8 de novembro de 2024
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Foto: Mídia Ninja

Ícaro Jorge
Publicado pelo portal Justificando, em 24 de julho de 2018

Numa sociedade racista, LGBTfóbica estruturada pelo capitalismo fazer aniversários é um dos sentimentos de realização, afinal é a comprovação de que você ainda se mantém vivo. Todos aniversários que faço me pergunto quais são as expectativas de futuro e como viver melhor por mais um ano de vida. Uma forma de autodefesa e planejamento estratégico de carreira, relacionamentos, economias. Mas como fazer isso sendo jovem, negro, gay e morador de periferia? Qual a nossa maior preocupação, além de sobreviver?

Desde os 09 anos ouvindo minha mãe me dizer “Meu filho, nunca ande sem camisa e sempre ande com identidade”. Cresço mais um pouco e escuto “Sempre ande em grupos, mas sem fazer bagunça”. Chego aos 16 e ouço mais o conselho de “Cuidado com as drogas e com as pessoas que você anda”. Aos 18 começam as preocupações diante da sexualidade e os conselhos de “Nada de expressar sua escolha na rua” ou “cuidado para não ficarem sabendo”. Várias violências, todas as estratégias de sobrevivência. Posso dizer que cheguei aos 21 anos por causa delas.

Mas sobreviver não significa que estamos bem. Eu não estou bem. Ninguém está bem e se você acha que está tudo bem, vive numa constante alienação ou se resume na escrotidão de não enxergar o mundo como a maioria enxerga. O medo, as constantes violências, as raivas diárias de uma sociedade estruturada pelas nossas mortes. As estatísticas batem nas nossas mentes todos os dias e ninguém quer ser mais um número no Mapa da Violência.

Recentemente, estava ministrando uma aula no Curso do Ocupa Preto no bairro onde moro e debatemos sobre o encarceramento da população negra utilizando como materialidade significante o livro de Juliana Borges “O que é encarceramento em massa?”. Nessas discussões, chegamos à conclusão que ou nos matam ou nos prendem e aqueles que não foram mortos nem presos, estão encarcerados numa estrutura que impede que possamos andar, viver e sorrir. A não ser por momentos de fuga e pequenas revoluções, e mesmo assim, continuamos com raiva por sermos obrigados a ser fortaleza diante de um riacho de pedras e dificuldades.

Ser negro, ser jovem, ser gay, ser trabalhador, uma série de determinantes que se interseccionam em torno da sua sobrevivência e que todo o dia vão e voltam na sua mente, no seu corpo, nas suas ações. Na faculdade, no trabalho, no partido, na igreja, na família, em todos os lugares estamos arquitetando estratégias de sobrevivência em torno da nossa andada e continuação. Mas isso é tão cansativo. É cansativo porque por mais que você chegue perto, você nunca alcança o poder. Lula, trabalhador que chegou perto de desestruturar as entranhas do privilégio no Brasil, rapidamente foi comido pela estrutura. Marielle, que tentava fazer ruir o sistema penitenciário para a construção de outras possibilidades, rapidamente foi assassinada. É enraivecedor, é doentio e o tempo todo estamos nos flagelando para garantir oportunidades.

E como ir de contra a isso? Precisamos aprender a transformar a raiva em autoamor.  Mas não como o amor romântico que o capitalismo criou no imaginário social para vender e lucrar com sentimentos, mas o amor que fortalece as nossas subjetividades e nos faz voltar a quem somos a todo tempo, heróis e heroínas das nossas vidas, reis e rainhas que foram aprisionados pelo medo daqueles que não possuíam brilho suficiente para enxergar a nossa realeza. Nós somos a realeza, a fortaleza, aqueles que mesmo diante das diversas dificuldades, se reconstroem a cada dia. E é como Bell Hooks nos direciona: Nós precisamos nos movimentar para além da dor e só nos amando conseguiremos isso, buscar pensar em novas possibilidades para desestruturar as mazelas da sociedade e transformar essa raiva do mundo em amor. E dessa forma, revolucionar sem ser engolido pelo caos da própria estrutura.

Ícaro Jorge é Graduando do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades com ênfase em Estudos Jurídicos, articulador do Ocupa Preto, militante do Coletivo de Juventude Ousar, Conselheiro Suplente de Políticas Culturais de Salvador.

1 thought on “Quando a raiva se transforma em autoamor

  1. Percebo que existe, atualmente, é uma “crise hetera”, ou em nome do “autoamor”: Estamos no páreo! Que o casal “hetero” de vizinhos Não estão “sintonizados” eu já sabia! Mas que ela passaria a me considerar no “páreo” foi “novidade”! Os encontrei no elevador e apenas ele me cumprimentou! A tardinha, me encontrei com ele e transamos! Até comentei com ele, sempre percebendo ele carente!

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