Publicado pelas Nações Unidas no Brasil, em 13 de agosto de 2016
A Livres & Iguais no Brasil, campanha das Nações Unidas pela igualdade de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas trans e intersex (LGBTI), lança neste Dia dos Pais o vídeo “Avelino, o pai de um milhão”. O material conta a história de Avelino Mendes Fortuna, cujo filho, Lucas Fortuna, foi assassinado em 2012, vítima da homofobia. Avelino diz que perdeu Lucas, mas que a militância pelos direitos das pessoas LGBTI o fez ganhar milhões de filhos e filhas em todo o Brasil.
Avelino Mendes Fortuna tem 60 anos e é de Goiânia (GO). Viúvo e agrimensor aposentado, teve três filhos. O mais velho deles, Lucas, foi assassinado em 2012, levado pela homofobia. Ele tinha apenas 28 anos. Lucas era jornalista, ativista LGBT e árbitro esportivo. Adorava vôlei e o que mais gostava de fazer era trabalhar com pessoas portadoras de deficiência. Foi assassinado meses antes de celebrar mais uma conquista na sua carreira: tornar-se árbitro nacional. Seu sonho era arbitrar um jogo durante as Paralimpíadas. Apesar de sinais claros de fundo homofóbico nas circunstâncias de sua morte, nunca foi reconhecido oficialmente que o crime foi motivado pela LGBTI-fobia.
Ainda que tenha sido mais um jovem a entrar para as estatísticas da LGBTI-fobia no Brasil, o pai de Lucas não se conformou em reduzir sua história a essa narrativa. Avelino decidiu usar tristeza e luto como matéria-prima para ação e luta. Desde então, é ativista pelos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas trans e intersex. Avelino é a prova viva de que a população LGBTI não é a única vítima das discriminações e violências baseadas em orientação sexual ou identidade de gênero: elas atingem também pais, mães, amigos, familiares e todos aqueles que estão ao redor de pessoas LGBTI.
Para além disso, muitas vezes, pessoas que não são LGBTIs, mas que são percebidas como tal, tornam-se também alvo de ataques ou agressões LGBTI-fóbicas. Em 2011, no interior de São Paulo, pai e filho foram espancados por um grupo de 20 pessoas ao andarem abraçados: os agressores acharam que eram um casal. Enquanto o filho teve ferimentos leves, o pai terminou com um pedaço da orelha decepado, arrancado por uma mordida.
Onde quer que vá, Avelino emociona a todos com a sua coragem, serenidade e generosidade em compartilhar a história do filho. Seu amor por Lucas fica estampado no rosto, nos gestos e nas palavras sempre que fala do filho, um sentimento que contagia quem quer que pare um instante para ouvi-lo contar a história. No dia das gravações, Avelino usava a camisa de árbitro do filho. A militância pelos direitos LGBTI acabou virando, para ele, um modo de manter viva a memória de Lucas. “Me sobrou essa tarefa de não deixar a luta dele morrer. A única homenagem justa e digna que posso fazer para ele e para a mãe é não deixar que a luta dele morra”.
Uma mensagem para os Pais de filhos e filhas LGBTI
Integrante do grupo Mães Pela Diversidade, o foco do ativismo de Avelino é justamente as famílias de pessoas LGBTI, especialmente os pais, que muitas vezes apresentam maior resistência em aceitar um filho ou uma filha LGBTI. De acordo com ele, “o pai que não sai do armário é co-responsável pela assinatura do atestado de óbito do filho”.
O grupo Mães Pela Diversidade é composto por mães e pais de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas trans, que perceberam que se aliar ao enfrentamento à LGBTI-fobia era a melhor forma de promover os direitos de seus entes queridos e garantir sua segurança — além de ser a melhor declaração de amor que se pode fazer a um filho ou filha LGBTI.
Para a maior parte das pessoas, a família representa o primeiro e principal reduto de afeto, proteção e apoio. Todavia, para a população LGBTI, a instituição familiar pode ser, também, espaço de discriminação, violência e preconceito.
Ângela Moysés, mãe de Thaís Rodrigues e também integrante do Mães Pela Diversidade, destaca o papel fundamental que as famílias de pessoas LGBTI devem ter no combate à discriminação com base em orientação sexual ou identidade de gênero. Para ela, “essa rejeição e violência não podem começar em casa”. “A família deve amar, acolher, respeitar. E lutar, para que seus filhos e filhas tenham direitos iguais, tenham segurança, possam ser quem são e amar quem desejam. Pais e mães precisam rever seus preconceitos e entender a necessidade urgente do seu apoio para seus filhos e filhas LGBT”.
Avelino diz que perdeu Lucas, mas que a militância o fez ganhar milhões de filhos e filhas em todo o Brasil. Ele gostaria que todos os pais conseguissem entender que ter um filho ou filha LGBTI não é algo triste: “pode ser a maior alegria do mundo”.
Neste Dia dos Pais, a ONU Brasil, no âmbito da Campanha Livres & Iguais, presta uma homenagem a Avelino Mendes, assim como a todos os pais que, por conta da violência LGBTI-fóbica, não poderão estar com seus filhos e filhas.
A violência LGBTI-fóbica no Brasil
Apesar de não haver dados oficiais desagregados por orientação sexual ou identidade de gênero, relatórios de organismos internacionais e monitoramentos feitos pela sociedade civil indicam haver, no Brasil, altos índices de violência contra a população LGBTI.
De acordo com o Grupo Gay da Bahia, 318 pessoas foram assassinadas no país em 2015, em crimes de fundo homofóbico ou transfóbico (GGB, 2015). Seria um crime de ódio a cada 27 horas, motivado, pura e simplesmente, pelo fato de essas pessoas serem quem são ou expressarem seu amor. O mesmo relatório aponta que apenas 25% dos homicídios com fundo LGBTI-fóbico tiveram seus autores identificados, e menos de 10% deles foram processados e punidos.
Informações colhidas pela Secretaria de Direitos Humanos também apontam que a população jovem é a mais atingida pelos assassinatos por LGBTI-fobia: no ano de 2012, em mais de 35% dos casos, as vítimas tinham entre 19 e 29 anos (SDH, 2012). Dentre as violências mais relatadas, a agressão física é a mais frequente, beirando os 75% das denúncias. Dentre essas, o homicídio é a mais comum, seguido pela lesão corporal (SDH, 2012).
As estatísticas são ainda mais alarmantes para a população de travestis, transexuais e pessoas trans. O relatório da organização Transgender Europe aponta que entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2015, 802 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, que possui o maior número absoluto desses casos no mundo inteiro: é o país que mais mata travestis, transexuais e pessoas trans (TGEU, 2016). Somente no ano de 2016, o monitoramento feito pela Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (RedeTrans) indica que já houve 86 casos de assassinato, 30 tentativas de homicídio, 37 casos de agressão e 9 casos de suicídio (RedeTrans, 2016). Os dados foram atualizados em 8 de agosto.
Enquanto a expectativa de vida do brasileiro médio é de 75 anos (IBGE), a das travestis brasileiras não passa dos 35 (CIDH, 2015). Isso se deve, dentre outras coisas, às diversas violências e discriminações de cunho transfóbico sofridas por essa população. A discriminação e a violência sofridas no ambiente familiar, ou, ainda, o corte dessas relações, não só impõe um sofrimento emocional e psicológico às pessoas LGBTI, como muitas vezes as impele em direção a uma situação de vulnerabilidade e marginalização, inserindo-as em um ciclo de exclusão social e de pobreza.
Em 2015, o relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) sobre discriminação e violência contra indivíduos baseadas em sua orientação sexual ou identidade de gênero, apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, afirmou que é uma responsabilidade dos Estados proteger os indivíduos LGBTI da discriminação e da violência inclusive na esfera familiar, na qual “rejeição, tratamento discriminatório e violência contra familiares LGBT e intersex podem ter consequências sérias e negativas sobre o gozo de direitos humanos”.
Exemplos de práticas discriminatórias e de violências contra pessoas LGBTI perpetradas no âmbito familiar podem incluir agressão física, estupro, expulsão de casa, exclusão de herança, proibição de ir à escola, internamento em instituições psiquiátricas, casamento forçado, perda da guarda de filhos ou filhas, punição por ações de ativismo ou ainda ataques à reputação pessoal. De acordo com o ACNUDH, “lésbicas, mulheres bissexuais e pessoas trans estão muitas vezes sob risco maior devido a desigualdades de gênero e restrições a sua autonomia em decidir sobre sexualidade, reprodução e vida familiar”.
Direitos humanos das pessoas LGBTI e a ONU Brasil
Em junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas aprovou a Resolução 17/19, por meio da qual expressava “grave preocupação” com a violência e a discriminação contra indivíduos em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero. A Resolução abriu caminho para o primeiro relatório oficial das Nações Unidas voltado especificamente à população LGBTI, submetido pelo Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH), em novembro de 2011. Uma atualização do relatório foi apresentada ao Conselho de Direitos Humanos em 2015.
Para além de analisar a violência, as leis e práticas discriminatórias a que são submetidas a população LGBTI em todo o mundo, o documento reúne um conjunto de recomendações aos países membros da Organização das Nações Unidas em que se ressalta a obrigação de todos os Estados de proteger indivíduos da violência ou da discriminação com base em gênero ou orientação sexual, garantindo a efetividade e o gozo pleno dos seus direitos humanos.
A fim de criar uma sinergia de esforços nesse sentido, a Organização das Nações Unidas lançou, em 2013, a campanha Livres & Iguais, iniciativa global pela promoção da igualdade de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas trans.
Em 2015, 12 agências, fundos e programas da ONU emitiram uma declaração conjunta incitando os Estados que tomassem medidas urgentes para dar fim à violência e à discriminação contra adultos, adolescentes e crianças lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersex (LGBTI). Dentre as medidas que os Estados devem aplicar para proteger pessoas LGBTI da violência, da tortura e dos maus-tratos, está a incorporação da homofobia e da transfobia como fatores agravantes nas leis contra crimes e discursos de ódio.
Em 2016, o Conselho de Direitos Humanos aprovou a criação de um cargo de especialista independente voltado para a proteção contra a violência e a discriminação motivadas por questões de orientação sexual e identidade de gênero. O Brasil foi um dos signatários da proposta. A decisão significa que a ONU terá um especialista em orientação sexual e identidade de gênero com o mandato de monitorar a situação de pessoas LGBTI no mundo inteiro, invetigando violações de direitos humanos dessa população e avaliando a implementação de mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos já existentes.
Os direitos humanos das pessoas LGBTI devem ser respeitados, garantidos e concretizados não só quando adultos são o alvo da LGBTI-fobia, mas também e principalmente quando crianças, jovens e adolescentes sofrem violências e discriminações por conta de sua orientação sexual ou identidade de gênero, real ou percebida. Isso sugere aos Estados o dever de prestar especial atenção às escolas e às famílias de pessoas LGBTI.
De acordo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), nenhuma pessoa — criança ou adulto — deve sofrer abuso, discriminação, exploração, marginalização ou violência de qualquer espécie por qualquer motivação, inclusive com base na sua orientação sexual ou identidade de gênero real ou percebida. Da mesma forma, a nenhuma pessoa deve ser negado qualquer um dos seus direitos humanos universais, liberdades e oportunidades básicas.
Em 2016, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO) no Brasil reafirmou o seu compromisso com a garantia dos direitos da população LGBT e das mulheres. Para a UNESCO no Brasil, aprofundar o debate sobre sexualidade e gênero contribui para uma educação mais inclusiva, equitativa e de qualidade, não restando dúvida sobre a necessidade de a legislação brasileira e os planos de educação incorporarem perspectivas de educação em sexualidade e gênero.
Em uma pesquisa feita com pessoas LGBTI no Rio de Janeiro, nenhum dos entrevistados afirmou ter conseguido completar o ensino superior, e metade deles abandonou a escola antes de terminar os estudos. 87% deles relatou já haver sofrido discriminação por conta de sua orientação sexual ou identidade de gênero – 61% deles passou por essas situações na própria escola. 41% declararam não conseguir arcar com as despesas necessárias à subsistência. (MicroRainbow, 2015).
Apesar disso tudo, o Brasil ainda não dispõe de uma legislação específica que tipifique e preveja uma punição a crimes de fundo LGBTI-fóbico.
5 obrigações básicas dos Estados em relação à população LGBTI
- Proteger indivíduos da violência homofóbica e transfóbica, inclusive por meio de legislação penal específica contra crimes de ódio
- Prevenir a tortura e os tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes às pessoas LGBTI
- Revogar leis que criminalizem a homossexualidade ou a transexualidade, incluindo todas as leis que príbem a conduta sexual privada entre adultos do mesmo sexo.
- Proibir a discriminação com base em orientação sexual ou identidade de gênero, promulgando leis abrangentes que incluam expressamente esses aspectos como motivos proibidos para discriminação, especialmente no que tange ao acesso a direitos básicos, como emprego e assistência médica.
- Proteger as liberdades de expressão, associação e reunião pacífica para pessoas LGBTI.
Livres & Iguais
A Livres & Iguais é a campanha da Organização das Nações Unidas pela promoção da igualdade de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas trans e intersex. Iniciativa inédita e global da ONU, ela reconhece que orientação sexual e identidade de gênero atuam como fatores que estruturam desigualdades sociais e impactam negativamente a fruição plena dos direitos humanos das pessoas LGBTI. Implementada no Brasil desde 2014, a campanha possui parcerias com a Prefeitura de São Paulo e com o estado de Minas Gerais, e conta com Daniela e Malu Mercury como suas Campeãs da Igualdade.
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