Por Jomar Martins
Publicado pelo portal Consultor Jurídico, em 28 de maio de 2017
Para os desembargadores, a pessoa tem direito de frequentar o banheiro conforme sua identidade de gênero, ainda mais, como no caso dos autos, quando a “identificação da transgeneralidade” é manifesta. Segundo o acórdão, quando tal direito é desrespeitado, está configurada a discriminação, “que não deve e não pode mais ser aceita”. O acórdão, com entendimento unânime do colegiado, foi lavrado na sessão de 19 de abril.
Situação vexatória
Na inicial, a autora informa que assumiu sua transexualidade aos 18 anos de idade e passou a usar o nome Roberta. Em março de 2013, ela e amigos foram a uma festa, mas já na entrada foi compelida a comprar o ingresso masculino, mais caro. A briga com os seguranças no lugar aconteceu depois que ela saiu do banheiro feminino. Ela e os amigos foram levados a um canto do estabelecimento e xingados pelos seguranças, sendo, depois, expulsos. Em sua defesa no processo, a casa disse que forçou Roberta a comprar o ingresso masculino por causa do documento de identidade que apresentou, que ainda tinha seu nome de batismo.
Violação da honra subjetiva
Na primeira instância, a ação indenizatória foi julgada totalmente procedente. Para o juiz Ivan Fernando de Medeiros Chaves, do 1º Juizado da 2ª Vara Cível da Comarca de São Leopoldo, a narrativa da boate deixou patente que a autora teve sua honra violada e foi ofendida por ser transexual, o que feriu sua dignidade.
Chaves citou o voto do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, ao se manifestar sobre a questão do tratamento a transexuais no Recurso Extraordinário 845.779. Nesse caso, Barroso deixou claro que, em respeito ao princípio constitucional da dignidade e ao princípio democrático, devem ser respeitados os direitos de transexuais de ser tratados pela forma com que se apresentam. Inclusive para usar banheiros públicos.
“O padrão cultural heterossexual e cisgênero impõe às orientações sexuais e identidades de gênero desviantes o rótulo de aberrações naturais ou perversões sociais, a serem curadas ou combatidas. As pessoas transexuais convivem, portanto, com o preconceito e a estigmatização. São, rotineiramente, encaradas como inferiores e têm seu valor intrínseco desrespeitado”, escreveu Barroso.
Tratamento social adequado
Para o ministro, a Constituição e as leis devem ser interpretadas de modo a neutralizar essa situação e para assegurar o tratamento social adequado. “A negativa de tratamento socialmente adequado a um transexual afeta tanto (i) a pessoa transexual, reimprimindo nela o rótulo de não aceita, de doente ou depravada, com reforço ao profundo estigma social sofrido desde a sua primeira infância, quanto (ii) todo o grupo, ao contribuir para a perpetuação do preconceito e conduzir a outras formas desigualdades e injustiças, como discriminações graves no acesso aos serviços públicos de saúde, educação e segurança pública, e ao mercado de trabalho”, conforme escreveu no voto.
No caso gaúcho, o juiz reafirmou que o direito de transexuais de ser tratados conforme sua identidade social está amparado no artigo 1º, inciso III, da Constituição, que define o princípio da dignidade humana. “É um valor intrínseco ao ser humano, que corresponde ao direito à igualdade, como também por ser um direito fundamental à autonomia, correspondente ao ‘direito de ser como se é’ e, ainda, amparado no Princípio Constitucional Democrático, no aspecto concernente à proteção das minorias”, escreveu na sentença.
O relator que desproveu a Apelação do clube no TJ-RS, desembargador Carlos Eduardo Richinitti, disse que o mundo está mudando, o que demanda novos comportamentos que favoreçam a inclusão e a aceitação das minorias. “A questão de gênero, está mostrando a ciência, não é opção, mas destino biológico. Só essa constatação mostra o quanto nós, enquanto sociedade, erramos até hoje, impondo sofrimento, humilhação, exclusão e marginalidade àqueles que não se identificam com o gênero que lhes foi imposto ao nascimento”, expressou no acórdão.
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