10 de dezembro de 2024
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Maria passou por seis penitenciárias e diz que abusos se repetiam (Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia)

Relatório da Defensoria Pública traz à tona crimes e violações de direitos de todos os tipos cometidos dentro das celas

Constança Rezende
Publicado pelo portal O Dia, em 14 de abril de 2015

Maria passou por seis penitenciárias e diz que abusos se repetiam (Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia)
Maria passou por seis penitenciárias
e diz que abusos se repetiam
(Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia)

Rio – Se a vida dos transexuais e travestis já é difícil do lado de fora, dentro das celas do sistema penitenciário do Rio é um verdadeiro calvário. Alvos de todos os tipos de abusos, elas não têm sua identidade reconhecida pelos agentes e são tratadas com agressões e violações de direitos.

Esta foi a constatação do relatório inédito feito pelo Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos da Defensoria Pública, que ouviu 50 pessoas nos presídios Evaristo de Moraes, Esmeraldino Bandeira, Instituto Penal Plácido Sá Carvalho e Alfredo Tranjan (Bangu 2), entre fevereiro e março deste ano.

A coordenadora do núcleo, defensora Lívia Cásseres, relata que uma transexual entrevistada ficou três meses sem tomar banho de sol porque se recusava a ficar sem camisa. Outra disse que foi torturada por policiais.

“Ela conta que pediu auxílio aos agentes para ir ao hospital e, quando viram que era transexual, bateram muito nela. Então, a dor que ela tinha ficou pior ainda”, relatou.

Entre os problemas relatados, as transexuais têm seus cabelos raspados à máquina pelos agentes, são obrigadas a tomar banho de sol sem camisa — mesmo que muitas delas tenham próteses de silicone. Além disso, são forçadas a ficarem nuas nas revistas íntimas na frente de outros presos.

Os agentes também proíbem a entrada de hormônios (o que faz com que desenvolvam barba) e de produtos femininos, como maquiagem e esmaltes. As presas também são chamadas por seus nomes de batismo, masculinos, o que contraria a lei.

A transexual e ex-presidiária Maria Silva (nome fictício), que hoje é assessora parlamentar, ainda sofre com os traumas adquiridos pelas violações que sofreu nas prisões (ela esteve em seis unidades). Segundo Maria, a cada vez que era transferida, passava por um ‘corredor polonês’, para ser agredida pelos agentes.

“As trans eram as que mais apanhavam. Eles me derrubavam no chão e me chutavam. À noite, me colocavam em outra cela ‘para fazer a diversão dos presos’. A sorte era que os presos me respeitavam e não faziam nada. Os agentes são homofóbicos”, afirma.

De acordo com Maria, as transexuais tinham que se virar dentro das prisões para manter a sua identidade.

“Não dá para ser trans na prisão. Não podemos ter o mínimo de feminilidade. Para não entrar em depressão, usávamos lápis de cor como batom. Quando conseguíamos uma pinça, era uma felicidade”, lembra Maria, que ficou presa um ano e três meses, acusada de ser cúmplice de seu namorado em um roubo.

Rejeição pode gerar trauma

De acordo com o coordenador da Câmara de Psiquiatria e Saúde Mental do Conselho de Medicina do Rio, Miguel Chalub, as transexuais podem sofrer depressão e até cometer suicídio quando não têm a identidade respeitada. “São pessoas que desde a infância foram estigmatizadas e rejeitadas e, quando são jogadas nessa situação de confinamento, são tratadas como bichos”, disse.

A Resolução Conjunta nº 1 dos conselhos nacionais de Combate à Discriminação e de Política Criminal e Penitenciária prevê aos travestis e gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas deverão ser oferecidos espaços de vivência específicos. Já transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para as unidades femininas.

Pelo texto, é facultado o uso de roupas femininas ou masculinas e está previsto o direito de ser tratados pelos nomes sociais. A norma, que é apenas consultiva, também garante a manutenção do tratamento hormonal.

Protocolo de conduta será proposto

A defensora pública Lívia Cásseres vai propor à Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) um protocolo de conduta para lidar com transexuais, além de sugerir que entidades GLBT ligadas ao governo façam cursos de educação de agentes penitenciários.

Coordenador do Rio Sem Homofobia, Cláudio Nascimento, disse que vai se reunir esta semana com a Seap para discutir o relatório. “Essas denúncias são muitos sérias.”

A assessoria da Seap respondeu que estão sendo elaboradas adequações, de acordo com a resolução dos conselhos nacionais. Informou também que está em negociação com a Uerj para a criação de um ambulatório para a manutenção do tratamento hormonal dos internos, prevista pelo SUS.

O defensor público-geral, afirmou que o secretário Erir Ribeiro manifestou preocupação com o tema. “Confio que ele dará o necessário tratamento”, disse.

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