Por Gésner Braga
Demorei algum tempo até assistir a um capítulo da novela “Amor à Vida”, de Walcyr Carrasco, exibida pela Globo e encerrada ontem. Não tenho costume de assistir a novelas, mas foram tantos comentários ao desempenho de Mateus Solano que resolvi conferir. Porém, meu primeiro contato e minha primeira impressão com a obra não poderiam ter sido piores. Lembro-me que foi na ocasião em que Felix tentou matar Atílio e tudo deu errado. Toda trama daquele capítulo me pareceu tão inverossímil e absurda que fiquei desmotivado a repetir a experiência.
Naquela ocasião, postei um comentário no meu perfil do Facebook e a história rendeu. Alguns amigos julgaram que eu estava sendo rigoroso demais. Alegaram que novelas são feitas para entreter, não são um convite à reflexão o tempo todo e não têm um compromisso com realidade. São, sobretudo, obras de ficção onde tudo pode acontecer, inclusive o improvável, o impossível. Ok, concordo e exatamente por isso deixei de assistir a novelas há muito tempo. Elas costumam ser uma afronta à minha inteligência. E olhe que eu me julgo apenas mediano.
Porém, neste mundinho tão global e interativo, é uma tarefa inglória tentar me manter imune ao bombardeio de informações a respeito dos assuntos mais comentados do dia. Foi assim, acidentalmente, que fui seguindo o desenrolar da novela, dessa teia de histórias absurdas que faziam esgotar minha dose de paciência, que já é baixa. E também nesse compasso sempre acidental, acabei por acompanhar a construção de uma história que passou a me interessar deveras e atiçar o meu espírito da ativista social que quer tornar visíveis questões caras à diversidade.
Ali estava Felix, a bicha má de “Amor à Vida”. As primeiras notícias da sua vilania, antes mesmo de a novela estrear, despertaram a desconfiança e a ira de alguns que viram nele um risco de validação da homofobia, traço marcante da nossa cultura machista. Todos sabemos o quanto vilões são instrumentos sedutores e conhecemos sua capacidade em conquistar audiência. Havia aí um indício dos planos de Walcyr? Talvez.
Aos poucos – ou mesmo muito rapidamente – fomos nos dando conta de uma certa coerência no delineamento do perfil psicológico do nosso vilão gay. Não era um vilão por acaso, não era uma perversidade inata (apesar de que sabemos que nunca é). A maldade de Felix nasceu da homofobia declarada de um pai que não media esforços em demonstrar toda sua rejeição, seu desprezo, sua indiferença, seu ódio ao filho. Boa construção!
Então veio a reviravolta. A homossexualidade reprimida de Felix foi exposta, mas ele recebeu o apoio incondicional da família, exceto do pai. Os diálogos com a avó, a mãe, a irmã e o filho são discursos de respeito à diversidade dignos de nota. Mas era cedo para a redenção do nosso vilão e ele precisava sofrer bem mais. Ele conheceu a ruína completa, o fundo mais claustrofóbico do poço, etapa necessária à expurgação que faria nascer o herói. E então? Onde foi parar aquela desconfiança de alguns a que me referi? Teria eu ouvido um suspiro de alívio?
Em paralelo, o autor nos apresentou Niko, um personagem nascido de uma história secundária que, com o talento do ator de Thiago Fragoso, ganha status de protagonista. E justo quem? Um homem feminino, delicado, cheio de trejeitos que o fariam, outrora, compor o núcleo de comédia de uma novela. Mas, não, outro destino lhe estava reservado e ele se tornou o lindo “carneirinho”, o namoradinho gay do Brasil. Quem diria!
Assim, a sagacidade de Walcyr Carrasco fez surgir uma admirável história de amor entre dois homens. Uma história tão romântica, angelical e irretocável que fez o país inteiro torcer por um final feliz. Um final feliz entre dois homens… Fez também a audiência enxergar com olhos de aceitação a convivência salutar daqueles rapazes com duas crianças, uma delas adotada. E muito mais que isso, fez o público torcer por um beijo gay, algo impensável há poucas semanas.
Há quem diga que o beijo foi insosso, mas eu discordo. Foi um beijo na medida certa, doce, tão doce quanto aquela família ideal, quanto aquele casal perfeito formado por Felix e Niko, quanto aquele amor meticulosamente construído para conquistar os corações mais duros. Agora imaginem tudo isso acontecendo entre um casal inter-racial, como aquele que protagonizou o primeiro beijo gay da tevê brasileira, na série “Mãe de Santo”, da rede Manchete, em 1990. Nossa, isso seria divino! Naquela ocasião, um dos personagens foi interpretado por um baiano, meu amigo Rai Alves.
E como se não bastasse, Walcyr Carrasco coroa com êxito o final da sua história ao declarar a superação das diferenças entre pai e filho, fruto do amor incondicional maior que tudo. Ah, ele ainda apontou para a possibilidade da relação entre um homem e uma transexual, tudo isso em pleno horário nobre da tevê. Definitivamente, ele é um gênio. E contrariando o que foi dito nos primeiros parágrafos deste artigo, “Amor à Vida” nos levou sim à reflexão, a uma reflexão profunda sobre o que é diversidade. Um serviço primoroso à sociedade que o autor nos presta.
Parabéns, Walcyr!
Parabéns querido Gésner! Seu texto é um brinde à inteligência e à sensibilidade.
Não preciso acrescentar mais nada. Tão eloquente!
Perfeito!
Obrigado pela reflexão sobre uma cena de novela que, na medida certa, convida a repensarmos a qualidade de nossos relacionamentos e valorização da diversidade, do diferente . . .
Viva à vida – afinal kiss is just kiss. Beijos é somente um beijo não existem beijo Hetero ou beijo gay. Existe carinho e afeto – Vamos fazer amor e não à guerra.
Meus amigos, Minhas Amigas e não tão amigos (as) também. ( desculpe o desabafo sob efeito de uma caipirinha para comemorar … afinal ninguém é de ferro}
Se beijo de novela da Rede Globo influenciasse, hoje eu seria hétero. Sério… uma confissão.
Muita torcida na internet, havia uma torcida grande para que o beijo acontecesse. Na lista dos dez assuntos mais comentados no Twitter no Brasil estava a hashtag BeijaFélixeNiko, que chegou a ficar em primeiro lugar.
Sou gente … sou cidadão … sou chorão e me emocionei .. babado fortíssimo… Acho que salguei a santa ceia como diria o Félix. Quebrou o tabu … Rede Globo Parabéns – Ninguém tão ruim que não possa ser elogiada e nem tão boa que não possa ser criticada.
O dito Beijo saiu. Se foi técnico ou não técnico o babado aconteceu. Este beijo sempre esteve na sociedade …. nas boates, nos bares, nos escurinhos do cinema e em outros lugares que prefiro não comentar….
Que beijo lindo. Que linda cena Como diria um amigo meu intelectual …. uma Cena “antológica”.
Um pequeno gesto para o autor Walcyr, para os atores Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) e diretores (as) da Rede Globo porém uma grande evolução para sociedade brasileira .. . foram muitos grupos focais, muitas pesquisas. E afinal aprovação de 68% da população…. Acompanhei tudo de perto.
De um gay que luta há 29 anos para se ver na TV, nos comerciais e nas revistas.
Agora teve o beijo.
Meus amigos héteros não se preocupem vocês continuarão sendo héteros…. ou não.
Não haverá terremoto e nem tsunami no Brasil como previram alguns fundamentalistas.
Amei chorei….
Parabéns pelo “lobby Gay”. .. Tem ? Vão dizer os fundamentalistas de plantão. Inclusive aquele que derrotamos nos tribunais…. STF STJ e TJs do nosso Brasil.
Agora só falta aprovar a criminalização da “Homofobia” no Código Penal – PLS 236/2012
É com vossa excelência Senador Pedro Taques PDT/MT…. E seus e suas excelências ….está nas suas mãos entrar para história ou não,
Presidenta Dilma Roussef se a senhora quiser a senhora aprova a criminalização da homofobia no código penal. Dá uma força … entra para história como fez o querido Presidente Lula … criando o programa Brasil sem Homofobia. Eu já voto em vc pelo conjunto da obra. Porém se aprovar ficar mais fácil fazer campanha. Aprove a criminalização homofobia no código penal … afinal a senhora tem 73,53% de apoio no congresso nacional ( com as devidas vulnerabilidades da base) e a maioria da oposição nos apoia. Só ficará 13% gritando que estamos legalizando Sodoma e Gomorra … deixa eles. Afinal acreditar em pessoas de um livro só …. não é conveniente para estadistas.
Ajude e colabore para sermos mais felizes. Armário não é bom para ninguém. Cria traças. E com este calor dos trópicos nem pensar.
A sociedade já aprovou. Só os fundamentalistas que ficarão de fora.
Que venham muitos beijos – afinal kiss is just kiss. Beijo é somente um beijo não existem beijo hétero ou beijo gay. Existe beijo. Existe carinho e afeto.
Faça amor não faça guerra. Viva à felicidade. ” Viva à vida”
“Vamos ser felizes mesmo que não haja permissão”.
Um beijão para todos e todas. Principalmente aqueles que nos ajudaram
Beijem, muito.
“Eu beijo homem …..eu beijo mulher …. eu beijo quem eu quiser”
Será o nosso grito de guerra.
Afinal beijar outro ser humano não é nojento…. nojento é matar e prejudicar o outro. Que bom se todos os males da sociedade fossem beijos.
Respeito sempre … aceitação se possível.
Pelas famílias de todas as cores e de todos os amores.
Agora é só falta Brasil ganhar a copa do Uruguai no Maracanã.
Toni Reis
Secretário de Educação da ABGLT
parabens pelo texto e obrigado pela referencia ao meu nome e acho que mais ações como esta deve existir neste país ainda homófobico,racista e ainda classista .
Qualquer açao libertaria que leve a reflexao de nosso atos é importante pois nao podemos criar uma nova geraçao com estes vicios.
rai alves – ator – diretor e jornalista.
Texto muito interessante, Gésner. Concordo com o impacto do beijo, e especialmente considerando a necessidade de levar um tema ainda tão transgressor para a sala do brasileiro!
Gostei muito do seu texto, de agradabilíssima leitura.
Infelizmente, tenho opinião diversa, quando observo a questão racial.
O autor em questão, trouxe para a novela apenas três negros, uma médica (que pouco teve espaço), uma enfermeira portadora de HIV, em um capítulo, numa cena de roubo o ladrão era negro.
Será que isso é respeito à Diversidade ???
Exatamente por isso, cito no texto que casais inter-raciais seriam uma situação ainda mais ideal.
Prezado Gésner, sou mais inclinado a pensar assim, sobre toda essa questão.
Emocionante texto de @Wilson Honório da Silva sobre o beijo gay veiculado no último capítulo da novela da Globo
“Viver na Frei Caneca tem suas deliciosas bizarrices. Pela primeira vez, ouvi gritos entusiasmados de “torcida” ecoando dos apartamentos ao meu redor não relacionados a um jogo. Evidentemente, foi a reação a uma das cenas “mais esperadas” da história da comunicação de massas no Brasil: o dia em que a Rede Globo se rendeu à realidade e decidiu colocar em cena um (singelo e pudico, vale lembrar) beijo gay em seu horário nobre.
Que a Globo tenha se movido pela mesma lógica de sempre: o olho no mercado e a luta para se manter como principal e mais lucrativa emissora do país, é inegável. Como também, não dá pra esquecer que esta é (e sempre será) uma emissora que, como todas, “é habitada pelo poder do Capital”, sintonizada com tudo contra o que lutamos cotidianamente (inclusive na propagação da homofobia, do racismo e do machismo), desde seu surgimento, nos anos 1960, sob o patrocínio da ditadura. E mais: o beijo com décadas de atraso em relação ao mundo em que vivemos.
Contudo, não podemos menosprezar a realidade do lado de cá da tela. Aliás, é a que mais interessa nesta história toda. O beijo, é, sim, uma vitória de todos e todas que lutam contra a opressão. São estes os verdadeiros protagonistas desta cena. Foram os LGBT’s de verdade que fizeram com que a emissora do nada saudoso Roberto Marinho tenha se rendido, “reconhecendo” o espaço que os LGBT estão conquistando, com muita luta, nas ruas.
O beijo de Félix (cuja quase beatificação no processo da novela é um capítulo à parte) e Niko não foi um “presente” da Globo para a comunidade LGBT, nem pode ser visto como um “atestado” antihomofóbico. Pelo contrário. É um beijo que reflete anos de luta.
E merece, sim, ser saudado aos gritos aqui na vizinhança e, com certeza, em todos os cantos do país não como uma demonstração de apreço à Globo. Não. Se é verdade que os atores (que nunca esconderam sua simpatia em viver a cena e a fizeram muito bem) podem ser parabenizados, nossas homenagens, hoje, devem se voltar aos milhões de anônimos que seja na luta direta, seja simplesmente resistindo ao preconceito e à discriminação transformaram o “beijo gay” em uma “realidade” que nem mesmo a Globo poderia continuar omitindo.
Já disse pra muita gente que, como sou “antigo”, ainda me emociono quando vejo um casal LGBT andando de mãos dadas ou demonstrando carinho nas ruas (da mesma forma quando negros e negras expressarem alegremente sua negritude, do cabelos à atitude, ou uma mulher tomando os rumos de sua vida). Muitos de nós, lutamos praticamente a vida inteira pra ver algo assim. Tão normal, tão simples, tão humano. Mas, tão difícil pra quem não se enquadra nos “padrões”.
Por isso, ao ver Mateus Solano e Thiago Fragoso em cena, há pouco, o que meu veio à mente foram os tantos e tantos que, na vida real, construíram o caminho até uma cena que, na verdade, deveria já deveria ter ido ao ar há muito tempo e ser tratada simplesmente como uma “coisa do mundo”. Lembrei-me daqueles e daquelas que, com coragem, enfrentaram e enfrentam o mundo para poder existir e amar. Lembrei-me dos que foram mortos, como Edson Neres, simplesmente por terem feito isto.
Lembrei-me dos que foram expulsos de casa por terem sido “pegos” no ato ou sofreram punições inomináveis, de Oscar Wilde aos que vestiam o “triângulo rosa” nos campos nazistas. Lembrei-me dos que nunca puderam sequer se atrever a beijar alguém, sucumbindo à opressão, vivendo sufocados em seus armários.
E, principalmente, lembre-me daqueles que dedicaram suas vidas para que as coisas mudassem. De Magnus Hirschfeld a Milk, do “Gay Liberation Front” ao SOMOS e de tantos e tantas outras que vieram antes e depois deles.
Esse foi um beijo que não nasceu dos “planos” da Globo. Não. Ele brotou dos espaços que conquistamos com ousados e irreverentes beijaços; ele estalou primeiro nas ruas tomadas por Paradas e protestos. E por isso mesmo ele tem “importância histórica”. Ele simboliza, em um campo pra lá de complicado como é o da comunicação de massas, uma vitória daqueles que nunca tiveram medo ou vergonha; daqueles que nunca se deixaram abater pelo preconceito e a discriminação (as mesmas que Globo, durante décadas, contribuiu pra enculcar na cabeça das pessoas — e, não se iludam, continuará fazendo).
E, claro, foi um beijo com um “gostinho” todo especial. Teve sabor de “Fora Feliciano” e todos os homofóbicos de plantão. E, por isso mesmo, pra encerrar, já que estamos no campo da “ficção”, espero que o beijo tenha um efeito parecido com aqueles dos “contos de fadas”: que ajude a “despertar” os adormecidos e silenciados pela homofobia. Que fortaleça aqueles que, em suas casas, se sentem sozinhos, “anormais”, infelizes e, muitas vezes, desesperados.
A página do “primeiro beijo gay da Globo” está virada, mas sabemos que temos muito mais pelo que lutar. Até o dia em que, inclusive, não seja necessário festejar um simples beijo como final de campeonato. Mas, simplesmente, como expressão da vida.
Um beijo.”
Ok, apenas acho que esse texto não apresenta uma ideia oposta e sim complementar. Eu, por exemplo, não consigo pensar diferente do texto que você apresentou, sobretudo porque sou ativista social.
Excelente a análise feita por Wilson Tenorio.