20 de abril de 2024

(Ilustração: Matt Mahurin)

Vanessa Alves Vieira e Aurea Maria de Oliveira Manoel
Publicado pelo portal UOL, em 23 de abril de 2015

(Ilustração: Matt Mahurin)
(Ilustração: Matt Mahurin)

Semana passada, o deputado Jair Bolsonaro foi condenado à pagar uma indenização por ofensas homofóbicas. Recentemente, também foi obtida uma decisão judicial contra o político Levy Fidelix, em Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por meio do Núcleo de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito.

Ambos os casos reacenderam o debate sobre os limites (ou a ausência deles) da liberdade de expressão. A Constituição estabelece que a liberdade de expressão consiste em direito fundamental, exercido independentemente de censura ou licença (inciso IX do artigo 5º da Constituição).

Muitos fazem a leitura seletiva das normas constitucionais e param nessa previsão. No entanto, logo em seguida, no mesmo artigo, estabelece-se que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. No inciso V, por sua vez, é “assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Está claro na Constituição que a liberdade de expressão não pode passar por qualquer controle prévio (censura ou licença). No entanto, as eventuais violações de direitos causadas pelo discurso podem ensejar direito à indenização. É, também, assegurado o direito de resposta, proporcional à ofensa perpetrada.

O STF, no acórdão decorrente do julgamento da ADPF 130, que contestou a Lei de Imprensa, deixou expresso que “quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja”.

No entanto, na ocasião, também estabeleceu-se que “a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa”.

A Ação Civil Pública ajuizada contra Levy Fidelix não teve como objetivo reprimir ideias ou suprimir a liberdade de expressão, como alguns alegaram. Após o exercício pleno desse direito, porém, nada mais se fez do que buscar a reparação posterior pelos danos morais causados à população ofendida, bem como o devido direito de resposta, em conformidade com as normas constitucionais.

Muitas pessoas alegaram que o que o político teria dito seria apenas uma opinião, que ele não seria obrigado a aceitar a população LGBT e poderia ter sua própria concepção sobre o que é uma família. Afirmaram, ainda, que dar declarações como “aparelho excretor não reproduz” e que “dois iguais não fazem filho” seriam verdades e, como tais, não deveriam ser reprimidas.

No entanto, apesar de essas frases serem lamentáveis, não foram elas o alvo principal da ação. Nem mesmo sua conservadora e equivocada opinião sobre os arranjos familiares motivaram a busca da reparação, por via judicial.

Discurso de ódio

As expressões mais graves, no discurso proferido pelo então candidato, foram a comparação da homossexualidade à pedofilia, a incitação a que a maioria da população enfrente a minoria LGBT e, ainda, a afirmação de que essa parcela da população precisa ser “tratada (…) bem longe da gente”, que, claramente, configuram discurso de ódio.

Discurso de ódio é aquele que, como ocorreu no caso, ofende determinado grupo social, bem como incentiva a agressão, a violência, a segregação em relação a ele. O ministro Celso de Mello bem pontuou, recentemente, os limites da liberdade de expressão e o discurso de ódio, como mostra sua fala a seguir:

“O repúdio ao ‘hate speech’ traduz, na realidade, decorrência de nosso sistema constitucional, que reflete a repulsa ao ódio étnico estabelecida no próprio Pacto de São José da Costa Rica. (…) Evidente, desse modo, que a liberdade de expressão não assume caráter absoluto em nosso sistema jurídico, consideradas, sob tal perspectiva, as cláusulas inscritas tanto em nossa própria Constituição quanto na Convenção Americana de Direitos Humanos. (…) Há limites que conformam o exercício do direito à livre manifestação do pensamento, eis que a nossa Carta Política, ao contemplar determinados valores, quis protegê-los de modo amplo, em ordem a impedir, por exemplo, discriminações atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI), a prática do racismo (CF, art. 5º, XLII) e a ação de grupos armados (civis ou militares) contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV)”.

As palavras ditas, sem dúvida alguma, ofenderam tanto a população LGBT como também aquelas pessoas que prezam pelo respeito à diversidade, em um Estado democrático de direito. Para se ter a exata expressão do quanto as expressões utilizadas podem ser ofensivas, basta imaginá-las sendo ditas, não para uma coletividade, mas para uma única pessoa.

Há aqueles que defendem a liberdade absoluta de manifestação e expressão de ideias, acreditando que isso levaria à evolução gradual do pensamento. Ideias, porém, não se confundem com agressões e ofensas, que estimulam o preconceito, a discriminação e o aniquilamento do outro.

O debate franco e democrático somente é possível no contexto social no qual há o respeito aos grupos, inclusive aos politicamente minoritários, e o direito de voz é igual para todos e todas.

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