Não se ensina o assassinato. Exceto em algum ambiente social extremamente degenerado, o assassínio não é algo que se ensine, o homicídio não é algo para que se eduque, porque tirar a vida de uma outra pessoa nunca é um valor em si. Os valores até podem ser equivocados, mas não há sociedade que não forme, ensine, eduque segundo valores. A ação ensinada se justifica por aquilo que o grupo reconhece como princípios e recompensa como virtude. Não se ensina, portanto, a matar.
O ódio, o ódio social, culturalmente sancionado, por sua vez, se ensina. Ninguém nasce portador de “ódios sociais”, a decisão de que uma classe de pessoas é detestável e que, portanto, cada indivíduo desta classe pode e deve ser odiada singularmente simplesmente porque, sob algum aspecto ou capacidade, é um “tipo de gente”. Não há ódio inato ou espontâneo a “tipos de gente”, nem aos indivíduos singulares que são classificados nesses tipos. Primeiro, é preciso que a fábrica coletiva de representações construa os tipos, por abstração, escolhendo alguma característica para reunir muitas singularidades numa mesma caixinha. Ao mesmo tempo, é preciso decidir que a emoção humana a ser dedicada a todos os indivíduos “daquele tipo” é o ódio, o desprezo, o desejo de aniquilação. Gente existe apenas no singular, mas o ódio social precisa ser simplificado no coletivo abstrato que faz de cada indivíduo nada mais que parte de um feixe.
O assassinato homofóbico é socialmente construído, pedra a pedra, fibra a fibra. O ódio aos homossexuais não é inato, não é espontâneo, não é natural. Ninguém nasce odiando homossexuais. É um fato cultural, social. Ensina-se o ódio aos homossexuais de exemplo em exemplo, de norma em norma, de princípio em princípio, de recompensa em recompensa. Não é banal a autorização social ao ódio, e ao ódio no nível em que matar é uma possibilidade real, principalmente porque é preciso transformar este ódio em princípio e transmutar o desprezo ao odiado em virtude socialmente apreciável. É preciso que aquele que odeia sinta que há recompensas sociais, em aprovação ou conformidade ao grupo, no seu ambiente de referência. Não pode sequer haver dúvida de que o ato de ódio, materializado em humilhações, espancamentos ou até mesmo no assassinato, não é reprovado pelo círculo social de referência. Quem assassina por ódio social não é amoral, não é um solipsista, não é um animal sem matilha ou rebanho. Não: é alguém que aprendeu a odiar, gota a gota, ideia a ideia, princípio a princípio, aquilo que o seu bando odeia.
Se não entendermos isso, continuaremos atribuindo assassinatos, espancamentos, mutilações, humilhações de homossexuais a aberrações sociais, a pessoas desviantes, a perversos amorais, a loucos, a marginais. Higienicamente, lavaremos as mãos para dizer que a violência contra os homossexuais nada tem ver conosco, com nossos valores e com as virtudes que reconhecemos em nossos ambientes sociais. Convenientemente, não nos implicamos. Mas deveríamos, sim. O ódio aos homossexuais é um fato cultural, coletivo. E mesmo que o meu ambiente social não reproduza este ódio sombrio e desumano, o meu círculo de referência é contíguo a outros círculos onde o ódio é socialmente ensinado, autorizado e recompensado. Estamos todos implicados, na causa e na solução deste ódio social tão arraigado quanto desumano e incompatível com o padrão de sociedade justa e respeitosa que desejamos.
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