16 de outubro de 2024
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O senador Lindberg Farias e Silas Malafaia durante culto na Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) do bairro da Penha, no último domingo

Por JEAN WYLLYS

Publicado na Carta Capital, em 16 de outubro de 2013.

O senador Lindberg Farias e Silas Malafaia durante culto na Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) do bairro da Penha, no último domingo
O senador Lindberg Farias e Silas Malafaia durante culto
na Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC)
do bairro da Penha, no último domingo

Uma frase muito repetida e cuja autoria é atribuída a Confúcio – embora não se saiba ao certo se é mesmo dele – diz que “uma imagem vale mais que mil palavras”.  Ainda que existam palavras que mil imagens não consigam traduzir (“honestidade” é uma delas!),  trata-se de uma verdade válida para a maioria das imagens, inclusive para a fotografia de um culto evangélico que circula pelas redes sociais e que veio parar em minha caixa de e-mails no fim de semana.  Nesse flagrante fotográfico, o senador Lindberg Farias (PT-RJ) aparece “orando” ao lado do pastor e empresário Silas Malafaia: uma imagem que diz tanto quanto todas as palavras de O príncipe, de Maquiavel, ou Fausto, de Goethe.

Não é segredo para ninguém que o senador Lindberg Farias é pré-candidato do PT ao governo do Rio de Janeiro. E que sua pré-candidatura ameaça a aliança sempre conflituosa – sempre por se romper a qualquer interesse privado não atendido – entre seu partido e o PMDB, sigla que no momento não só governa o Rio, mas tem a vice-presidência da República, além de presidir as duas casas do Congresso Nacional.  O atual governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, mesmo sucumbindo a uma impopularidade sem precedentes, fruto de denúncias de corrupção em sua gestão, não quer a candidatura de “Lindinho” e pretende eleger seu vice, Pezão, a qualquer preço. Ameaçado pelo impacto negativo de sua pré-candidatura na aliança nacional entre PT e PMDB e sentindo que esse impacto se amplia na medida em que a parceria entre Marina Silva e Eduardo Campos emerge como a possível aposta da “grande mídia” para eleições do próximo ano, Lindberg decidiu pôr a alma à venda em busca de força para sua empreitada. Ora, se o fato de se pôr a alma à venda já suscita um debate sobre ética, imaginem quando a alma é oferecida a negociante que costuma pagar pouco e pedir mais que alma!

Todos sabem como Silas Malafaia se comportou nas eleições de 2010 em relação à então candidata do PT Dilma Rousseff. Em conluio com José Serra, candidato do PSDB, ele demonizou a petista e reduziu o debate eleitoral a uma agenda moralista – quase fascista – que obrigou os principais candidatos à presidência a se colocarem contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e contra a cidadania plena de homossexuais. Não contente, nas eleições do ano passado, Malafaia tentou derrubar o candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, com a mesma estratégia de demonização e rebaixamento (aliás, o apoio do pastor ao candidato do PSDB me levou a sair em defesa de Haddad mesmo contra a vontade de meu partido).

A militância petista teve ânsias de vômito quando viu imagens de José Serra em cultos evangélicos, acompanhado de Malafaia, proferindo expressões cristãs – “A paz do senhor, irmão” – que, em sua boca, soavam tão naturais quanto um pacote de Tang. O que essa mesma militância estará dizendo de seu senador?

A foto de Lindberg orando ao lado de Malafaia me fez lembrar das lições de Roland Barthes na memorável A câmara clara, obra que li para a disciplina Fotografia quando cursava Jornalismo nos idos anos 90. Nela, Barthes elabora dois conceitos – Studium e Punctum  – para se referir a dois modos de envolvimento com a fotografia. O studium corresponde a uma “leitura” da fotografia por meio de critérios e objetivos definidos; uma espécie de crítica intelectual da imagem a partir de um repertório cultural. Posso dizer, então, tendo em vista o studium da foto em que o senador do PT aparece “orando” ao lado do pastor fundamentalista e boquirroto, que a mesma revela um “fenômeno extremo” da contemporaneidade: o abraço eivado de cinismo entre o marketing e a política.

A expressão “fenômenos extremos” é utilizada pelo filósofo francês Jean Baudrillard, em seu excelente A transparência do mal, para se referir aos episódios da atualidade que correspondem à substituição do real por “simulacros”. A foto da conversão de Lindberg não é só um “simulacro” do real mas, antes, uma simulação descarada. Nela, o mal – a mentira, a enganação, o oportunismo, a desonestidade intelectual, a venda da alma ao diabo – é transparente a quem quer que se preste a “ler” seu studium.

Já o punctum é, segundo Barthes, algo que, na imagem, toca-nos independentemente daquilo que, nela, vemos de imediato ou buscamos. Nas palavras do autor, o punctum é “um detalhe”; “são precisamente pontos”; “pequena mancha, pequeno corte” [na fotografia]. Trata-se de uma “leitura” não-intelectualizada da imagem; intuitiva; um ponto na foto para o qual o olho se dirige quase contra a vontade; um traço notado mesmo que tudo na foto chame mais atenção que ele. Varia de acordo com o leitor. Para mim, o punctum da foto de Lindberg “orando” ao lado de Malafaia é o riso mal-disfarçado de ambos. Ambos têm consciência de que estão enganando um eleitorado que não por acaso é chamado e tratado como “rebanho” pelo seu pastor. Esforçam-se para parecerem convincentes – e tudo na foto reforça a verossimilhança da cena, inclusive o nome “Jesus” ao fundo. Mas o punctum os desmascara e revela o riso da serpente.

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/politica/a-transparencia-do-mal-355.html

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