10 de dezembro de 2024
efeminado

Arte: Luiza Bertuol. Fonte: www.revistaovies.com.

Por Dean Oliver

Arte: Luiza Bertuol. Fonte: www.revistaovies.com.
Arte: Luiza Bertuol. Fonte: www.revistaovies.com.

O texto a seguir é uma coletânea de homofobia, machismo e racismo. Sendo, portanto, absolutamente gatilho.

Ser viado no interior é estar sujeito a todo tipo de intervenção (a maioria delas desagradável e dolorosa). Comecemos do começo: estou indo para o casamento do meu primo. Nós crescemos juntos e quando fiz 15 anos me mudei para o subúrbio de Fortaleza. Porém, ainda hoje, somos grandes amigos. Em todo caso, estava feliz porque veria minha família (avós por parte de mãe, tias, tios, primos e amigos). Mal sabia que a família seria a pior parte… Para que fique claro do que estamos falando, preciso salientar que a “cultura” de machismo e racismo andam de mãos dadas lá. Homofobia então é quase obrigação. TODOS cometem homofobia. O mais doloroso é perceber que até mesmo as pessoas ALGBTTQ* reproduziam homofobia. Ser viado no interior é esconder a afetividade e moldar-se a uma característica heteronormativa. No meu primeiro dia (comentários que iria escutar durante o tempo que estivesse ali) escuto a seguinte frase: “menina que dá pra todo mundo não é pra casar. Você só come e ‘sai fora’, pois, ela já deu pra todo mundo mesmo…”. Quando ouvi esta frase, lembrei de todas as vezes que me insultavam pelo o jeito afeminado e a voz fina. Andar apenas com meninas é o mesmo que ser um chamariz de bullying. O machismo é, sem sombra de dúvidas, a grande raiz do nosso problema. Tudo isso veio à tona e só estava começando.

A cidade é pequena. Cerca de 12 mil habitantes. Há algumas escolas (uma delas é estadual). Dois clubes, alguns botecos. Um hospital e dois postos de saúde. Há também uma igreja católica que fica na praça central (não há uma separação clara entre município e igreja. Alô câmera dos deputados! Tudo bem com vocês senadores?). E as igrejas de cunho pentecostal proliferam como coelhos. Todos parecem saber um da vida do outro. A praça central é, no fim das contas, um grande panóptico. A casa que estou instalado é de frente para esta praça, e, por não gostar de sair, porque, obviamente, não estou disposto a enfrentar mais comentários homofóbicos (já me basta os comentários da minha família), acabo, mesmo que sem querer, ficando em casa. Sentar na calçada é, sem sombra de dúvidas, tornar-se vigia do panóptico. Meu primo comenta; “lá vai aquele preto sem vergonha”. Um grupo de meninas passam e eu escuto do meu irmão: “menina x tá gostosa, né? Será que já sabe trepar?”. O meu segundo dia termina e o meu mau humor e sentimento de impotência só aumentam.

No terceiro dia, encontro com um querido tio. Ele é adotado, negro e extremamente afeminado. Não preciso dizer a quantidade de chorume que ele escuta diariamente disfarçado de piada inocente, não é mesmo? Ele se tornou meu herói no dia que descobri que ele não aguentou ser constantemente humilhado e quebrou uma cadeira nas costas de um homofóbico. Violência nunca será resposta para nada, tenho consciência disso, mas, sejamos racionais na dita humanidade, essa é a reação de quem sofre muito todos os dias. Se EU tivesse coragem, faria o mesmo, não minto. Ele parecia ser uma das poucas pessoas que realmente me entendiam e sabia exatamente o que estava passando. Ele elogiou o meu corte de cabelo e minhas roupas. Eu sentia que ele se orgulhava de mim. Eu me empoderei…

O dia do casamento finalmente acontece (pois é, ainda hoje, pessoas reproduzem esse estranho ritual). O padre fala uma coletânea de comentários machistas do tipo: “mulher, não brigue com seu marido quando este chegar tarde”; “mães, não se metam no relacionamento dos filhos, cabe ao homem decidir o que é melhor para o casal” (COMO ASSIM?!!). Depois, na festa, escuto coisas do tipo: “cadê as namoradas?”; “tem namorado muito?”; “tem que trazer as meninas pra gente conhecer”. TODOS SABIAM QUE SOU GAY! Mesmo assim, acho que eles preferiam tratar como uma fase… Cabe ressaltar também que deveria “ostentar” uma mulher (provando minha macheza) como se elas fossem troféus a serem conquistados e exibidos. No fim da festa, eu estava bebendo só, afastado de todos. Eu não queria mais suportar as pessoas.

No decorrer dos dias, percebia que para ser homofóbico no interior não é preciso possuir filtros. Poucas coisas ficam de fato veladas ou subentendidas. O que eles acharem estar correto, provavelmente irão impor, independentemente do que você entenda como afeto. A norma deve ser seguida porque as pessoas são, dentre outras coisas, a própria norma. Ai de quem transita por fora, de quem desvia!… Eles todos te olham estranho, te chamam de maluco pelo corte de cabelo, te julgam pelas tuas roupas. Eles também desqualificam tuas falas, fazem piadas e analogias idiotas acerca da tua sexualidade, te batem para mostrar força (?) e, obviamente, porque você não consegue se defender. Eles tomam a tua singularidade e amassam, jogando-a no lixo. Eles dizem que você deveria se comportar como “homem” (MACHISMO, MACHISMO, MACHISMO), que eu não deveria me depravar, que essa vida que viados levam é “perigosa”. Aquela ideia preconceituosa de que gays e o vírus HIV andam juntos… Eu me sentia esgotado um dia antes da viagem. Um dia antes de fugir daquilo e voltar para casa. Já não conseguia rir. Meu rosto era pura tristeza. Confesso que não tinha mais forças para continuar lutando. Eu sei e sinto orgulho do que sou e do que construí como pessoa e participante do movimento ALGBTTQ*. Geralmente minhas respostas a esses ataques eram afirmar ainda mais minha “viadês”. Afeminar o andar e a voz. Gritar que sou poc poc/pão com ovo MESMO. Tudo isso era minha defesa, meu jeito de encarar e lidar com esse machismo e homofobia maldita. Contudo, no fim das contas, eu sentia fraquejar.

Depois de conhecer os movimentos sociais, a ideia de estar próximo a tanta homofobia é tóxica. Aqui eu “conserto” um ditado absolutamente machista: “tem que ser muito viado para aguentar homofobia”.

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