Luís Roberto Barroso considerou que a norma é “tão vaga e genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a perseguição dos que dela divergem”
Por Rodrigo Gomes
Publicado pelo portal Rede Brasil Atual, em 22 de março de 2017
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu ontem pela inconstitucionalidade da Lei 7.800/2016, do Estado de Alagoas, baseada no projeto Escola sem Partido – que se propõe a combater uma suposta doutrinação ideológica marxista nas escolas. Para o ministro, a norma não tem condições de promover uma educação sem doutrinação. “É tão vaga e genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a perseguição dos que dela divergem. Portanto, a lei impugnada limita direitos e valores protegidos constitucionalmente sem necessariamente promover outros direitos de igual hierarquia”, argumentou Barroso.
A lei, copiada do texto base do projeto Escola sem Partido, foi questionada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.537, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). A norma propõe que sejam afixados cartazes em salas de aula com deveres do professor. Entre outros pontos, a lei estabelece “educação moral livre de doutrinação política, religiosa e ideológica”, proíbe “condutas que imponham ou induzam nos alunos opiniões político-partidárias, religiosas ou filosóficas”, e que o professor incite “seus alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas”.
“Mas o que é doutrinação? O que configura a imposição de uma opinião? Qual é a conduta que caracteriza propaganda religiosa ou filosófica? Qual é o comportamento que configura incitação à participação em manifestações? Quais são os critérios éticos aplicáveis a cada disciplina, quais são os conteúdos mínimos de cada qual, e em que circunstâncias o professor os terá ultrapassado?”, questionou Barroso na decisão.
A lei determina ainda que os docentes sejam “monitorados” quanto às opiniões que defendem. Para os defensores do projeto, os estudantes são vulneráveis aos professores e podem ser “doutrinados” por eles. Barroso discordou dessa ideia e argumentou que só se tem liberdade em um ambiente livre. “Para que a educação seja um instrumento de emancipação, é preciso ampliar o universo informacional e cultural do aluno, e não reduzi-lo, com a supressão de conteúdos políticos ou filosóficos, a pretexto de ser o estudante um ser ‘vulnerável’. O excesso de proteção não emancipa, o excesso de proteção infantiliza”, escreveu.
Para o ministro, é evidente que o professor não pode atuar de forma autoritária ou discriminatória em sala de aula. E, para isso, deve ser preparado para respeitar os parâmetros mínimos da sua disciplina, preservando o pluralismo, não impondo sua visão de mundo e trabalhando com os questionamentos e as divergências dos estudantes. “Preparar o professor envolve a formulação de políticas públicas adequadas – e não seu cerceamento e punição”, afirmou Barroso.
O magistrado ressaltou ainda que a norma implica desconfiança em relação aos professores, o que não faz sentido em relação ao papel desempenhado por eles na sociedade. “(Os professores) têm um papel fundamental para o avanço da educação e são essenciais para a promoção dos valores tutelados pela Constituição. Não se pode esperar que uma educação adequada floresça em um ambiente acadêmico hostil, em que o docente se sente ameaçado e em risco por toda e qualquer opinião emitida em sala de aula”, afirmou.
A decisão de Barroso suspendeu integralmente a aplicação da lei em Alagoas e, consequentemente, deve suspender a tramitação de projetos semelhantes em Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas de todo o país. O ministro remeteu o projeto para a pauta do plenário do STF, responsável pela decisão de mérito.