10 de dezembro de 2024
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“Discurso de ódio não é liberdade de expressão”

Por Fernando de Oliveira

Publicado no site #MeRepresenta, em 3 de junho de 2014

“Discurso de ódio não é liberdade de expressão”
“Discurso de ódio não é liberdade de expressão”

Conhecida por suas posições conservadoras e retrógradas, a revista Veja sempre encontra novos e piores meios de se promover, incitando preconceitos. A última grande jogada aconteceu ontem, 2 de junho, quando o colunista Felipe Moura publicou no portal eletrônico da revista um texto escrito pelo ator e pastor norte-americano Stephen Baldwin, falando sobre “os perigos da propaganda homossexual”.

A argumentação utilizada por Baldwin era chocante até mesmo para os padrões de Veja. A subcelebridade denuncia uma suposta “agenda gay” que estaria sendo cumprida com o objetivo de tolher aos cristãos seus direitos constitucionais. “Quais direitos?”, o leitor poderia se perguntar. Pois eis que o texto exibe uma enorme relação de “abusos” praticados contra a população cristã. A lista inclui exemplos tão esdrúxulos de “cristofobia” como o fato de restaurantes cujos proprietários são cristãos serem agora forçados a atender clientes homo e transexuais.

Se parte das afirmações contidas na publicação chega a ser cômica em seu absurdo, outras são simplesmente alarmantes, visto que agora se encontram em um veículo formador de opinião de ampla visibilidade. Os exemplos são inúmeros, incluindo alegações de que a homossexualidade é um “comportamento viciante” a ser desestimulado, comparações entre homossexuais e nazistas e, uma das mais chocantes, a bizarra ideia de que permitir a mulheres transexuais a entrada em banheiros femininos de alguma forma “favorece o abuso sexual”.

Em diversas passagens, o texto afirma que o “estilo de vida homossexual” é pouco saudável e aumenta a propensão a diversas doenças e transtornos psicológicos (informações sustentadas mediante apresentação de pesquisas científicas). Não passa pelas cabeças dos fundamentalistas que essa maior propensão possa ser explicada pelo enorme stress provocado pela discriminação social. Ou mesmo pela falta de informação sobre doenças sexualmente transmissíveis, que, diga-se de passagem, se deve muitas vezes à ação de figuras conservadoras, barrando campanhas públicas de conscientização.

Na verdade, o principal argumento de Baldwin contra o movimento LGBT gira em torno do fato de que não se pode provar cientificamente que a homossexualidade seja um comportamento inato, de origem genética. Portanto, segundo o pastor, não cabe fornecer a minorias sexuais a proteção de que gozam, por exemplo, grupos raciais perseguidos.

De um ponto de vista prático, é espantoso como o argumento da nascença é usado frequentemente contra e a favor dos direitos LGBTs. Minha única questão é: importa como nascemos? De fato, não há consenso na comunidade científica sobre até que ponto a orientação sexual (ou, até onde sei, a identidade de gênero) é definida pela genética. Mas isso simplesmente não muda o fato de que gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros são extremamente discriminados e hostilizados em nossa cultura e precisam de proteção legal contra as agressões (muitas vezes físicas) às quais são submetidos. Ainda que se tratasse de uma questão de escolha (vá lá saber como alguém pode escolher do que gosta ou como se identifica), ninguém teria, mesmo assim, o direito de nos humilhar, agredir, nos negar serviços ou simplesmente nos demitir de nossos empregos por sermos quem somos.

Enquanto debatemos se sexualidade e identidade de gênero são inatas ou adquiridas, há um fato bem estabelecido e simplesmente ignorado: ninguém nasce religioso, torna-se. Aos inúmeros cristãos fundamentalistas que tanto se ressentem da demanda por leis de combate à homotransfobia, segue uma simples questão: vocês, por acaso, estariam dispostos a abrir mão das leis que banem a discriminação religiosa? Porque se trata também de uma legislação voltada a um tipo específico de agressão e diz respeito a uma característica que não tem nada de inata. E não me ocorre que algum militante LGBT já tenha buscado revogar essas leis. Quem, então, está em busca de privilégios, mesmo?

Por fim, Baldwin declara-se preocupado pelo fato de a mídia conservadora dos EUA estar-se tornando cada vez mais pró-LGBT, recusando-se a denunciar nossos “abusos”, o que talvez dialogue com os sentimentos dos responsáveis por uma das revistas mais retrógradas de que dispõe nosso país. Aparentemente, dói saber que há cada vez menos espaço para oprimir e discriminar. Pois que assim continue por lá e que o Brasil siga o mesmo caminho, isolando cada vez mais opressores vitimistas como Baldwin, Felipe Moura e a revista Veja! Não, vocês não têm o direito de perseguir e segregar um grupo simplesmente por não concordar com suas práticas sexuais. Sinto muito.

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