27 de julho de 2024

LÍGIA MESQUITA, DE BUENOS AIRES

Em 27 de setembro de 2013.

Lulu, aos seis anos, ainda surpreende os adultos que convivem com ela. Recentemente, falou com naturalidade para uma psicóloga: “Sei que não vai sair nenhum bebê da minha barriga e que eu não vou ter peito”.

E agora ela também sabe que seu antigo nome, Manuel, ficará somente como uma lembrança do passado. E que, em breve, passará a ser Luana, o nome que escolheu há dois anos.

Os pais da garotinha argentina conseguiram autorização do governo de Buenos Aires para que a filha trocasse sua identidade no DNI, o RG da Argentina. Ela será a primeira criança transgênero a obter esse feito no país.

Mas não foi fácil. Em dezembro de 2012, o órgão estadual responsável pelos registros havia negado a solicitação. A mãe de Lulu, Gabriela (ela não revela o sobrenome), decidiu então escrever uma carta à presidente Cristina Kirchner contando a história.

A Presidência recebeu a mensagem e encaminhou o caso para a Senaf (Secretaria Nacional da Criança, Adolescente e Família).

Lulu, a primeira criança transgênero na Argentina a conseguir mudar de nome na cédula de identidade
Lulu, a primeira criança transgênero na Argentina
a conseguir mudar de nome na cédula de identidade
Foto: Reuters

 

Na segunda-feira, o órgão enviou uma carta ao governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, e em dois dias autorizaram o novo registro. A família de Lulu mora na Grande Buenos Aires.

“O DNI é como um espelho. Se uma pessoa não se identifica ali, isso não é bom. Foi uma luta importante que vencemos”, afirma à Folha um dos psicólogos da criança, Alfredo Grande.

Para César Cigliutti, presidente da CHA (Comunidade Homossexual Argentina), a conquista de Luana é “emocionante”. “É algo histórico conseguir um novo registro sem que tenha sido necessário recorrer à Justiça”, diz.

A entidade de direitos LGBT assessora a família de Lulu com o tratamento psicológico e prestou acompanhamento jurídico no processo da nova identidade.

Segundo Cigliutti, o governo aceitou o uso da Lei de Identidade de Gênero para promover a mudança, já que a legislação não define nenhuma idade para o reconhecimento de um transgênero.

A psicóloga Valéria Paván, que também atende Lulu há dois anos, afirma à Folha que não foi preciso apresentar nenhum laudo psicológico da paciente. “Justamente porque essa lei procura a despatologização dessa questão.”

PRINCESA LULU

Lulu é irmã gêmea de um outro menino. Sua mãe, que neste momento prefere não dar entrevistas, falou há um mês à Rádio La Retaguardia. Contou que, quando a filha tinha um ano e seis meses, disse: “Eu, menina, eu princesa”. E que desde então assumiu ser menina.

A argentina não é a primeira criança transgênero a ter uma nova identidade. A americana Coy Mathis, 6, também conseguiu no ano passado mudar seus documentos.

E foi assistindo a um programa de TV sobre uma menina transgênero que Gabriela diz ter compreendido o que se passava com a filha e buscou ajuda.

“Ao aceitar que meu filho não era o filho que eu dei à luz, mas sim uma menina, aceitei sua identidade e me coloquei ao seu lado”, disse a mãe de Lulu.

“Muitas crianças transgênero não têm pais que as escutem. Os de Lulu prestaram atenção nela. Ter um novo documento é um passo importante. Mas ela sabe que ainda tem muita coisa pela frente, porque tem consciência de que seu corpo é o de um homem”, afirma a psicóloga Paván.

Fonte: Folha de S.Paulo

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/09/1348236-argentina-reconhece-crianca-transgenero.shtml

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