Clara foi uma das 95 transexuais autorizadas a usar nome social no Enem.
Ela foi aprovada em pedagogia na UFPE na primeira chamada do Sisu.
Ana Carolina Moreno
Publicado pelo portal G1, em 26 de janeiro de 2015
Em novembro de 2014, a estudante recifense Maria Clara Araújo, de 18 anos, foi uma das 95 transexuais com autorização do Ministério da Educação para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) usando seu nome social. Nesta segunda-feira (26), ela foi uma de 6.562 estudantes na lista de primeira chamada para as vagas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), selecionadas pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
Primeira da família a ser aprovada na federal, Clara, que na semana que vem fará a matrícula no curso de pedagogia, recebeu a notícia durante uma viagem no Rio de Janeiro e por enquanto só conversou com a mãe por telefone, em uma ligação cheia de lágrimas dos dois lados da linha.
“Mainha está super orgulhosa. Ela estava na casa da minha tia, minha tia ligou, dizendo que ela estava chorando, super emocionada. Ela desde criança me impulsionou muito pra eu estudar”, contou a jovem ao G1, na tarde desta segunda.
“Minha mãe ouviu que eu ia acabar na Europa me prostituindo, esse tipo de coisa. Não desmerecendo a prostituição, mas eu realizei meu sonho de entrar pra academia e me tornar uma universitária. Pra ela e pra mim é um orgulho muito grande.”
Enem e reconhecimento
O Enem 2014 foi o segundo que Maria Clara fez. No ano anterior, ela foi tratada usando seu nome civil, com o qual ela não se identifica, e diz que a mudança no tratamento, apesar de não resolver o problema da exclusão das pessoas trans, ajuda no reconhecimento dela.
“É questão de reconhecimento, é uma questão de o Ministério da Educação ter a devida consciência de que existe uma escassez de pessoas trans e travestis no âmbito educacional. Embora seja uma medida paliativa, é, querendo ou não, uma forma de dizer que a universidade também pode ser nossa, e ela vai ser.”
Como uma das poucas transexuais autorizadas a usar o nome social no Enem, Clara acabou ganhando visibilidade e, por isso, apesar de ter sido tratada com o nome que escolheu e com o qual se identifica, ela acabou ficando mais ansiosa na hora da prova.
“Fiquei bem nervosa, passei mal na redação, minha pressão caiu. Saí da prova me sentindo muito fracassada, pensando que eu teria que fazer mais um ano de Enem. Saí muito mal, meus amigos ficaram pedindo calma”, lembra ela. Os amigos estavam certos, e ela acabou tirando 760 na redação e média acima de 600 nas demais provas.
“Queria ou UFPE ou UFPE”
O resultado foi a aprovação na primeira chamada do Sisu. Pedagogia foi sua segunda opção –a primeira era serviço social–, mas Clara explica que ambas as áreas a interessam e que o objetivo era estudar na UFPE. Agora, diz, ela tem a chance de fazer uma diferença para tornar a educação mais inclusiva.
“A primeira opressão que sofri foi com uma professora que disse que eu não podia brincar com certo brinquedo porque não era do meu gênero e que eu não podia ser feminina. É também questão de eu lutar para realizar um sonho de que, no futuro, eu possa fazer diferença dentro de uma educação que não seja mais opressora, que seja libertária.”
Novos obstáculos
A jovem recifense diz que tem procurado se concentrar na felicidade da aprovação para enfrentar os novos desafios, como o fato de que ainda precisará pedir à UFPE autorização para usar seu nome social nas listas de chamada e outros documentos da faculdade, já que, por enquanto, a instituição ainda não regulamentou essa política.
“É meio complicado, porque vou ter que mostrar documentos, me matricular enquanto garoto. Eu fico bem desconfortável em relação a isso, porque querendo ou não meu nome civil vai ficar exposto. Estou tentando mentalizar que é algo extremamente temporário. Tenho esperança de que ainda no primeiro semestre do curso já possa estar com Maria Clara em todos os meus documentos”, explicou ela, que, dias antes do resultado do Sisu, já havia entrado com um processo para a mudança legal de seu nome.
Mesmo assim, ela pretende falar com a coordenação do curso de pedagogia da UFPE na primeira semana de aulas, para pedir que seu nome social já seja adotado desde o início da graduação. “Não sou eu que devo me adequar ao meu nome, é o meu nome que tem que se adequar. A universidade tem que estar suficientemente preparada pra me receber, como recebe qualquer outra pessoa”, disse ela.
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