28 de março de 2024

A imagem mostra prisioneiros gays nos campos de concentração nazista da Alemanha

Rafael Barifouse
Publicado pelo portal BBC Brasil, em 8 outubro 2017

Nos campos de concentração, gays eram discriminados pelos próprios presos e recebiam as piores tarefas (Foto: Divulgação)

A Alemanha está finalmente terminando de fazer as pazes com uma parte sombria de seu passado. Seu Parlamento aprovou neste ano (2017) o perdão a dezenas de milhares de homens homossexuais presos por conta de uma lei que permitiu aos nazistas fazer uma caçada aos gays no país – e que permaneceu em vigor décadas após a queda do Terceiro Reich.

“O nazistas queriam expurgar o país da homossexualidade”, diz Ken Setterington, autor de Marcados pelo Triângulo Rosa (Melhoramentos), obra recém-lançada no Brasil que trata da opressão vivida por gays no regime de Hitler. “Gays eram vistos como um atraso, porque não reproduziam e, se fizessem isso, acreditava-se que podiam gerar bebês gays. Isso não condizia com o ideal ariano.”

O título do livro faz referência ao símbolo usado nos uniformes para identificar homossexuais em campos de concentração. Esse capítulo do Holocausto permaneceu oculto por muitos anos e veio à tona com a publicação dos primeiros relatos de vítimas em meados dos anos 1970. Mas está caindo no esquecimento para as novas gerações, diz Setterington.

Trabalhando em uma biblioteca pública em Toronto, no Canadá, o escritor, que é gay, notou nas conversas que tinha com jovens que quase nenhum deles sabia o significado do triângulo rosa. Usado nos primeiros protestos LGBT, o símbolo perdeu aos poucos espaço para a bandeira do arco-íris. “A bandeira representa a diversidade e é mais inclusiva. É bom que seja popular, mas precisamos nos lembrar de quem foi assassinado por sua homossexualidade”, diz Setterington.

Ele diz ter escrito o livro porque essa é “uma parte da história gay que está se perdendo” e para que o público mais jovem “aprenda com o passado para seguir em frente e impedir que se repita”. “Veja o que acontece hoje… Tenho o privilégio de ser do Canadá, mas há locais onde homossexuais ainda são presos e executados. É assustador. A perseguição nunca acabou.”

Parágrafo 175

Perseguição a gays por nazistas só veio à tona em meados dos anos 1970 (Foto: Divulgação)

Na Alemanha, estima-se que 50 mil homens homossexuais alemães tenham sido condenados entre 1949 e 1969, dos quais 5 mil ainda estariam vivos. O perdão concedido a esse grupo conclui um processo iniciado no início da década passada com outros 42 mil presos que tiveram suas condenações pelo regime fascista anuladas.

O parágrafo 175 fazia parte do Código Penal alemão desde 1871 – e só foi eliminado por completo em 1994. A legislação criminalizava atos homossexuais, mas era raramente aplicada. Foi após Hitler assumir o comando da Alemanha que seu texto passou a vetar, partir de 1935, qualquer tipo de “ato lascivo” entre pessoas do mesmo sexo, e a pena passou a ser de dez anos de trabalho forçado.

Isso transformou radicalmente Berlim, que era até então uma cidade onde gays e lésbicas podiam levar uma vida relativamente normal. Bares e boates frequentados por esse público foram fechados, e homens homossexuais tornaram-se um alvo. “As prisões começaram devagar e tiveram seu auge entre 1937 e 1939. Logo ficou claro que eles não seriam libertados, mas mandados para os campos”, diz. “Já os gays dos países invadidos não eram presos. Os nazistas acreditavam que mantendo eles lá estavam ajudando a destruir essas sociedades por dentro.”

Tratamento cruel

Historiadores não têm pistas de o que levou à escolha do triângulo rosa para identificar homossexuais – principalmente homens, pois lésbicas não sofreram o mesmo grau de perseguição do regime nazista e, quando eram presas, eram normalmente como antissociais, um tipo de detento identificado por um triângulo negro.

Uma vez nos campos, gays recebiam um tratamento cruel. Cabiam a eles os piores trabalhos, diz o escritor canadense. Eram mantidos em barracões separados e discriminados pelos outros prisioneiros. “A única forma de aliviar essa situação brutal era conseguir a proteção de um kapo, um prisioneiro que recebia dos guardas algum tipo de autoridade sobre os outros. Em troca de favores sexuais, podiam fazer trabalhos mais leves ou conseguir comida extra”, relata Setterington.

“Mas isso não significava que eles tinham um relacionamento. O amor era impossível nos campos. Nem servia de garantia alguma. Um triângulo rosa era ser facilmente substituído por outro mais jovem ou mais atraente”.

Aos alemães gays, era oferecida uma chance de liberdade: se aceitassem a castração, podiam deixar os campos – diretamente para o front, onde serviam de “bucha de canhão” para o exército alemão.

“A libertação não chegou para eles”

Nem o fim da guerra acabou com o sofrimento desses prisioneiros. Sob a lei alemã, eles haviam cometido um crime e, caso sua pena não tivesse acabado, saíam dos campos de concentração para ir parar direto atrás das grades. “A libertação chegou para os outros, mas não para eles. Eles ainda se mantiveram em silêncio por anos, porque não podiam admitir que eram homossexuais e só fizeram isso quando eram mais velhos e não tinham nada a perder.”

Setterington diz que o perdão do Estado alemão, concedido à absoluta maioria deles de forma póstuma, demorou muito tempo e “não apaga a história”, mas ainda assim é importante para reafirmar que os nazistas estavam errados. “Hoje, a tolerância é maior, mas a Alemanha nazista prova que as coisas podem mudar da noite para o dia, como o presidente dos Estados Unidos (Donald Trump) acaba de fazer ao vetar novamente transexuais nas Forças Armadas”, afirma o autor. “O ódio e o medo do diferente persistem. Temos de estar sempre vigilantes.”

Escritor diz que o desconhecimento de jovens sobre esse capítulo do Holocausto o levou a fazer o livro (Foto: Divulgação)

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