Os números da Atento saltam aos olhos se consideramos a realidade brasileira, na qual 90% dos transexuais atuam na prostituição.
Por Mariana Desidério
Publicado no portal Exame, em 12 de setembro de 2018
São Paulo – A Atento, gigante do call center que emprega 78 mil pessoas no Brasil, tem uma pequena multidão de transexuais entre seus funcionários. São cerca de 1.300 pessoas. A grande maioria atua como atendente de telemarketing e ganha um salário mínimo.
O número salta aos olhos se considerarmos o contexto brasileiro: somos o país que mais mata transexuais no mundo – foram ao menos 868 travestis e transexuais mortos entre 2008 e 2016, segundo a ONG europeia Transgender Europe. Outro dado mostra que 90% dos trans ganham a vida se prostituindo por falta de alternativas, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
Com um quadro assim, empresas que estendam a mão para esse público cumprem um papel importante. No caso da Atento, a companhia não precisou de muito de esforço para atrair esses profissionais. “Muitas empresas contratam consultorias para aumentar a diversidade. No nosso caso não foi necessário. Nossas plantas ficam nas capitais, em geral nas periferias. Eles vieram naturalmente, atraídos por uma jornada de seis horas, numa função que exige apenas o ensino médio. É um perfil de primeiro emprego”, afirma Eliane Terceiro, superintendente de responsabilidade social da Atento Brasil.
No entanto, se a chegada desses trabalhadores foi natural, o processo para incluí-los exigiu um pouco mais. A presença dos trans na Atento passou a ser notada em 2012, quando a empresa criou uma ouvidoria. “Começaram a chegar questões de pessoas trans que tinham que usar o banheiro do gênero com o qual não se identificavam”, lembra a executiva, que falou sobre a experiência da companhia durante o debate “Mercado em Transformação”, promovido pela KPMG e pelo escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe.
O tema foi discutido no conselho de ética da empresa, que decidiu ter uma atitude mais proativa. A batalha do banheiro foi a primeira. “Fizemos um comunicado sobre o uso dos banheiros de acordo com a identidade de gênero. Mas então começamos a receber reclamações, principalmente de mulheres incomodadas com transexuais nos banheiros femininos”, conta Terceiro. Para contornar o problema, foi necessário fazer uma campanha de conscientização sobre os valores da empresa e sua política de igualdade e inclusão.
A trincheira seguinte foi abrir a possibilidade para que os funcionários usassem o nome social no crachá e no e-mail corporativo, mesmo que no RG ainda constasse o nome de outro gênero. “Entendemos que não adianta muito ter o nome no crachá , mas não no e-mail. Tivemos vários entraves na área de segurança da informação por conta disso, inclusive trazidos por clientes. Mas hoje temos pouco mais de 1.300 transexuais e travestis que solicitaram nome social no crachá”, comemora.
O próximo passo foi promover ações para os transexuais que não trabalham na empresa. A companhia faz encontros esporádicos com esse público, com aulas de informática e dicas sobre como se portar numa entrevista de emprego. “Eles saem do curso com uma gratidão enorme. Muitos deles nunca tinham entrado numa empresa na vida, a maioria mora em abrigos e trabalha na prostituição”, relata a executiva.
Alguns dos transexuais que participam desses encontros passam a trabalhar na Atento. E, segundo a companhia, o turnover desses profissionais é menor que o dos demais, mesmo num setor como o de telemarketing, que tem altos índices de rotatividade. Na Atento, enquanto a rotatividade geral foi de 5,4% nos últimos três meses, no grupo de transexuais acompanhados pela empresa o número foi de 1,7%.
Agora, o principal desafio é a negociação com as operadoras de plano de saúde sobre temas como tratamento com hormônios e cirurgias. Há ainda casos como exames barrados por conflito entre o nome do paciente e o tipo de exame solicitado. “A pessoa é trans, usa um nome de mulher, mas ainda precisa fazer exames de próstata, por exemplo”.
Segundo Terceiro, o trabalho de inclusão e respeito aos transexuais no ambiente corporativo ampliou a visão de mundo da empresa. “Antes a Atento era uma empresa mais quadrada. E com os trans, criou-se também espaço para discutirmos o papel da mulher e outras questões ligadas à igualdade. Abriu-se uma porta”, diz.
Em vários casos aqui AS transexuais são tratadas como OS transexuais, os artigos não mudaram para o feminino.
No mais a notícia é ótima.
Obrigado por compartilhar.
Oi, Roberto! O termo “transexual” é comum de dois gêneros. Ou seja, do mesmo modo que existem as mulheres transexuais, também existem os homens transexuais. O termo que não permite flexão de gênero, pois só existe no feminino, é “travesti”. Porém, de fato, a imprensa ainda segue o rigor gramatical de, nesses casos, prevalecer o gênero masculino como tratamento genérico. Isso vai ser mais difícil de vencer. Por isso, eu prefiro usar o termo “pessoas” que só admite flexão no feminino e resolve a questão. Por exemplo, ao invés de dizer “os transexuais”, de modo genérico, podemos dizer “as pessoas transexuais” e ter o mesmo sentido. Com o mesmo propósito, eu sempre me refiro a “pessoas LGBT+”.