20 de abril de 2024

Leandro Colling*

Publicado no blog Cultura e Sexualidade, do portal iBahia, em 10 de julho de 2014

votacaoInstigado por um texto inicial do ativista Vinícius Alves, resolvi acessar o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para verificar quais são as propostas dos/as presidenciáveis para combater a homo-lesbo-transfobia no Brasil. O resultado da leitura dos planos de governo é desanimador, ou melhor, é de chorar! Até os partidos tidos como mais “radicais” estão propondo muito, muito pouco.

Qualquer um pode fazer o mesmo levantamento, basta clicar aqui. Os planos de governo apresentados são versões iniciais que podem ser modificadas, mas já nos dão uma pista sobre o que veremos pela frente, independente de quem ganhar a eleição. Mas por que estamos nesse quadro tão complicado em relação às políticas sexuais em nosso país? Vou apontar algumas possíveis respostas após relatar o que cada presidenciável está propondo.

No plano da presidenta Dilma que está no site do TSE apenas consta o seguinte em relação às pessoas LGBT: “Ainda no elenco de desafios institucionais, a luta pelos direitos humanos se mantém, sempre, como prioridade, até que não existam mais brasileiros tratados de forma vil ou degradante, ou discriminados por raça, cor, credo, sexo ou opção sexual.”. Sim, você leu “opção sexual”, que neste momento nos remete não a uma plena liberdade de escolha, mas exatamente àquela fatídica frase pronunciada por ela quando da suspensão do chamado “kit anti-homofobia”, material didático que seria distribuído nas escolas do Brasil dentro do Programa Escola Sem Homofobia.

Naquela época, Dilma disse que seu governo não faria “propaganda de opções sexuais”, o que na verdade ela nem cumpre, pois os materiais didáticos em uso fazem propaganda da heterossexualidade desde que existem. Em uma nova versão disponível no site da própria candidatura de Dilma, a palavra “opção” já foi substituída por “orientação” e também foi incluída a identidade de gênero (veja aqui), mas no plano dela esse não é o único problema, pois não há nenhuma proposta concreta para além da frase genérica, o que já foi denunciado pelo próprio Setorial Nacional LGBT do PT, que cobra uma série de compromissos da candidatura (veja a nota completa aqui).

O plano de Aécio Neves, candidato do PSDB, atualmente segundo colocado nas intenções de voto, é o que mais trata sobre questões LGBT, e seu texto parece ter sido inspirado no Programa Brasil Sem Homofobia, criado no primeiro governo de Lula, do PT. O PSDB, ao estar no comando do país, como sabemos, não realizou nada do que agora propõe. Mas ainda que fale mais do combate à homofobia e de questões LGBT, sempre junto de outros marcadores sociais de diferenças, não firma nenhum compromisso explícito, como um programa de respeito às diferenças sexuais e de gênero nas escolas, o que faz, de alguma maneira, o candidato do PSB.

Eduardo Campos incluiu um parágrafo no item educação que aponta para o fato de que a Educação Básica deve ser realizada pensando na respeito à diversidade brasileira, considerando as pessoas LGBT. Afora isso, coisas genéricas como promover políticas que combatam às várias discriminações, de gênero e orientação sexual inclusas. Em outro parágrafo, o plano fala em “opções sexuais”, o que mostra também o nível de cuidado em que tal plano foi feito, sem sequer uma boa revisão e/ou sintonia com a mais recente produção acadêmica sobre o tema. E é bom lembrar, estamos falando de planos para o Brasil! Campos, que tem como vice Marina Silva, conhecida por suas posições contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, também não se compromete com nenhuma agenda específica defendida há anos pelo movimento LGBT do país.

Luciana Genro, do PSOL, partido que mais tem defendido as pautas LGBT, também é tímida em seu plano de governo. Diz apenas que o combate à homofobia será um tema importante em seu governo e que “ataques homofóbicos têm sido cada vez mais frequentes e a luta por direitos, como o casamento civil igualitário, ganha força principalmente junto à juventude.” Ou seja, para o partido que defende o socialismo e a liberdade, a única ação explícita a ser citada é o casamento, a instituição heteronormativa por excelência (sobre minha posição sobre o tema, leia aqui). No entanto, é o único programa que abertamente defende a legalização do aborto e que se compromete a lutar contra os retrocessos conservadores no país.

Nos outros dois partidos mais à esquerda, o quadro é igualmente desolador. No plano de Zé Maria, do PSTU, não há menção a LGBT, sexualidade, homofobia, gênero. No de Mauro Iasi, do PCB, há um parágrafo que constata que as discriminações aumentam no mundo e no Brasil e por fim arremata: “contra o racismo, o machismo, a homofobia, a xenofobia e todas as formas de preconceito”. E como fazer isso? Por lá não saberemos quais serão as linhas condutoras.

Eduardo Jorge, do PV, diz que o partido apoia o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adoção de crianças por casais do mesmo sexo e defende a criminalização da homofobia. Eis as três pautas prioritárias de movimento LGBT de quase 40 anos, que já realizou com o governo duas conferências nacionais(!?)

Nada, nenhuma linha, em nenhum dos planos, sobre os constantes assassinatos registrados em nosso país, em especial em relação às travestis. Isso diz muito sobre o estado em que estamos.

Por fim, para completar o circo de horrores, Pastor Everaldo, do Partido Social Cristão, como era de se esperar do partido ao qual faz parte o deputado Feliciano, prega o “fim do uso do aparelho estatal para a promoção de atos que não coadunam com a tradição da sociedade brasileira” e o “combate à prática do aborto”. Eymael, do Partido Social Democrata Cristão, não fala em LGBT, mas em “resgate dos valores éticos da família, objetivo da Social Democracia Cristã”. Levy Fidelix, do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro, não faz menção a LGBT, sexualidade, homofobia, gênero.

RAZÕES DESTE QUADRO

E por que estamos nesse quadro tão complicado? Tenho pensado sobre isso há anos e já escrevi textos sobre o tema aqui no blog (veja aqui e aqui) e também artigos acadêmicos, a exemplo do que pode ser acessado aqui. Além disso, estou, desde setembro de 2013, realizando minha pesquisa de campo sobre o movimento LGBT de Portugal, Argentina, Chile, Equador e Espanha. É preciso muito fôlego, tempo e espaço para responder a questão, mas vou aqui apontar apenas algumas questões que não devem ser esquecidas por quem deseja enfrentá-la:

– o desenvolvimento de políticas sexuais (nas quais incluo direitos sexuais, reprodutivos e de gênero) está paralisado ou em retrocesso em vários países, não apenas no Brasil. Dos países que estou pesquisando, apenas o Chile vive um clima de mais otimismo com o novo mandato de Michele Bachelet e as duas pautas prioritárias são o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a aprovação de uma lei de identidade de gênero. Se pensarmos em outros países, como a França e vários outros países europeus, por exemplo, veremos que estamos assistindo uma manutenção e/ou reforço/retorno de concepções muito conservadoras sobre questões de sexualidade e gênero. O Brasil não está e nunca esteve imune a isso. Na história dos países que estou a pesquisar, no entanto, quando avanços legais foram conquistados pelas pessoas LGBT, essas mesmas resistências conservadoras se articularam, mas os governos, partidos e ativistas foram hábeis o suficiente para desenvolver estratégias para vencer os fundamentalistas. Já no Brasil, o que temos visto, nos últimos anos, é o governo federal praticamente refém destas forças conservadoras, em especial as de cunho religioso pentecostal.

Os constantes retrocessos, dos quais o Escola sem Homofobia é apenas um deles, a eleição de Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos, etc e etc, criaram um cenário favorável para a volta de discursos e práticas ultra-conservadoras em várias áreas, que impactam, pelo que vimos nos planos de governo ora apresentados, inclusive em partidos tidos como mais progressistas em relação às sexualidades. Ou seja, até os partidos que combatem essas forças conservadoras foram tímidos e generalistas em suas propostas para a população LGBT;

– os planos de governo também revelam a pouca sintonia dos partidos com o movimento social LGBT (setores dos seus partidos inclusive, como é o caso do PT), que já possui uma longa história e um acúmulo de discussões sobre as suas prioridades, que em muito ultrapassam o casamento ou criminalização da homofobia (aliás, existem propostas distintas em relação ao último tema, pois sequer há uma unanimidade entre a militância). Falo, por exemplo, do projeto de lei de identidade de gênero, já apresentado por Jean Wyllys (PSOL) e Érica Kokay (PT), ou do projeto para regulamentar a prostituição, também de Jean. Apesar de terem apresentado essas propostas, a articulação de forças para a aprovação dessas leis não foi um tema incorporado aos planos dos partidos. Isso sem contar em políticas para educação, cultura e comunicação para a diversidade, saúde integral às pessoas LGBT etc e tal. Praticamente nada disso está em qualquer programa;

– por outro lado, esses planos, em especial se eles permanecerem como estão, revelam novamente a necessidade dos movimentos sociais LGBT repensarem a forma como vêm atuando. Sabemos que a ampla maioria do movimento institucionalizado é ligada, de alguma forma, ao PT, mas sequer isso tem a capacidade de impactar no plano de governo do seu partido. O que está faltando? Uma postura mais crítica e independente? Penso que sim, sem dúvida.

Além disso, fazemos parte de um movimento que realiza paradas cada vez maiores (nossa máxima expressão!) e mais tragadas por uma lógica de mercado, e que ainda é incapaz de costurar alianças fortes com outros grupos subalternizados (negrxs, religiões de matriz africana, mulheres, por exemplo). Boa parte de movimento LGBT ainda é sequer feminista, aliás, em muitas vezes, é anti-feminista, mesmo tendo pautas iguais, como o direito ao corpo, por exemplo. Como sabemos, parte desta falta de interseccionalidade também é gerada pelos outros movimentos, basta ver a tensão entre transfeminismo e feminino agora em voga no Brasil

Outra autocrítica que devemos fazer é desde universidade, que ainda fica fechada em seus muros e não consegue estabelecer estratégias para que as pessoas em geral, o movimento e os partidos compreendam as dinâmicas da sexualidade. Boa parte da sociedade e ativistas, por exemplo, ainda explica a sexualidade pela lógica da naturalização, normalização ou doença, o que é, como disse em minha fala no último congresso da ABEH, realizado na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), um fracasso de nossa parte.

Se não enfrentarmos essas e outras questões, infelizmente passaremos mais quatro anos contabilizando violências contra as pessoas LGBT, mortes inclusive. Só em 2012 foram notificadas 9 mil violações de direitos humanos pelo Disque 100, criado pelo próprio Governo Federal dirigido pelo PT! Quantas mais serão precisas?

Triste, isso é muito triste, mas termino com a esperança de que nossa pressão ainda possa mudar os planos de governo. A reação do setorial LGBT do PT foi um passo, mas falta muito.

Leia os planos de governo disponíveis no site do TSE.

Dilma – PT

Aécio Neves – PSDB

Eduardo Campos – PSB

Luciana Genro – PSOL

Zé Maria – PSTU

Mauro Iasi – PCB

Eduardo Jorge – PV

Pastor Everaldo – Partido Social Cristão

Eymael – Partido Social Democrata Cristão

Levy Fidelix – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro

* Leandro Colling nasceu em uma minúscula cidade do interior do Rio Grande do Sul (São Martinho), se formou em Jornalismo na Unisinos e depois veio para Salvador para fazer mestrado e doutorado na Faculdade de Comunicação da UFBA. Nunca mais voltou. É professor adjunto da UFBA, coordenador do grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS), ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura, ex-integrante do Conselho Nacional LGBT e é Conselheiro Estadual de Cultura da Bahia.

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