9 de outubro de 2024
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Por Márcia Rocha*
Publicado no site “Pau pra qualquer obra”, em 11 de agosto de 2015

http://www.paupraqualquerobra.com.br/wp-content/uploads/sangue_na-b%C3%ADblia-1024x768.jpgEstou lá na manifestação pela manutenção da palavra ‘gênero’ no Plano Municipal de Educação (PME). Do outro lado, religiosos uniformizados, que vieram de ônibus, munidos de um poderoso carro de som, senhoras com suas famílias e terço nas mãos, rapazes e moças rezando e até se ajoelhando, gritando pela família. Em dado momento, um rapaz vem para o nosso lado, chega perto de mim e me entrega um pano escrito ‘Não ao gênero’. Olhei para ele e perguntei se ele sabia o que é gênero:

-Não faço a menor ideia, respondeu.

Caí na gargalhada, que quase me mijei. Dicionário Aurélio: Gênero – 13. Conjunto de propriedades atribuídas social e culturalmente em relação ao sexo dos indivíduos. Em outras palavras, gênero é tudo o que uma sociedade entende como sendo ‘masculino’ ou ‘feminino’, incluindo direitos e obrigações. Existem milhares de estudiosos, cientistas de diversas áreas no mundo todo, que estudam gênero e suas relações de poder em diversas sociedades.

Por exemplo, Malala Yousafzai, 18 anos, Prêmio Nobel da Paz, levou um tiro no rosto de fundamentalistas religiosos por defender o direito de meninas estudarem no Paquistão. Discutir o direito de meninas estudarem, de homens cuidarem dos filhos. e até quais roupas cada sexo pode usar, é discutir gênero!

Ora, o poder das igrejas baseia-se na ignorância, na falta de conhecimento. A Bíblia e a moral da maioria das culturas é fundamentada em valores de gênero. Mulheres devem obediência aos maridos, não podem usar roupas curtas, devem usar burca, são o mal que tenta os homens, que por sua vez devem morrer pela honra ou pela pátria, e por aí vai.

Então surge um menino que se sente menina ou uma menina que afirma ser um menino e, com base nos Direitos Humanos, têm seu direito de existir reconhecidos ou no mínimo, fazem as pessoas começarem a pensar sobre tudo isso.

Carro de som e padre

O padre sobe no carro de som e diz que existe um complô internacional para destruir a família, que a ‘ideologia de gênero’ é financiada por grupos internacionais que desejam acabar com os valores fundados na família, família, família…

Eu tenho família, cuido da minha mãe, da minha filha e me dou muito bem com meus irmãos. Até frequento as festas de Natal, almoços de dias de pais e mães, etc. Isso não é família? Que família quero eu destruir? Do outro lado, eles não informam absolutamente nada, confundem, mentem descaradamente, no desespero cego de impedir que a razão, a lógica e a ciência prevaleçam. A mim, isso tudo dá pena, pois nada mais é do que o desespero de instituições fundadas em valores errados, assistindo pela internet e pela televisão seu poder desmoronando.

É inevitável que novas formas de família se constituam, porque é lógico e um direito humano. É inevitável que identidades diversas se expressem, porque é lógico e um direito humano. Há cada vez menos espaço para a mentira, para a doutrina cega, para o medo de um inferno que um Deus do mal teria criado para condenar seus filhos por seguirem impulsos que ele mesmo colocou neles.

A razão foi dita duas vezes em nosso grupo em palavras de ordem: ‘Parem de rezar e vão estudar’ e ‘Se Jesus estivesse aqui, estaria do lado das travestis’. Como eu já disse antes: chega de tanto ódio e vão fazer amor! Ah, esqueci, tua religião não permite.

*Márcia Rocha é advogada, militante e travesti. Livre como poucas, vive sua vida o mais intensamente possível, criando suas próprias regras da mesma forma como criou seu corpo escultural. Uma mulher especial com algo a mais, que vive para ser e fazer feliz.

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