A ampliação dos debates públicos sobre as pautas LGBTs é elemento fundamental do combate às vulnerabilidades
por Ari Areia e Helena Vieira
Publicado pela Revista Cult, em julho de 2016
“Embora a democracia não possa assegurar a representação,
é plausível, todavia, que a democracia leve mais à representação
do que os regimes alternativos.”
(MANIN, PRZEWORSKI & STOKES in “Eleições e Representação”)
Em maio de 2014, Miriam Grossi, feminista brasileira, denunciou ao mundo a empreitada neopentecostal contra os direitos das mulheres e das populações LGBT no texto “Les évangéliques brésiliens à l’assaut de la sexualité” para o jornal francês “Liberation”. Dois anos depois, a ocupação religiosa na política brasileira tornou-se uma realidade.
Em diversos municípios brasileiros, o combate à violência de gênero e sexualidade é excluído dos Planos Municipais de Educação, dos Planos Estaduais e de tantos outros. Em São Paulo, a Câmara Municipal apoia por unanimidade o “combate à cristofobia”. Em Fortaleza, uma deputada busca “disciplinar manifestações artísticas” que satirizem qualquer religião, ameaçando artistas e ativistas de terem seus trabalhos encerrados com uma invasão do teatro pela Polícia Militar. Nesta semana, um conhecido pastor iniciou uma campanha “Não vote em candidatos LGBT para garantir o Reino de Deus na Terra“. Este chamado é fundamentalmente político e encerra uma concepção de Estado religioso, não laico.
Há, entre os grupos conservadores, algum nível de coesão (nem sempre crítica) revelada pelo crescimento das bancadas religiosas pelo país. Este cenário é ideal para o retrocesso relativo aos direitos das mulheres (e já temos exemplos disso, não é? Vide PL 5069 relativa ao aborto, de Eduardo Cunha) e dos direitos da população LGBT.
Nas eleições municipais deste ano, a comunidade LGBT e as mulheres parecem responder ao avanço religioso e conservador com centenas de candidaturas espalhadas pelos municípios brasileiros: travestis, mulheres, lésbicas, transexuais, prostitutas e gays comprometidas com a ampliação dos direitos, da cidadania e da qualidade de vida das tantas populações subalternizadas.
O aumento de candidaturas é um fenômeno importante, uma vez que há na política uma dimensão simbólica, performática. É preciso estar nela, é preciso promover o debate, é preciso mostrar que existimos e que buscamos estes espaços. Entretanto, só isso não basta. Não precisamos apenas de visibilidade e isso é central nestas eleições: precisamos ser eleitos também. Isso passa, necessariamente, pela organização e pelo voto consciente das milhares LGBTs brasileiras.
Ouvimos a torto e a direito que “LGBTs são muito desunidos”, “LGBTs não votam em LGBTs”. Entretanto, o que isso significa? Esse discurso não seria um impedimento para a ocupação LGBT nos parlamentos brasileiros? Certamente. Porém, tais afirmações são tomadas como realidade “em si” e não como consequência de um fenômeno anterior: o desencantamento com a política. Os discursos que envolvem os espaços de “poder político” estão tomados de expulsismo. A política se tornou o lugar do nojo, da corrupção, do “problema sem jeito”. Esses discursos enfraquecem a confiança no voto e na capacidade da representação enquanto ferramenta política útil.
Neste sentido, o primeiro desafio é a compreensão dos mecanismos antropofágicos aos quais podemos submeter a velha política. Ao invés de fugir dela, de negá-la, podemos devorá-la com nossas ideias, cores e pautas, e assim produzir novas formas de devir-político que caminhem no sentido de ampliar direitos e, consequentemente, de ampliar a democracia.
A democracia se dá também no conflito, no embate entre grupos organizados, seja para eleições ou para pressionar seus representantes e governos. Há, entre as comunidades LGBT, certo grau de dispersão política aproveitado pelos setores conservadores na promoção de nosso enfraquecimento e no pisoteio de nossas pautas.
Noutro sentido, a ampliação dos debates públicos sobre as pautas dessas populações extremamente vulneráveis é elemento fundamental do combate às vulnerabilidades, como propõe Amartya Sen em seus estudos sobre o luta contra a pobreza.
Essa ampliação dos debates permite que aqueles não diretamente atingidos/envolvidos nas questões identitárias (feministas e LGBTs) percebam que tais conquistas estão intrinsecamente ligadas à ampliação das suas próprias cidadanias e consequentemente no aprimoramento da democracia e na consolidação de um Estado em que as pessoas sejam livres.
Nos últimos dois anos, as questões de gênero tornaram-se o epicentro dos debates políticos brasileiros, então, se há um momento para construir este debate, é agora. A desinformação tem tomado conta dos debates políticos em ambos os espectros da política. Afinal, há desinformação e autoritarismo na esquerda e na direita, entre liberais e conservadores. Apenas a tomada da esfera política de forma consciente é que pode informar. Adam Przeworski e Bernard Manin reiteram, em seu texto “Eleições e Representação”, a importância da “informação” como mecanismo de fortalecimento da democracia representativa. Com isso, faço um apelo às LGBTs e às mulheres: não podemos nos contentar em existir, é preciso lutar. Não podemos nos contentar em criticar, é preciso agir e, principalmente, é preciso que nosso discurso se amplie e se potencialize para chegar aos lugares onde as informações não chegam, dialogando com a pluralidade e com a realidade.
Helena Vieira é transfeminista, escritora e dramaturga. Já colaborou com a Revista Galileu e com o Blog “Agora é Que São Elas” da Folha de São Paulo; desenvolve pesquisas sobre Corpo e Gênero no “Outro Grupo de Teatro” onde também escreve. É de Fortaleza.
Ari Areia é ator do Outro Grupo de Teatro, onde desenvolve pesquisa sobre sexualidades e identidades de gênero. Jornalista, formado pela Universidade Federal do Ceará, ativista LGBT e militante no movimento cultural em Fortaleza.
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