9 de outubro de 2024
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Perversão, viadagem e corpinho padrão: o "gay social" em uma única imagem.

Fabricio Longo
Publicado na coluna Dando Pinta, do site Os Entendidos, em 13 de abril de 2016

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Perversão, viadagem e corpinho padrão:
o “gay social” em uma única imagem.

Eu era a bichinha da sala de aula e o amigo gay que para as meninas era um “desperdício”. Para os meninos, uma vergonha contagiosa que poderia virar suspeita contra eles se por acaso me tratassem feito gente. O fracasso do meu pai, a culpa da minha mãe, o problema delicado dos meus professores. Para a igreja, alguém amaldiçoado pelo desejo mesmo quando ainda era virgem. Para minha psicóloga, mais uma criança superprotegida sentindo falta de uma figura masculina. E pra mim… Bem, ninguém nunca me perguntou nada!

Lembro de quando me aceitei como gay. Eu, comigo. Tinha 12 anos e resolvi parar de brigar com o inevitável, uma vez que nessa fase pré-adolescente já era óbvio que meus desejos homossexuais – fossem certos, errados, pecaminosos ou fabulosos – não iriam sumir. Aliás, eles só aumentavam, assim como o sentimento de vergonha por estar meio que confirmando todos os xingamentos que sempre recebi e que negava como podia.

De certa forma foi como se eu dissesse “vocês tinham razão”, e isso foi libertador.

Até hoje eu sou “o gay”, essa referência. Esse texto é gay, esse site é gay, eu sou um pesquisador gay fazendo militância gay, e tudo que faço, visto, a forma que eu danço, ando e falo é gay. E se por acaso alguma coisa não estiver parecendo gay, o simples fato de EU estar fazendo já a transforma em algo “de gay”. Guardadas as devidas proporções, com aquela atenção especial para os recortes de gênero, de classe e de raça, isso acontece com qualquer identidade estigmatizada. Somos os “diferentes”!

Para entender a desigualdade é preciso compreender o caráter relacional das identidades. Dá para reformular a citação de Simone de Beauvoir e dizer que “não se nasce nada, torna-se qualquer coisa”. Uma pessoa não “nasce gay” quando sai do útero ou do armário, mas sim quando é acusada percebida como gay pelos outros, por aqueles que ao apontar o dedo se colocam automaticamente como “não-gays”. A própria busca por explicações para o comportamento homossexual já estabelece a heterossexualidade como “normal”, e embora isso até possa ser defendido quando o assunto é a reprodução sexuada, perde o sentido quando discutimos as implicações sociais de identidades, do desejo sexual, etc. Somos muito complexos para dividir o mundo em “certo/errado” ou em “bom/ruim”, e quando fazemos isso selamos destinos inescapáveis.

Ah, então quero dizer que ser gay é uma escolha? Estou negando a NATUREZA da homossexualidade? Não, de maneira nenhuma! Entendo que o desejo se manifeste involuntariamente, até pelo argumento batido de que ninguém escolheria sofrer preconceito. Entendo, também, que a ideia de uma sexualidade essencial e absoluta possa ser confortável para muitas pessoas e que ela tenha sido útil para o debate político, já que a bandeira do “nasci assim” serviu para combater o estigma da anormalidade. O que estou defendendo é que a forma como lidamos com a sexualidade faz parte da nossa cultura e do nosso tempo, fazendo com que a experiência de “ser gay” hoje seja completamente diferente da vivida pelos homossexuais da antiguidade, por exemplo. O sexo e as relações afetivas entre pessoas do mesmo gênero sempre fizeram parte de nossa história e continuarão a fazer, mas atualmente temos uma estrutura que transforma os homossexuais em personagens sociais específicos.

Você pode ter nascido gay, pode ser bi, pan, assexual, g0y, espartano ou a Princesa Caroço. A subjetividade de um indivíduo é formada por muita coisa, e temos aí afeminados, ativões, discretos e até quem consiga escutar Lana Del Rey. Como você escolhe ser chamado, quem serão seus amigos, seus filmes e livros, sua “tribo”… A identidade é multifacetada e uma mesma pessoa pode ser ateia e ao mesmo ser a louca dos signos, sem que isso a impeça de ser médica ou prostituta. O problema é a “mecânica do estigma”, que apaga trajetórias para reduzir as pessoas apenas àquilo que a sociedade enxerga como ruim. Pior, o que a sociedade TRABALHA para que seja entendido como ruim, já que só através da definição do proibido que se estabelecem os limites do que é permitido.

No sexo, no amor, na música, na religião ou no time de futebol, somos o que somos. O que é importante entender quando assumimos “gay” como identidade é que essa é uma escolha política. Ser gay não é nenhuma maldição, não importa quantos queiram usar isso como xingamento. Essa identidade é tão conflituosa justamente porque foi construída negativamente e só vem sendo ressignificada através do movimento de ORGULHO. Ela nos é atribuída por outros que exigem que a gente ADMITA que SABE que é gay, reconhecendo isso como diferente e potencialmente vergonhoso. Cabe a nós, como donos de nossas vidas, reinventarmos  nossa relação com esse e com outros rótulos, entendendo que eles podem ganhar sentido.

Não é isso que a geração da “lacração” e do “tombamento” está fazendo? Não é esse o significado de “empoderamento”? Fomos inventados para estabelecer a heterossexualidade como algo superior. É hora de virar o jogo e de gritar que também temos PODER!

Permita-se. Seja livre. Seja fabuloso.

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1 thought on “Eu sou gay ou fui inventado pelos heterossexuais?

  1. A exemplo de mim, todos os meus irmãos foram “aguardados” como do genero feminino, numa época em que o USG em Gestantes era Utopia! Em relação a mim, minha irmã “incubida de me ensinar a fazer a barba” e se dependesse de minha mãe, me levar a escola durante todo o (então) segundo grau! Como desfecho, fui pedido por um colega, para nos conhecermos melhor! Mesmo nossos corpos “anatomicos”, mas para a primeira vez, agradou a ambos, a transa! Com direito ao chamado “momento refratário”!

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