Ofelia Barba Navarro se emociona quando lembra das agressões físicas e insultos sofridos durante anos por sua filha Zoey, de 13 anos, que é transexual.
Jaime González, da BBC Mundo em Los Angeles
Publicado pela BBC Brasil, em 15 de outubro de 2014
Ela sabia da identidade de gênero de sua filha desde muito cedo, e sua principal preocupação era tentar proteger Zoey, registrada como sendo do sexo masculino.
“A perseguição era constante, a pegavam, jogavam ao chão e diziam coisas horríveis”, conta a mãe solteira que vive em uma casa simples com os três filhos em Downey, um subúrbio de Los Angeles, no Estado americano da Califórnia.
“Usavam insultos que eu não me atrevo a repetir. Foi nesta época que Zoey, com apenas oito ou nove anos, começou a falar que não queria mais viver e isso meu deu muito medo. Quando sua filha diz que preferia estar morta, ou quando te chamam na escola para dizer que sua filha quer pular do prédio, você percebe que precisa fazer algo.”
Atualmente, depois de anos de sofrimento e incerteza, Ofelia e Zoey finalmente estão recebendo a ajuda que precisam e garantem que, finalmente, podem pensar no futuro com otimismo.
Zoey é acompanhada há três anos pelos profissionais do Hospital Infantil de Los Angeles e começou a transição para poder se desenvolver totalmente como mulher.
Seu caso é parecido com o de centenas de menores transexuais de todos os Estados Unidos que estão recebendo ajuda cada vez mais cedo para que possam viver de acordo com sua verdadeira identidade de gênero.
Progresso
Esta é uma amostra de que está ocorrendo progresso na percepção da transexualidade.
“Os avanços que ocorreram nos últimos anos foram enormes”, disse à BBC Mundo a médica Johanna Olson, diretora do Centro para Saúde e Desenvolvimento dos Jovens Transexuais do Hospital Infantil de Los Angelos, que cuida da transição de Zoey.
“É um tema falado cada vez mais abertamente e cada vez mais cedo. Não há dúvida de que a visibilidade da comunidade transexual nos meios (de comunicação) está ajudando. Agora até nas séries de televisão estão incluindo personagens transexuais”, disse a médica, uma das principais especialistas deste campo nos EUA.
“Além disso, a internet está permitindo que crianças e jovens transexuais entrem em contato e possam ter acesso a comunidades as quais, antes, não teriam como encontrar. Isto está fazendo com que a visibilidade do coletivo aumente.”
Segundo explica Olson, quando iniciou seu trabalho neste campo, há pouco mais de cinco anos, tinha apenas 40 crianças e jovens como pacientes e agora conta com cerca de 340 com idades entre quatro e 25 anos.
“A mentalidade dos pais mudou muito na última década. Cada vez mais estão conscientes de que há formas de ser alternativas.”
“Dialogam de forma totalmente diferente com os filhos, os enxergam como seres humanos e não como uma propriedade. Isso permite que as crianças e adolescentes possam falar de suas experiências”, disse.
Bloqueio da puberdade
Segundo Olson, uma das maiores mudanças dos últimos anos é a possibilidade de dar às crianças transexuais os chamados bloqueadores hormonais.
Estes são remédios cujos efeitos são reversíveis, aplicados em forma de injeção ou implante subcutâneo.
Estes remédios são fornecidos para crianças transexuais antes que comecem a puberdade biológica, para que o corpo não produza os hormônios sexuais que produziria normalmente.
“Os transexuais ficam mais vulneráveis quando experimentam a puberdade que não corresponde (à identidade de gênero). É quando vemos que eles sofrem de ansiedade, depressão, tentativa de suicídio ou isolamento social.”
Paralisando a puberdade, os médicos evitam que se desenvolvam com os traços físicos e sexuais de um gênero com o qual não se identificam, como a voz grave e pelos no corpo, no caso de meninos, ou seios, no caso de meninas.
Depois, entre os 14 e 16 anos, dependendo do protocolo de cada país, os médicos podem começar um tratamento hormonal para desenvolver os traços físicos de acordo com sua verdadeira identidade de gênero.
A médica afirma que os bloqueadores são seguros e lembra que há décadas eles são usados para crianças com transtornos que levam à puberdade precoce.
Mas Olson reconhece que a terapia de substituição hormonal, a mais polêmica e que usa estrogênio ou testosterona, resulta em mudanças irreversíveis e os pacientes ficam estéreis.
Outros especialistas afirmam que, devido a estas mudanças irreversíveis e pelo fato de não se conhecer os efeitos no longo prazo, seria necessário esperar que os jovens atingissem a maioridade para que eles decidissem se devem ou não seguir com a terapia.
Mudanças
Zoey, que começou o tratamento há três anos, usa os bloqueadores hormonais e faz tratamento com Johanna Olson graças à organização União das Liberdades Civis dos Estados Unidos (ACLU, na sigla em inglês). Desde então, sua vida mudou muito.
Os especialistas da organização tiveram que intervir para que Zoey não fosse expulsa da escola, que considerava a forma como ela se vestia e seu comportamento inadequados.
“Percebi que não tinha que ser uma pessoa diferente e que podia ser eu mesma. Um mundo de possibilidades se abriu. Pude deixar o cabelo crescer e me vestir como realmente queria”, disse Zoey em entrevista à BBC Mundo.
Ofelia, por sua vez, conta que não foi uma decisão difícil a de deixar sua filha começar o tratamento, já que sabia dos problemas que transexuais enfrentam durante a transição para a idade adulta.
Drian Juárez, que trabalha como diretora do programa de fortalecimento econômico dos transexuais do Centro de Gays e Lésbicas de Los Angeles, passou por isso.
“Como mulher tive que atravessar a puberdade masculina e isto, quando fui ficando mais velho, fez minha transexualidade mais visível, o que levou à discriminação, abuso e violência”, disse à BBC Mundo.
Juárez contou com o apoio da família, mas sofreu muitos abusos físicos e verbais durante a infância e adolescência. Quando entrou na idade adulta, isolada socialmente e sem poder pagar pelos tratamentos para fazer a transição, teve que se prostituir.
Juárez acredita que as mudanças dos últimos anos podem ser em parte atribuídas aos pais que têm cada vez mais informações, particularmente graças à internet.
“Ver que agora os filhos podem expressar quem realmente são é incrível. Casos como o de Zoey me dão esperança. Esperança de que não terá que enfrentar tanta discriminação e poderá mostrar ao mundo sua verdadeira identidade”, afirmou.
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