Um recente caso de transfobia ocorrido no Shopping Barra, em Salvador, ganhou destaque na mídia (confira notícia aqui) e reacendeu a velha discussão sobre o respeito à identidade de gênero com relação ao uso de sanitários públicos. O caso em tela envolveu uma funcionária transexual do Burger King e um grupo de pessoas que tentou, por abaixo-assinado, evitar que ela usasse banheiros femininos do shopping.
A história possui um elemento curioso e um desfecho surpreendente. O fato curioso diz respeito ao abaixo-assinado que contou com o “expressivo” número de 21 subscritores… Oi? Um abaixo-assinado com 21 assinaturas? Isso significa o que mesmo para o universo de pessoas que usam os sanitários femininos do shopping?
Já o desfecho surpreendente ficou por conta da nota exemplar emitida pela administração do shopping, que transcrevo abaixo:
“O Shopping Barra, reafirmando os princípios éticos que caracterizam seus 25 anos de existência, entende que as questões relativas à compatibilização da identidade de gênero e, de forma mais ampla, as relativas à liberdade de orientação sexual, estão intimamente relacionadas com os chamados direitos da personalidade e, portanto, com a própria dignidade da pessoa humana que é nada menos que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme preceito inscrito no art. 1º, III da Constituição da República de 1988.
Não por outra razão que, embora se reconheça que muitos temas ainda sejam objeto de amadurecimento nas necessárias discussões da sociedade civil, não pretende adotar qualquer postura que venha a negar vigência a tal preceito geral de tutela da personalidade e, por consequência, ao próprio princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.”
Também é louvável e igualmente surpreendente a iniciativa da Burger King que mantém uma transexual em seu quadro de funcionários, exemplo que, sem sombra de dúvidas, deve ser seguido por outras empresas.
Por tudo isso, decidi entregar pessoalmente uma carta à gerência da lanchonete, por meio da qual parabenizo a empresa e o shopping por suas atitudes de combate à discriminação e ao preconceito, bem como apresento meu apoio à funcionária.
O conteúdo da carta segue abaixo com apenas uma alteração, visto que, inicialmente, eu me referi a uma possível ação truculenta do serviço de segurança do shopping que, ao que tudo indica, não ocorreu.
À
GERÊNCIA DO BURGER KING
Shopping Barra
Salvador – Bahia
Em mãos
Prezadas(os) Senhoras(es),
Sou ativista social, militante do movimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) na Bahia, e parabenizo a louvável e exemplar iniciativa da Burger King em dar oportunidade de trabalho a transexuais, fato que ganhou notoriedade recente após uma de suas funcionárias ser proibida de usar o sanitário feminino nesse centro de compras.
Tal iniciativa é digna de nota por sabermos que, dentre a população LGBT, travestis e transexuais compõem os segmentos sobre os quais recai a carga mais pesada, praticamente insustentável, de discriminação e preconceito impingido por uma sociedade cuja visão estreita e deformada insiste em ignorar as potencialidades dos indivíduos que decidem romper os anacrônicos modelos heteronormativos e os condena à marginalidade.
Neste sentido, peço que esta empresa se mantenha firme em suas políticas de respeito à diversidade e não ceda a pressões reacionárias daqueles que decidiram, do mais baixo nível de sua ignorância, preparar um abaixo-assinado pedindo que a funcionária transexual seja impedida de usar banheiros femininos.
Por oportuno, registro minha satisfação em ter tido conhecimento da nota expedida pela administração do Shopping Barra em favor ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que inclui o respeito à diversidade e à liberdade de orientação sexual e identidade de gênero.
Por fim, solicito que cópia desta carta seja entregue à referida funcionária.
Atenciosamente,
Gésner Braga de Araújo Júnior