10 de novembro de 2024
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Silvia Baisch
Publicado pelo portal UOL, em 15 de setembro de 2014

Quando decidiram oficializar a união estável, em março do ano passado, o auditor fiscal Rogério Koscheck, 51, e o contador Weykman Padinho, 37, moradores do Méier, na zona norte do Rio de Janeiro, tinham certeza de que iriam adotar um menino e uma menina. Há três meses, no entanto, eles se tornaram pais de três meninas e um menino (com idades entre sete meses e 11 anos), irmãos biológicos por parte de mãe, soropositiva.

No momento da adoção, Rogério e Weykman acreditavam que as crianças também estavam infectadas pelo HIV. Mas, no primeiro trimestre da nova família, eles comemoram o fato de que os exames médicos confirmaram que todos estão livres do vírus.

Sendo um profissional autônomo, Weykman pode flexibilizar os horários para ficar mais próximo dos filhos. Mas Rogério (que já é pai biológico de uma mulher de 24 anos) precisou acionar a Justiça. Como servidor da Receita Federal, ele entrou junto ao órgão com um pedido de licença à adotante. “Sempre tive certeza de que seria negada, já que o Estatuto do Servidor Público prevê esse tipo de licença para ‘a servidora'”.

Na Justiça, Rogério conseguiu o direito de se ausentar do trabalho por 90 dias, prorrogados por mais 60 dias devido aos cuidados demandados pela filha de sete meses. Segundo ele, esta foi a primeira decisão do tipo no Brasil. “Diferentemente dos pais biológicos, a amamentação que fazemos é de carinho. Temos que construir e manter o vínculo com nossos filhos”, explicou Weykman.

E esse vínculo parece estar sendo construído rapidamente. Enquanto brincam em casa, as crianças disputam a atenção dos pais como nas famílias mais convencionais. É sorrindo, com olhos marejados e voz embargada, que os dois lembram os primeiros momentos em que viram os filhos. “Não é mentira. Foi em 1º de abril (deste ano). Eles foram escolhidos por nós, mas na verdade foram eles que nos escolheram”, contam, quase em uníssono, emocionados.

Com muita naturalidade ao falar do assunto, Rogério conta que pesquisaram na internet sobre o abrigo onde as crianças estavam. “Vimos que se tratava de um local para soropositivos. Mas em momento nenhum isso foi um empecilho”, explicou. “Desde a primeira vez que os vimos, sabíamos que eram nossos filhos, independentemente de qualquer doença”, complementou Weykman.

Apenas o bebê de sete meses precisará de acompanhamento até completar dois anos, por ainda apresentar os anticorpos da doença, herdados da mãe. A professora da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e infecto-pediatra do Hospital Universitário Pedro Ernesto, Luana Correia, acompanhou os casos das três crianças. Ela explica que não é possível determinar se um bebê é soropositivo momentos após o nascimento.

“O teste sorológico para HIV não pode ser usado como diagnóstico de infecção antes dos 18 meses de vida, porque ele detecta os anticorpos, que podem ter sido herdados da mãe, e não o vírus. É preciso fazer outro exame [de carga viral], que procura diretamente o RNA [ácido ribonucleico] do vírus”, explica a médica. Ela informa que nenhuma das crianças adotadas pelo casal homoafetivo teve o exame de carga viral positivo.

Para a advogada do casal, Silvana do Monte Moreira – também presidente da Comissão Nacional de Adoção do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) e integrante da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ –, os casais homoafetivos já lidaram com tantas adversidades que procuram justamente as crianças que estão excluídas da busca usual (menina branca de até três anos). “Eles não querem que seus filhos passem pelos mesmos sofrimentos pelos quais passaram”.

No Cadastro Nacional de Adoção, as crianças são descriminadas por sexo, faixa etária, raça/cor e se possuem algum tipo de doença, entre outras características. Existe um subgrupo exclusivo “HIV”, o que não significa, porém, que as crianças aí incluídas estejam infectadas.

A atual guarda provisória para Rogério e Weykman foi concedida em 11 de junho. Para que seja definitiva e o processo de adoção possa ser concluído, é necessário que os processos de destituição de poder familiar sejam transitados em julgado.

Até lá, a família biológica das crianças pode tentar reaver a guarda. No entanto, para a promotora de Justiça do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude do Estado do Rio de Janeiro, Daniela Moreira da Rocha Vasconcellos, essa situação é pouco provável.

“Não posso falar sobre esse caso específico, até porque não sou a promotora com atribuição e ele corre em segredo de Justiça. Mas, em casos como esse, há uma análise prévia da situação da família biológica. Só há a indicação de uma família substituta quando já foram esgotadas as possibilidades com os pais e com a família extensa”, afirmou.

Confira também o comentário abaixo sobre este fato!

PREFERÊNCIAS E ADOÇÕES

por João Marinho*

Incrível como, até num inquestionável ato de amor como este, homofóbicos aproveitam para reclamar. Um comentador, o Sr. Marcelo, veio dizer que casos assim “aumentam a homofobia” porque o processo de adoção foi relativamente “rápido” porque “o casal é gay”, enquanto casais héteros convencionais tentam adotar e passam anos na fila.

Na verdade, o Sr. Marcelo está sem razão alguma. No Brasil, e isso é estatística oficial, existem mais pais para adotarem do que crianças para serem adotadas. Por que a adoção não acontece rapidamente para todos, então?

Porque, como diz a reportagem, existem os tipos de crianças preferidos e os preteridos. A criança mais desejada é branca, menina, bebê, saudável e sem irmãos: é a que é buscada pela maioria. Pais que procuram uma criança assim realmente passam longos períodos na fila, por uma questão de demanda.

Certamente, o fato de os pais gays da reportagem terem adotado todos os irmãos, negros, com a possibilidade de uma doença pregressa (HIV) e com um em idade avançada (11 anos) contribuiu para a maior rapidez do processo, que certamente seria a mesma se um outro casal convencional a isso se dispusesse. A pergunta, portanto, é se os demais casais, héteros inclusive, que disso reclamam teriam a mesma atitude… A mesma diferença ocorre entre casais héteros brasileiros e estrangeiros: os últimos geralmente têm menos exigências e, não poucas vezes, adotam as crianças que os demais não querem.

Eu realmente pretendo adotar uma criança no futuro – e deverá ser um menino, negro, acima de 5 anos de idade. Justamente parte daqueles que mais dificuldade têm em acharem pais.

Esse tipo de reclamação também serve para os LGBTs acordarem. Muitos acham que a homofobia é causada pelos próprios LGBTs, que “provocam”, sei lá de qual forma, os brios dos homofóbicos. É o discurso de quem é gay e se opõe à Parada Gay por causa de moralismo, por exemplo.

Bobagem.

Homofóbico é homofóbico por questões que dizem mais respeito a ele/ela do que a você, caro LGBT – e, como provam as reclamações a que me referi nesta matéria, mesmo que você nascesse com asas de anjo ou banhado em ouro, eles encontrariam algo para criticar em você por causa de sua homo/bi/transexualidade e racionalizar seu ódio e desconforto: uma pena que faltasse, ou o metal do quilate errado, quem sabe?…

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* João Marinho é ativista, jornalista diplomado pela PUC-SP e hoje atua como editor-chefe em veículos de conteúdo adulto, revisor e designer free-lancer.

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