19 de abril de 2024
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Por Toni Reis*

Publicado no Yahoo Notícias, em 21 de feveiro de 2014

https://s3.yimg.com/bt/api/res/1.2/CkSeKf8XpgOGdeDm44kA5Q--/YXBwaWQ9eW5ld3M7cT04NTt3PTMxMA--/http://l.yimg.com/os/publish-images/news/2014-02-21/73cfeb50-9b28-11e3-836a-7f5182651d68_toni-reis-310.jpgDesde 1995 houve tentativas no Brasil de reconhecer legalmente os casais do mesmo sexo, a partir da apresentação, pela então deputada federal Marta Suplicy, do projeto de lei nº 1151/95 “Contrato de União Civil entre pessoas do mesmo sexo.”

Àquela época, eram comuns os relatos de famílias que não toleravam seus filhos (ou filhas) homossexuais, mas quando estes faleceram, essas mesmas famílias – afastadas há anos de seus filhos – tomavam do/da parceiro/a sobrevivente todo o patrimônio construído em conjunto durante anos de união estável. Era o que permitia a lei, por não reconhecer esta união.

Mesmo em 2002, após a morte de Cássia Eller, sua companheira teve que entrar na justiça para conseguir a guarda do filho que criavam juntas. Ao contrário de casais heterossexuais, os/as parceiros/as de empregados ou servidores falecidos/as antes de se aposentarem não tinham direito de receber pensão como dependentes. Estes são apenas alguns exemplos de injustiças e crueldades que deram impulso ao movimento pelo reconhecimento da união civil, ou estável, e ao direito ao casamento igualitário de casais homoafetivos. Não havia proteção jurídica para estes casais, mesmo que a Constituição Federal garantisse a igualdade de todos perante a lei.

Com a apresentação em 2008, pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132/RJ, seguida da atuação liderada pela procuradora Deborah Duprat em 2009 que resultou na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 4277, o Supremo Tribunal Federal teve a tarefa de julgar o que, em súmula, a ADIN afirmava: “é obrigatório o reconhecimento no Brasil da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; e (b) que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.”

Em entrevista, Deborah Duprat justificou a ADIN da seguinte maneira: “É preciso aceitar que a sociedade não é apenas masculina, branca, heterossexual. Se há de fato famílias homossexuais, por que não vão ter direitos iguais?”

O Preâmbulo da lei maior do Brasil, a Constituição Federal, afirma que “será assegurado o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com asolução pacífica das controvérsias” (grifo nosso).

Logo após, no artigo 3ª, inciso V, estabelece  que um dos objetivos fundamentais do estado de direito é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”,  baseado nos princípios da igualdade e isonomia, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, entre outros.

Estes eram entre os princípios constitucionais que levaram, em 5 de maio de 2011, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), “guardião da Constituição”,  a reconhecerem unanimemente a união estável entre casais homoafetivos, assegurando a esses casais os mesmos direitos dos casais heterossexuais.

O ministro do STF, Ayres Britto, argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da Constituição veda qualquer discriminação e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua orientação sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da Constituição.

O ministro Celso de Mello acrescentou: “É arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, exclua, discrimine ou fomente a intolerância, estimule o desrespeito e a desigualdade e as pessoas em razão de sua orientação sexual.”

No dia 14 de maio de 2013 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Resolução nº 175, que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo. O presidente do CNJ afirmou que a resolução remove “obstáculos administrativos à efetivação” da decisão do Supremo, ocorrida em 2011. A Resolução do CNJ normatiza esses procedimentos em todo o Brasil.  Agora, caso um cartório se recusar a proceder o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, desde que atendidas as demais exigências legais, o caso será julgado pela corregedoria local de justiça.

Desde 2001, pelo menos dezesseis países permitem que pessoas do mesmo sexo se casem em todo o seu território: África do Sul, Argentina, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, França, Inglaterra, Islândia, Nova Zelândia, Noruega, País de Gales, Países Baixos, Portugal, Suécia e Uruguai. O reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo não afetará os direitos de outrem. Ninguém perderá direito algum. Apenas uma parcela significativa da população passa a ter estes direitos garantidos.  O censo demográfico de 2010 apontou, timidamente, para a existência de pelo menos 60 mil casais do mesmo sexo no país. A ausência de lei não quer dizer ausência de direitos. Enquanto o Congresso Nacional não legisla qualquer matéria que garanta que a população LGBT possa exercer plenamente seus direitos, o Judiciário faz seu papel, concretizando-os, baseado na Constituição Federal.

Os conservadores de plantão não precisam ficar com medo – a Resolução do CNJ não implica casamento compulsório de homem com homem ou mulher com mulher, apenas permite que quem tem sentimentos homoafetivos e deseja mesmo celebrar o casamento civil possa fazê-lo. Alguns críticos falam que reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo é querer acabar com a família. São os mesmos argumentos que usavam para negar o direito das mulheres votarem e para se opor ao divórcio. Ledo engano: a família continua de vento em poupa. O que nós queremos é simplesmente construir a nossa família da nossa forma, em pé de igualdade e sem destruir a família de ninguém. Aos defensores do plebiscito sobre o reconhecimento da união entre pessoas, temos a dizer: sobre direitos não se pergunta, se respeita.

Nas palavras do ministro Joaquim Barbosa, “Dar relevância às reivindicações de minorias, vítimas de opressão, exige que compreendamos a diversidade como o denominador comum de nossa humanidade.”

Toni Reis é Secretário da Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), doutor em educação, mestre em filosofia, especialista em sexualidade humana e professor.  

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