Sentença considera que transexual não é obrigado a realizar cirurgia para ser identificado como do sexo oposto
Marcele Tonelli
Publicado pelo portal JCNET, em 30 de novembro de 2016
“Eu nasci de novo, praticamente. Hoje sou realmente eu, mas muito mais feliz. Durmo e acordo sorrindo comigo mesmo”. A frase esboça a felicidade de Uriel Siqueira Melo dos Santos, 23 anos, com a sentença publicada na última semana pela Justiça em Bauru. A decisão deu a ele o direito de mudar seu registro civil. Agora, no documento de identidade, constam nome e sexo masculinos.
Expedido pelo juiz Gilmar Ferraz Garmes, o parecer favorável à ação de retificação de prenome e sexo, que tramitada na 2ª Vara de Família e Sucessões do Fórum de Bauru, considerou que um transexual não é obrigado a realizar cirurgia de redesignação de sexo para ser reconhecido, “uma vez que importa, para definição da pessoa, seu sexo psíquico, o gênero que o indivíduo atribui a si mesmo e não a maneira como um terceiro o enxerga”.
DIREITOS
Na sentença, o juiz cita o artigo 5º da Constituição, que institui direitos como à vida, à liberdade e à igualdade, considerando que, os mesmos princípios devem, de igual forma, nortear os direitos dos transexuais e atendê-los. Ainda na decisão, ele aponta que o registro civil deve “espelhar a individualidade da pessoa ali identificada, sobrepondo-se o gênero ao sexo biológico”.
Segundo o juiz, o ordenamento jurídico tem se atualizado em favor dos direitos de transexuais. Como exemplo, cita decretos recentes sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis e transexuais, nos âmbitos federais e estaduais. “Essas medidas propõem um viés humanista ao transexual e lhe permitem ser quem verdadeiramente é, despido de julgamentos alheios, de tendências conservadoras e de execrações públicas irracionais”, diz a sentença.
OITO MESES
A ação foi proposta há oito meses pela advogada Ana Carolina Borges, que também é coordenadora da Comissão da Diversidade Sexual da OAB de Bauru (CDS/OAB Bauru). A decisão considerou ainda parecer favorável emitido pelo Ministério Público Estadual e estudo psicossocial do autor da ação. “O judiciário tem se mostrado sensível. E dependemos deles, já que não há lei específica para essa causa. Quem sabe assim, com ações em massa, criamos uma jurisprudência”, comenta Ana Carolina, lembrando-se de outras decisões. “Há alguns anos, o sexo não era alterado se não houvesse cirurgia, ou havia necessidade de laudo atestando doença”, complementa.
Agora, Uriel aguarda a sentença transitar em julgado, o que deve levar duas semanas, até que seja expedido mandado para solicitação da mudança. A informação sobre a retificação não deverá constar no registro civil, segundo a decisão.
VIDA NOVA
Optando por não citar seu nome de nascimento, feminino, Uriel lembra que desde criança não se identificava como menina. “Eu não queria fazer o que elas faziam. Na adolescência, até tentei namorar, mas não deu muito certo, eu agia como homem (risos)”. Ele conta que chegou assumir ser lésbica aos pais por volta das 15 anos. “Naquela época eu nem sabia o que era a transexualidade”.
Foi aos 20 anos, contudo, que ele procurou um médico particular para tratamento psicológico e hormonal. “A barba foi crescendo. Algumas pessoas se assustavam no começo, mas a maioria me tratava normalmente e estava do meu lado. Minha família e amigos sempre me apoiaram. Tive muita sorte”, afirma. Agora, ele planeja realizar mastectomia e mudar-se para Santa Catarina, onde construirá vida nova ao lado de sua companheira Ana Rosa, 24 anos.
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