nessa seara do que é definido pela genética e do que é definido pela cultura, pois este é um embate dos mais ferrenhos que já testemunhei e assumo me faltar lastro teórico para defender qualquer ponto de vista.
Exatamente por isso, eu parto de uma experiência pessoal para ilustrar como racismo operou na minha vida e como a maturidade o desconstruiu em boa parte. E com esse exemplo, eu pretendo demonstrar modestamente que o preconceito pode, sim, ser determinante do nosso desejo.
Em uma sociedade racista em que nós vivemos, as relações inter-raciais ainda são vistas com bastantes ressalvas, sobretudo nas classes socialmente mais abastadas, mesmo considerando nossa pluralidade racial e ampla miscigenação. Muito bem, muita gente pode não perceber, mas este é um condicionante sociocultural que se impõe sobre o desejo e faz com que uma pessoa despreze outra apenas pelo fato de ter a cor da pele diferente da sua. Friso novamente: esta é uma condição culturalmente imposta sobre o desejo. Nada tem a ver com DNA.
Foi exatamente isso que aconteceu comigo. Na minha juventude, eu não alimentava absolutamente nenhum desejo por pessoas negras. Se os traços negros fossem determinantes, não importava se a cor da pele era mais ou menos escura. Simplesmente, meu desejo não era despertado. E isso era algo que estava fora do meu controle, pois o preconceito opera sobre o nosso subconsciente de tal modo que é preciso um trabalho duro de autoconhecimento para desconstruí-lo.
Por minha sorte ou por meu empenho, essa desconstrução veio com a maturidade, com a leitura, com o conhecimento, com o conhecimento do outro, com a convivência com as diferenças, com a abertura da minha cabeça e dos meus horizontes. Não tenho absoluta certeza, mas acho que hoje meu desejo não reconhece raças. Experiências pelas quais passei parecem indicar que eu tenho um leque bem amplo. Eu sou danadinho.
Porém, não sou perfeito e sei que há em mim preconceitos que precisam ser vencidos. Repito: vencer os próprios preconceitos é fruto de autoconhecimento que vem a ser um trabalho longo e muito árduo. Só me resta persistir.
E eu me despeço com esse conselho: persistam no autoconhecimento e na busca incessante por maturidade.