Publicado pelo site NLucon, em junho de 2015
O centro de São Paulo foi palco na tarde deste sábado (27) da exposição, indignação e repúdio aos casos de transfobia. – termo que se refere ao preconceito sofrido por travestis, mulheres transexuais, homens trans e outras transgeneridades. Em especial ao caso de Laura Vermont, travesti de 18 anos que foi assassinada por espancamento e tiro na Zona Leste de São Paulo no último dia 20.
Na Caminhada em Memória a Laura Vermont e Todas as Vítimas de Transfobia, que ocorreu na Praça da República, cerca de 300 pessoas, dentre elas familiares, amigos, militantes do movimento LGBT, questionaram a versão da polícia, se indignaram com os dados de transfobia e fizeram um minuto de silêncio aos 70 casos de assassinatos de travestis e mulheres transexuais somente em 2015.
“Isso não pode continuar sendo aceitável. Cada transexual que é assassinada é um pedaço de nós que se vai. Nós queremos prestar condolências à família de Laura, pois o sofrimento de vocês é o nosso sofrimento. Nós queremos uma sociedade que respeite o outro e, para isso, temos que ter conquistas e direitos, garantias básicas para uma vida digna e cidadã”, afirmou a professora de filosofia Luiza Coppieters, organizadora do ato.
A militante Aline Freitas, também responsável pelo ato, declarou que as mortes das travestis e mulheres transexuais são tão comuns no Brasil que muitas pessoas chegam a ver como algo banal. “Precisamos ter o direito de chorar pelas nossas vítimas. Quando foi que fizemos uma manifestação em memória de um dos nossos pares assassinados? O sentido dessa manifestação é de lembrar que nós também temos direito à sensibilidade, que as pessoas precisam se sensibilizar com nossas mortes”.
Cartazes com os dizeres: “Justiça por Laura e Por todos. Transfobia mata”, “Tire o seu preconceito do caminho, queremos passar com o nosso amor”, “Homens trans na luta contra o genocídio de pessoas trans”, “Fora Cunha, meu filho não vai ser estatística”, “Somos todos Laura Vermont, contra a Transfobia” foram expostos e atraíram a atenção das pessoas que andavam pela feira. Algumas delas até quiseram se pronunciar em repúdio às mortes.
Além da família de Laura – como a mãe Zilda Laurentino, o pai Jackson de Aráujo e a irmã Rejane Laurentino, que vistiram uma camiseta de luto – a caminhada contou com a presença do grupo Mães Pela Diversidade, o IBRAT- Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, a Família Stronger, a cartunista Laerte Coutinho, a atriz Viviany Beleboni, que foi crucificada na Parada, e as militantes Fernanda de Moraes, Amanda Palha, Midory Simbine, entre outras.
MATARAM MINHA FILHA DE TODAS AS FORMAS
O caso envolvendo a travesti Laura Vermont no último dia 20, mobilizou e comoveu a comunidade LGBT. Laura foi assassinada após ter sido agredida na rua por um grupo de pessoas ainda não identificado e, depois, ter sido alvo de nova violência ao ser abordada por dois policiais militares, que foram chamados para socorrê-la. Eles chegaram a dar um tiro em Laura e, depois, mentiram sobre a morte, forjaram uma testemunha e acusaram Laura de roubar a viatura e batê-la em um muro.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, os policiais Ailton de Jesus, de 43 anos, e Diego Clemente Mendes, de 22, foram indiciados por falso testemunho e fraude processual. Eles aguardam o julgamento em liberdade, após pagarem uma multa de um salário mínimo.
“Mataram a minha filha e, agora, enfrentamos um descaso. Nós só teremos vida por justiça”, declarou Zilda, que questionou a versão dos policiais. “Disseram que ela roubou a viatura, mas ela não sabia dirigir e nunca se mostrou interessada. Nós temos um carro na garagem. Eles tiraram a vida dela e estão na rua porque (disseram) não são considerados perigosos. Mas como não é perigoso alguém que deu um tiro no próprio sobrinho e que depois fez isso com a minha filha? Uma vida vale um salário mínimo?”.
O laudo do IML (Instituto Médico Legal) aponta que Laura morreu em consequência de traumatismo cardioencefálico e insuficiência respiratória. Um detalhe chama atenção: a trajetória do tiro no braço esquerdo dela foi de baixo para cima, o que significa que Laura estava rendida e com as mãos levantadas quando foi baleada.
O pai Jackson, bastante emocionado, afirma que mataram a sua filha de todas as maneiras. “Bateram na minha filha e a polícia, que é paga para proteger, foi lá e terminou. O médico, que era para cuidar, nem colocou a mão nela e já disse que estava morta. Estou indignado, de coração partido, dá vontade de só ficar chorando. O preconceito vem da própria autoridade. Se fizessem uma lei que criminalizasse, iria diminuir (os crimes). Mas as próprias autoridades quando vê uma mulher como a Laura já quer bater, já quer xingar. Isso não pode continuar”.
Jackson afirma que tinha um “excelente” convívio com a filha e que após o assassinato pensa em até mudar de casa para enfrentar a perda. “Vamos ao quarto dela, vemos as roupas… No começo, deu um baque (quando ela assumiu a identidade feminina), mas eu mesmo disse: ‘Você veste a roupa que você quiser’. Tanto que quando ela saía na rua, ela sempre dizia: ‘Minha família me aceita’. E, daí quando a família aceita, as pessoas de fora é que vem discriminar, se acham no direito de bater e matar?”.
POLICIAIS AINDA SÃO CONHECIDOS POR AGREDIREM O GRUPO
Embora haja sensibilização por parte de alguns policiais com a população LGBT– devido a algumas ações de ongs e associações – a violência policial sobretudo em cima de travestis é comum na história. E isso ocorre antes mesmo da Rebelião Stonewall, marco histórico para do dia 28 de junho de 1969, que trouxe a primeira reação de LGBT frente à agressão e prisão de policiais. Foram quatro dias de confronto, que originou o Dia do Orgulho LGBT.
Segundo a militante Fernanda de Moraes, a agressão às travestis e mulheres transexuais brasileiras também ocorre de policiais, principalmente na década de 80 e 90, e que o caso de Laura é mais um dentre muitos a virar estatística. “Muitas foram presas e cumpriam pena por vadiagem. Os policias sabiam até mesmo em qual parte deveriam bater para deformar os corpos moldados pelo silicone. Vi muitas morreram por causa disso”.
Fernanda diz que a principal arma contra a transfobia ainda é a educação. “Educação do corporativo policial, civil e militar, educação que aborde gênero nas escolas, educação da sociedade no respeito a essas pessoas, no tratamento social dado até mesmo pelo movimento social, que retira dia-a-dia o direito de ser travesti ou mulher transexual, substituindo por um prefixo: trans. Esquece que, para a sociedade, a pessoa morta não é uma trans, é uma travesti. E que a luta é para mostrar que travesti não é sinônimo de marginal e criminosa”.
Viviany Beleboni, que foi crucificada na Parada, relembrou o post no Facebook em que a vítima apoiou a manifestação. “Ela sabia que todas nós corremos o risco de morrer. E infelizmente ela é uma vítima”. A artista criticou o congresso brasileiro, que não criminaliza os crimes de homofobia e transfobia. “Estamos todo esse tempo tentando que estes crimes sejam criminalizados, mas eles estão mais preocupados em legalizar a cristofobia, que não existe, e disseminar o ódio”.
Por enquanto, para a família de Laura, o que resta é a saudade e a sede por justiça. “Ainda consigo escutar ela pedir: ‘Mãe, faz o meu Toddy?’. Ela tinha 18 anos, mas tinha esse contato conosco. Então, acordar e saber que ela não vai estar mais ali, por algo banal, pelo preconceito desta sociedade, é algo que machuca muito. Mas enquanto eu viver, estarei querendo justiça”.