10 de dezembro de 2024
http://www.revistaforum.com.br/osentendidos/2016/06/21/masculinidades-nao-idiotastransvivo/

Ariel Nobre
Publicado pela coluna Os Entendidos, na Revista Fórum, em 21 de junho de 2016

http://www.revistaforum.com.br/osentendidos/2016/06/21/masculinidades-nao-idiotastransvivo/Quando eu estava descobrindo e me permitindo a masculinidade, fugia da ideia de SER HOMEM. Mudei de nome e pedi para as pessoas me tratarem no masculino. Na minha cabeça eu já vivia um gênero masculino, mas não me sentia bem para conversar sobre isso. Em parte porque era novo, me assustava, e também porque se alguém perguntasse – e perguntaram – eu não saberia falar sobre meu gênero.

Bem, o tempo passa e as pequenas (e as grandes) burocracias da vida vão pedindo para você se definir melhor. Já não dava para eu ficar dizendo que eu era um sapatão por aí. Até que uma amiga me disse “Bi, pode falar que você é homem, cara, não é assim, você não vai fazer “omice” por isso”.

Era exatamente isso. Tinha medo de me transformar em uma pessoa desrespeitosa depois de tudo que já tinha passado como mulher nesse Brasil. Tenho pouquíssimas referências de homens legais. Sendo bem sincero, a maioria são idiotas. Os homens que conheço são pessoas desrespeitosas, sem cuidado consigo e com o espaço em que circulam. Só consegui liberar minha masculinidade quando conheci um grupo de bichonas. Essas gays eram estilosas, andavam em bando, se ajudavam e tinham todo um humor bicha que aprendi a amar e reproduzir. Elas me ensinaram o pajubá* e a tratar toda e qualquer pessoa por “BI”. Homens legais? Tive que ver para crer. Só consegui entender e libertar minha masculinidade depois desses encontros. Por quê? Por que eu percebi na prática que ser homem não era um caso totalmente perdido.

Me acostumei com a ideia de uma transição de “sapatão masculina” para “bicha afeminada” e pouco tempo depois me declarei (e me aceitei) como  homem trans.

Na medida do possível, fui me dedicando ao desafio de construir minha masculinidade e ao mesmo tempo lidar com as dificuldades mil de ser #transvivo nesse mundo. Porém, quando recebi a notícia de que no Rio de Janeiro 33 homens estupraram uma mulher, entrei em choque. Foi inevitável questionar novamente se “ser homem” é ser um idiota que subjuga e viola as mulheres?

Bem, a masculinidade hegemônica autoriza os homens a uma série de atrocidades, o estupro é uma dessas facetas. Essa cultura dominadora está na publicidade dos desodorantes FOR MAN, na propaganda de carro e nos espaços considerados “de homem”. Esse modo de pensar dita o que é ser homem (e, consequentemente, o que é ser mulher).

O problema é que ao longo da minha transição fui consumindo cada vez mais cultura masculina e com isso veio um monte de valores que me fazem vomitar, tal qual o banheiro masculino. Primeiramente, essa cultura não me considera nem gente, nem homem. A gente já sabe, mas vale lembrar: a sociedade pune quem escapa da regra mulher-vagina e homem-pênis. Ademais, o machismo reduz a mulher a um útero ambulante e reserva a elas (e a quem mais o machismo considerar mulher) o espaço da submissão – a que/quem? Exato, ao pênis do homem.

Então, quando alguém esfrega na minha cara a minha própria genital como empecilho para ser homem, concluo: o problema não é ser mulher, o problema é a transfobia. O problema é esse jeito nojento de nos obrigar a ser quem não somos.

33 homens estupraram uma mulher. Não tem como não lembrar da mulher que fui, não tem como não perceber, hoje de outro ângulo, como os homens assediam as mulheres em espaços públicos em plena luz do dia ou no aperto do metrô.

Eu tenho peito pra ser o que eu quiser, meo amor, e é com esse corpo de vagina e seios que eu quero/preciso construir com meus iguais uma nova masculinidade. Precisamos de masculinidades não idiotas. Tenho plena convicção de que se eu dançar conforme o baile da cultura do machismo, vou ser só mais um homem idiota nesse mundão. Mas pra quê? Para lutar por pseudo-cidadania? Se acham que tenho pênis me respeitam, quando descobrem que eu tenho vagina me oprimem. Oi? Que cidadania é essa?

Além disso, a macheza é infantilóide. É baseada na desconexão da pessoa homem com o resto do planeta, ela naturaliza a dominação do homem sobre a mulher (e demais gêneros), e portanto não existe nada de novo em ser homem e idiota. Mesmo. E como faz para não ser? Não sei, mas o único caminho que vejo parte do respeito às mulheres, começando inclusive pela mulher que fui. A minha caminhada só tem sentido se for em sintonia política e afetiva com as mulheres. Já fui mulher, hoje sou #transvivo. Para se ter um futuro possível: RESPEITO ÀS MULHERES JÁ!

*Pajubá: idioma próprio das travestis.

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1 thought on “Masculinidades não idiotas

  1. O Homem Cisgenero que “penetra” ele acaba sendo mais feminino que a Mulher Cisgenera! A iniciativa, deixo sempre com ele, assim nas preliminares e, já aconteceu dele me fazer Sexo oral, sem desejar que eu retribuisse nele e depois me penetrou! Deu misto de emoções em mim, de ser beijado sentindo gosto do meu nectar e sendo penetrado com super ereção dele alcançada em tal preliminar que me fez 🙂

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