Suzel Tunes e Thaís Macena
Publicado pelo portal UOL, em 12 de novembro de 2014
Quando Luiz Mott era adolescente, nos anos 1960, ouviu de um professor de história que o Império Romano tinha caído por causa da homossexualidade de imperadores cruéis e devassos. Na mesma época, disseram-lhe, também, que todo homossexual estaria condenado à solidão na velhice, “vegetando sozinho e abandonado, em um quartinho sombrio de uma pensão de quinta categoria”.
Hoje, após 30 anos de homossexualidade assumida e aos 68 de idade, o antropólogo Luiz Mott acredita que esses antigos ensinamentos tinham por propósito apenas assustar os jovens tentados a “sair do armário” (assumir a homossexualidade). “Posso garantir que nada é mais falso do que aquela visão negativista do triste futuro das bichas velhas”, diz ele, com a mesma contundência que marcou sua trajetória como uma das principais lideranças do movimento LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais).
Mestre pela Universidade de Paris-Sorbonne e professor aposentado da Universidade Federal da Bahia, Mott vive uma união homoafetiva há dez anos e garante que está lidando muito bem com o envelhecimento: “O corpo está cada vez mais flácido, enferrujado, a memória faltando, o tesão diminuiu sem causar sofrimentos ou carências, mas continuo um menino sempre curioso, alegre, jovial. Passo três meses do ano viajando, curto a natureza, sem depressão ou tristeza. Fui suficientemente responsável para garantir uma aposentadoria que me permite viver de maneira confortável e independente”, afirma.
Contudo, algumas pesquisas indicam que Mott pode se sentir privilegiado em meio a uma população duplamente atingida pelo preconceito. No último Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, realizado entre 29 de abril e 3 de maio de 2014, no Pará, a psiquiatra Carmita Abdo, professora da USP (Universidade de São Paulo), divulgou dados de uma pesquisa mostrando que o preconceito e o descaso que atingem os idosos brasileiros se tornam ainda mais graves no caso dos homossexuais.
Isso implicaria, segundo a especialista, em índices mais elevados de depressão nesse grupo: enquanto a estimativa de depressão entre idosos heterossexuais (homens e mulheres) é de 13,5%, entre as lésbicas esse número sobre para 24% e, entre os gays, chega a 30%.
Outro estudo, conduzido pelo instituto de pesquisa britânico YouGov, em 2011, indica que os bissexuais e homossexuais têm três vezes mais chances de terminarem a vida sozinhos do que os heterossexuais. O motivo pode estar vinculado ao fato de que eles têm menos filhos: pouco mais de um quarto dos homens gays e bissexuais e metade das mulheres lésbicas e bissexuais têm filhos, em comparação com quase nove em cada dez homens e mulheres heterossexuais
Rede de amigos serve como suporte
Para Wladirson Cardoso, professor de antropologia social da UEPA (Universidade do Estado do Pará) e autor de um estudo sobre o tema, associar a solidão dos homossexuais apenas à ausência de filhos é restringir demais a questão. “O que é solidão, tristeza e melancolia para um heterossexual pode não se aplicar a um homossexual que, na velhice, mesmo não contando com parentes, poderá contar com o grupo de amigos que constituiu ao longo de sua vida”, diz.
Esse é o caso do escritor Ricardo Rocha Aguieiras, de 68 anos, de Manaus (AM). Ele diz que nunca foi aceito pelos familiares. “Sofri horrores com a minha família. Minha salvação foi tê-la abandonado. Na realidade, eu mesmo já havia sido abandonado desde que nasci, por não ser o macho esperado nem pelo meu pai nem pela minha mãe”. Mas a dor que carrega por conta desse afastamento não o impede de ser feliz, amado e de fazer planos para o futuro. “Tenho um parceiro que amo muito e pretendemos nos casar no mês que vem”, conta.
A psicanalista Letícia Lanz, de 62 anos, é ainda mais categórica. “Eu rejeito inteiramente essa ideia estapafúrdia de que a população LGBTT idosa está mais sujeita a depressão do que a população idosa heteronormal-cisgênera [pessoa cuja identidade de gênero está em consonância com seu sexo, ao contrário da transgênera]. O nosso grande problema, enquanto população LGBTT, é haver tanta gente não-LGBTT tentando nos descrever como ‘objeto de pesquisa científica’, e não como gente, que é o que somos”, declara.
Letícia, que adotou o gênero feminino aos 50 anos de idade, mas não é gay (tem um casamento de 38 anos, com três filhos e três netos) acredita que os maiores níveis de depressão dentro da população LGBTT possam atingir os jovens que ainda não se assumiram e que passam a vida “no armário”. “Pessoas LGBTT assumidas e resolvidas são, ao contrário, grandes amantes da vida”, afirma.
Em sua pesquisa, o professor Wladirson Cardoso identificou que, em espaços de sociabilidade gay –como bares e baladas que dão descontos especiais para homossexuais com mais de 50 anos de idade–, não é difícil encontrar pessoas que apostam em uma velhice não vitimizada e sexualizada, em que há espaço para a manutenção do bem-estar corporal e do desejo. Segundo o antropólogo, é preciso desconstruir o mito da “velhice assexuada”, que ainda domina nossa visão a respeito da terceira idade.
Um futuro melhor
Não se pode negar, porém, que os homossexuais ainda enfrentam um ambiente que lhes impõe muitos obstáculos a uma velhice tranquila e digna. “É evidente que a homofobia traz grandes conflitos internos e externos, que acabam por afastar as pessoas. No Brasil, o casamento civil igualitário é conquista muito recente e, mesmo assim, há toda uma força contrária, querendo acabar com ele. Não tem como passar incólume por tudo isso por décadas de vida”, diz Ricardo Aguieiras.
Segundo o escritor, muitos idosos e idosas LGBTT são obrigados a “voltar para o armário” quando envelhecem e precisam receber cuidados de pessoas homofóbicas. “Basta ligar para vários asilos e casas de repouso do país e perguntar se lá existe algum gay, lésbica ou travesti idoso morando. A resposta será sempre ‘não'”, afirma.
Uma pesquisa realizada pelo psicólogo Pedro Sammarco Antunes, mestre em gerontologia pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), endossa a afirmação do escritor. Na pesquisa (depois transformada em livro), intitulada “Travestis envelhecem?”, ele constatou que as travestis ficam “invisíveis” depois dos 40 anos de idade. “Elas próprias se ocultam e somem completamente”. Segundo Sammarco, é preciso haver políticas públicas que amparem a população LGBTT em processo de envelhecimento.
Foi pensando nisso que Jean Wyllys, deputado federal pelo PSOL/RJ, elaborou o Projeto de Lei 7524/2014, atualmente aguardando designação de relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
O projeto altera ligeiramente o texto do Estatuto de Idoso para garantir que as entidades que desenvolvam programas de institucionalização de longa permanência aos idosos –como as casas de repouso, por exemplo– exerçam suas funções “de modo a preservar a dignidade dessas pessoas, respeitando-as independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero”.
O psicólogo Pedro Sammarco lembra que os idosos homossexuais de hoje envelheceram em uma sociedade muito mais conservadora do que a atual e acredita que o futuro oferecerá um ambiente mais aberto e inclusivo. “Da mesma forma que o conceito de família mudou (hoje o divórcio e o segundo casamento já são aceitos com naturalidade), o futuro tende a ser melhor, trazendo leis que amparem e garantam igualdade de direitos à população homossexual”.
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Sozinhos pode ser, mas solitário não! Nesse sentido, o corretor que me comercializou o apartamento ficou para confraternização e foi “ficando”, até que me disse maroto: “ficou tarde”! A gente transando e pensei 44 anos e ele nem 40 anos tinha, mas que entrosamento! Na cadeira, a roupa dele e ele depois de conchinha comigo! E mesmo estando sem transar, atualmente, paquerado sou, mesmo depois dos 50 anos!