18 de abril de 2024
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De autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, projeto criminaliza assistência à gestante que aborta, mesmo nos casos em que a lei permite o procedimento (Agência Câmara)

Segundo entidade, propostas de Congresso ‘conservador’ representam retrocessos e colocam em risco conquistas progressistas

Luís Barrucho – @luisbarrucho
Publicado pelo portal BBC Brasil, em 23 fevereiro 2016

A proteção dos direitos humanos no Brasil estaria ameaçada por propostas em tramitação no Congresso Nacional, cada vez mais pautado por uma agenda conservadora, afirma um novo relatório da ONG Anistia Internacional, divulgado nesta terça-feira (23). Intitulado O Estado de Direitos Humanos no mundo 2015/2016, o documento faz um balanço do que considera as principais violações e ameaças a direitos em 160 países e territórios. Na visão da Anistia, as áreas da segurança pública, dos defensores de direitos humanos no campo, e dos direitos sexuais e reprodutivos são as mais ameaçadas pela atual agenda legislativa brasileira.

“Observamos uma violação contínua e sistemática dos direitos humanos em todo o mundo. E uma das principais ameaças vem dos governos que, a priori, deveriam protegê-los”, diz à BBC Brasil Fátima Mello, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional no Brasil. Para a ONG, entre esses principais retrocessos estão propostas como a redução da maioria penal de 18 para 16 anos, a revogação do Estatuto do Desarmamento, a tipificação do terrorismo, o novo código de mineração, o Estatuto da Família e a demarcação de terras indígenas pelo Legislativo.

Sobre o aborto, tema que voltou ao debate nacional por causa do crescente número de casos de microcefalia ligados à epidemia do vírus zika, a Anistia critica propostas que pretendem ampliar a criminalização do procedimento. “No fim do ano, tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei, como o Estatuto do Nascituro, que propunham criminalizar o aborto em todas as circunstâncias”, diz o relatório. Atualmente, o aborto só é permitido no país em casos de estupro, risco de vida da mulher e quando o feto é anencéfalo.

De autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, projeto criminaliza assistência à gestante que aborta,
mesmo nos casos em que a lei permite o procedimento (Agência Câmara)

O documento cita especificamente o projeto de lei 5.069/13, de autoria do atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que modifica a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual. Além de modificar a lei, a proposta torna crime uma prática que hoje é uma contravenção ? o anúncio de meios ou métodos abortivos ? e pune quem induz, instiga ou auxilia um aborto, com agravamento de pena para profissionais de saúde, que podem ser presos por até três anos. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em novembro de 2015, Cunha justificou projeto dizendo que a maioria da população se mostra contra o aborto. “O problema do aborto não é de conotação religiosa. O tema se sobrepõe a qualquer questão moral e deve ser cercado pelo princípio ético universal –a vida de um ser está sendo ceifada, sem que ele possa se defender”, alegou o presidente da Câmara.

Violência policial

O relatório da Anistia Internacional também chama atenção para um aumento no número de homicídios cometidos por policiais em serviço ou fora dele. A ONG ainda afirma que a “falta de transparência na maioria dos Estados impossibilitou que se calculasse o número exato de pessoas mortas em consequência dessas operações”. “Os homicídios cometidos por policiais em serviço raramente foram investigados, e os relatos de que os agentes envolvidos tentavam alterar a cena do crime e criminalizar as vítimas eram frequentes”, diz o relatório. Na visão da entidade, entretanto, policiais responsáveis por execuções extrajudiciais “desfrutaram de quase total impunidade”.

A Anistia critica ainda a repressão a manifestações. Nesse contexto, o documento também faz menção à tipificação do terrorismo como crime específico do Código Penal. “Temia-se que, caso aprovada na forma atual, a lei pudesse ser usada para criminalizar manifestantes e classificá-los como ‘terroristas'”, diz o relatório. O projeto ainda precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados.

Tortura, maus tratos e remoções

O relatório também aborda a situação precária das prisões brasileiras. “Superlotação extrema, condições degradantes, tortura e violência continuaram sendo problemas endêmicos nas prisões brasileiras”, diz a Anistia. Cenário semelhante, na visão da entidade, é verificado no sistema de justiça juvenil, que também apresenta “superlotação e condições degradantes”. “Houve um grande número de denúncias de tortura e de violência contra meninos e meninas, sendo que vários adolescentes morreram em custódia no decorrer do ano”, assinala o relatório.

A Anistia critica ainda as remoções por causa da Olimpíada deste ano, no Rio de Janeiro. “Desde que o Rio de Janeiro foi escolhido em 2009 para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, milhares de pessoas foram removidas de suas casas para dar lugar às obras de infraestrutura para o evento. Muitas famílias não receberam a devida notificação, nem indenizações suficientes ou reassentamento adequado”, acrescentou.

Anistia critica remoções por causa das Olimpíadas no Rio de Janeiro (Reuters)

Além disso, o relatório aponta para a crescente presença de milícias controladas por policiais em condomínios do programa Minha Casa, Minha Vida para famílias de baixa renda. “Essa situação deixou milhares de famílias sujeitas à violência, sendo que muitas foram forçadas a abandonar suas casas por causa de intimidações e ameaças”, acrescenta o documento.

Internacional

Globalmente, a Anistia critica a violação de direitos humanos pelos próprios governos que “deliberadamente atacam, subfinanciam ou negligenciam instituições que foram criadas a proteger nossos direitos”.

Na visão da entidade, mais de 98 países realizaram torturas ou maus-tratos e 30 ou mais obrigaram refugiados a retornarem a países onde estariam em perigo. Em pelo menos 18 deles, os governos e grupos armados cometeram crimes de guerra e outras violações das “leis de guerra”, acrescenta o relatório.

A Anistia também cobrou uma maior proteção a organismos multilaterais, em especial as Nações Unidas. “A ONU foi criada para ‘salvar as futuras gerações dos flagelos da guerra’ e ‘reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais’, mas se encontra no momento mais vulnerável do que nunca diante dos enormes desafios”.

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